Entre as décadas de 1920 e de 1960, as famílias Ramos e Konder Bornhausen protagonizaram a maior rivalidade política da história de Santa Catarina.
Os clãs Konder e Ramos convivem nos
Os Ramos e os Konder se ajudam na política e
A eleição do governador
Um noivado para unir as famílias Konder e Ramos
Entre as décadas de 1920 e de 1960, as famílias Ramos e Konder Bornhausen protagonizaram a maