É preciso buscar ajuda.
E AJUDAR
Rede de apoio à pessoa com
ideação suicida é problemática em
Santa Maria, mas há alternativas
Diante de uma família desestruturada e com uma ordem de despejo em mãos, um adolescente tomado pelo desespero tenta o suicídio em Santa Maria, no início de 2015. Socorrido a tempo por uma equipe do Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (Samu), é encaminhado à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Santa Maria. Recebe os primeiros-socorros. Por falta de leitos no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), é internado na unidade mesmo. Descontrolado, foge do local. É resgatado e internado novamente. Assim que suas condições clínicas melhoram, dias depois, recebe alta. Até hoje, tenta se recuperar com a supervisão de parentes e amigos, sem acompanhamento profissional.
– Tentamos vaga para ele seguir com o tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial), mas não conseguimos porque a fila de espera era imensa. Ele não tem envolvimento com drogas, trabalhava e estudava, mas teve problemas sérios de depressão. Conseguimos que seguisse trabalhando e estudando, mas não conseguimos tratamento adequado nem medicamentos. Temos medo que ele tenha recaídas – conta um amigo próximo do adolescente, que não será identificado para preservar o paciente.
O acesso difícil ao tratamento ideal não é exclusividade desse menino. Muitos pacientes com transtorno emocional e ideação suicida, em Santa Maria, esbarram na falta de vagas, em portas fechadas, em filas e em equipes sobrecarregadas. Especialistas concordam que a melhor saída é o trabalho desenvolvido em rede para um atendimento mais eficiente e eficaz.
Para tentar alavancar essa ideia de colaboração mútua em benefício da vida, uma vez por semana, representantes da prefeitura, da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ª CRS) e do Husm se reúnem, no hospital, para discutir o tema e a rede de apoio no município.
De acordo com Maria Lucia Degrandi, responsável pela vigilância de violência doméstica, sexual e outras violências na 4ª CRS, o Grupo de Trabalho Integrado começou como uma tentativa de garantir que os pacientes recebam atendimento:
– A pessoa que tenta suicídio não pode esperar por um agendamento. Nossas discussões buscam garantir que as unidades de saúde estejam abertas para receber essas pessoas, que garantam o melhor encaminhamento e que a família dos pacientes estejam presentes para acompanhá-los e garantir que eles não ficarão sozinhos. Mas Santa Maria ainda está muito longe de ser um lugar ideal para o tratamento das pessoas que tentam o suicídio.
A secretária municipal de Saúde, Vânia Olivo, garante que a prefeitura está trabalhando para que as unidades básicas da cidade estejam preparadas para acolher esses pacientes e fazer os encaminhamentos mais adequados, no menor tempo possível.
O trabalho ideal
funciona em conjunto
Gabriela Costa, psiquiatra forense que trabalha no ambulatório de psiquiatria do Husm e dá aulas no curso de Medicina da Unifra, concorda que o trabalho em rede seria o mais eficaz, tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde mental:
– Se a gente recebe uma pessoa que vem encaminhada por uma unidade básica ou por um assistente social, nosso trabalho é mais eficiente. Muitas vezes, a pessoa que tenta o suicídio está em surto e não consegue explicar com clareza o momento pelo qual está passando. Quando a gente tem contato com profissionais que acompanham e sabem onde o paciente mora, fica mais fácil entendermos qual é o contexto de vida em que ele se encontra. O diagnóstico e o tratamento ficam mais fáceis. Todo médico precisa saber identificar quando um paciente tem comportamento suicida. A gente aprende a fazer avaliação de risco de suicídio na faculdade de Medicina. Então, o ideal é que o paciente passe mesmo pela unidade básica.
Apesar de acreditar que a rede esteja funcionando, já que o ambulatório de psiquiatria do Husm recebe, em média, de cinco a seis pacientes por dia, a médica acha que é preciso capacitar os profissionais que trabalham nos postos:
– Sinto falta de maior treinamento de profissionais de saúde básica para o reconhecimento da ideação suicida. Também seria importante que a cidade tivesse mais unidades especializadas para pacientes dependentes de uso de substâncias.
Equipe focada em suicídio
Conforme a secretária de saúde Vânia Olivo, o município estuda se é possível ter uma equipe de profissionais focados exclusivamente no suicídio.
– O que falta, na minha opinião, é um Caps para tratar do suicídio e ser referência para as unidades. Não temos uma equipe específica para tratar de suicídio na cidade. O Caps Prado Veppo é o que trabalha com todos os tipos de transtorno mental, mas tem uma superdemanda. Estamos estudando se é possível ter profissionais focados na prevenção ao suicídio. A ideia é desenvolver o apoio matricial, para que essa equipe vá para os bairros e oriente as turmas das unidades básicas – acrescenta Vânia.
Para Vivian Roxo Borges, doutora em Psicologia e professora da PUC-RS, o acompanhamento é essencial para que a pessoa não cometa o suicídio:
– O acompanhamento e o tratamento de saúde mental são fundamentais, mesmo que a pessoa não esteja mais em risco. A conscientização, o controle de acesso a meios letais, o tratamento de transtornos mentais, o seguimento intensivo de pessoas que pensam ou tentaram o suicídio são fundamentais como estratégias de prevenção.
O psiquiatra Ricardo Nogueira, coordenador do Centro de Promoção da Vida e Prevenção ao Suicídio do Centro de Saúde Mãe de Deus, em Porto Alegre, acredita que a rede de apoio deve começar nos agentes de saúde:
– A pessoa com ideação suicida precisa de acompanhamento, ela não pode ficar só em nenhum momento. Esse paciente precisa de companhia e tratamento continuado. E os profissionais de atenção primária desempenham um papel chave, assegurando a continuidade dos cuidados e a adesão correta ao tratamento.
Como é o
atendimento hoje
O paciente com transtorno mental e ideação suicida deve, hoje, procurar a unidade básica de saúde ou os profissionais do plano Estratégia Saúde da Família (ESF) perto de casa. Esses profissionais vão avaliar as condições emocionais dessa pessoa e encaminhá-la ao atendimento mais adequado. Esse local pode ser o Ambulatório de Saúde Mental do município, que faz o acompanhamento ou encaminha para os Centros de Apoio Piscossocial (Caps), ou o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). O problema, quando o encaminhamento é feito via município, é o tempo para conseguir uma consulta, que pode demorar meses.
A responsável pelo Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Husm, Vergínia Rossato, faz as notificações das tentativas de suicídio que ocorrem em Santa Maria e costuma entrar em contato com os pacientes que tentaram o autoextermínio e precisam de tratamento:
– Muitas pessoas relatam para a gente que optam por tratamento particular porque, no município, precisam esperar até três meses por uma consulta. Isso não pode acontecer. A pessoa com ideação suicida ou que tenta se matar não pode ficar desamparada, esperando em uma fila. Ela precisa de ajuda imediata.
A secretária municipal de Saúde, Vânia Olivo, reconhece que há sobrecarga de trabalho nos Caps, mas garante que o assunto está entre as preocupações mais imediatas da pasta e que conta com a mobilização de outras áreas para que a rede seja efetiva:
– As portas do ambulatório estão sempre abertas, mas vamos reformar o espaço e precisamos aumentar a equipe para dar conta da demanda. De forma mais imediata, estamos trabalhando para desafogar os Caps e tratar esses pacientes na unidade básica de saúde.
Hoje, a prefeitura conta com 144 médicos concursados, dois deles, psiquiatras. Toda a equipe é custeada pelo município.
PROCURE APOIO
O primeiro passo a ser tomado por quem tem transtorno mental e ideação suicida é procurar uma unidade básica de saúde perto de casa ou conversar com a equipe do programa Estratégia Saúde da Família que atende o bairro
No posto, será feito o encaminhamento necessário para o Ambulatório de Saúde Mental do município, para o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ou para o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm, foto acima)
Nesses locais, será definido o tratamento e sua continuidade
A Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) e o Husm só atendem casos de urgência e emergência, que envolvam risco de morte
Husm oferece
internação e ambulatório
Há psiquiatras 24 horas por dia, 7 dias por semana, a postos no Husm para atender o paciente que tenta suicídio e corre risco de morte ou aquele que é referenciado para consulta no hospital. A partir do primeiro atendimento, o profissional avalia se é caso de seguir tratamento ambulatorial ou de internação.
Se o paciente precisar apenas de acompanhamento ambulatorial, passará por consultas regulares com um residente em psiquiatria, orientado por um professor, ou com um psiquiatra. O tratamento é desenvolvido no ambulatório de psiquiatria do hospital.
Se o paciente precisar de internação, será encaminhado para a unidade Paulo Guedes, que fica no terceiro andar da instituição. O espaço conta com 30 leitos e abriga pessoas com transtornos psicóticos, depressivos, obsessivos compulsivos e bipolares e estresse pós-traumático, entre outros. Na última segunda-feira, um jovem de 18 anos, que tentou o suicídio, seria acolhido no local para o tratamento adequado. O espaço é o único a receber homens maiores de idade em Santa Maria.
O encaminhamento para o Husm também é feito via 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ª CRS). Segundo a psicóloga Alessandra Gamermann, especialista em saúde da coordenadoria, o trabalho consiste em organizar a procura por leitos e dar apoio ao município:
– Temos bastante demanda de pessoas dependentes de álcool e drogas e de transtornos de humor. Os hospitais de referência são o Husm e a Casa de Saúde, em Santa Maria, e instituições em Cacequi, Nova Palma, São Francisco de Assis e Santiago. Mas o que a gente procura é que a pessoa consiga fazer o tratamento em seu ambiente. A internação ocorre só em último caso.
Na UPA, na Casa de Saúde
e no Hospital São Francisco
A Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), em Santa Maria, também atende casos de urgência e emergência que envolvam pacientes com ideação suicida. Via de regra, os casos são encaminhados para o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) para acompanhamento psiquiátrico e internação. Isso porque a Casa de Saúde, que fica em um prédio anexo à UPA e também tem leitos de internação psiquiátrica, atende mais pacientes que tenham problemas emocionais relacionados ao uso de drogas.
A instituição conta, via Sistema Único de Saúde (SUS), com 10 leitos para mulheres adultas, 14 leitos para homens com menos de 18 anos e um leito para saúde mental infantil, na unidade Madre Madalena.
O Hospital São Francisco de Assis também oferece leitos de internação psiquiátrica em Santa Maria. Mas a unidade Santo Antônio só atende pacientes particulares ou conveniados. O espaço oferece 12 leitos para homens, 12 leitos para mulheres e um leito para casos de pessoas com necessidades especiais.
Apoio imediato e gratuito,
do outro lado da linha
Há quatro anos, quem sofre qualquer tipo de angústia, dor, problema e desespero em Santa Maria, encontra conforto e ouvidos atentos no Centro de Valorização da Vida (CVV). O posto do serviço em Santa Maria começou a funcionar em 18 de outubro de 2011 e, de lá para cá, já ouviu e acolheu muita gente, ajudando a preservar vidas. Além de cumprir com êxito essa missão, a turma daqui ainda foi protagonista em uma vitória e tanto para a entidade: a gratuidade no atendimento.
Desde o último dia 12 de setembro, equipes do CVV no Rio Grande do Sul atendem, de forma gratuita, ligações feitas por pessoas em qualquer cidade do nosso Estado. A novidade é pioneira no país e foi decorrente, entre outras coisas, do aumento no número de telefonemas recebidos depois do incêndio na boate Kiss, em janeiro de 2013.
Hoje, o CVV de Santa Maria conta com 37 voluntários que cumprem escalas de trabalho. Mas, mesmo que não haja ninguém no posto no Coração do Rio Grande, o atendimento está garantido: caso a ligação não seja recebida na cidade, será transferida automaticamente para outra unidade.
De acordo com o livro “CVV: 50 anos ouvindo as pessoas”, o trabalho da entidade é prestar apoio emocional a pessoas que estão sofrendo e se sentem propensas ou determinadas a cometer suicídio. A missão dos voluntários é tentar aliviar o sofrimento, a angústia, o desespero e a depressão, ouvindo e oferecendo apoio pelo tempo que a pessoa que telefonar julgar necessário. Tudo o que é dito é confidencial e sigiloso.
– Nosso trabalho é de ouvir a pessoa e dar o suporte emocional que ela precisa. Não fazemos diagnósticos e não damos conselhos. Nós ouvimos com atenção, temos uma compaixão incondicional com a dor do outro e o ajudamos a se reorganizar. Nunca fazemos nenhum tipo de julgamento – explica Jorge Brandão, coordenador do CVV em Santa Maria.
Ainda conforma Brandão, as pessoas ligam por diferentes motivos – a perda de um amor ou de um animal de estimação, a determinação suicida ou uma angústia leve – e todas são tratadas com o mesmo respeito e a mesma empatia por quem está do outro lado da linha. Qualquer que seja a dor, qualquer que seja a razão que fez a pessoa tirar o telefone do gancho, tudo é bem recebido. Exceto em casos de trotes, que são comuns e atrapalham o trabalho, não por incomodarem o voluntário, mas por ocuparem um espaço que é dedicado a quem realmente precisa ser ouvido.
O CVV em Santa Maria fica em um espaço cedido na rodoviária. Apesar de não pagar pelo espaço, o grupo precisa arcar com contas de água, luz, telefone e com os treinamentos para novos voluntários. Por isso, aceita doações e promove eventos para arrecadar verba.
Quem quiser se voluntariar no CVV pode ligar para o número 188 e se cadastrar. Um novo treinamento deve ser promovido em outubro e inclui 12 encontros. Depois, a pessoa estará apta a trabalhar no posto do CVV, 4 horas e meia por semana.
SEMPRE A POSTOS
O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece atendimento gratuito, 24 horas por dia, pelo telefone 188
De segunda a sábado, das 7h às 23h, há voluntários no posto, que fica na rodoviária
O centro também oferece apoio por meio de um chat que pode ser acessado no site da instituição (cvv.org.br)
REPORTAGEM
Carolina Carvalho
DESIGN E DESENVOLVIMENTO
Rafael Sanches Guerra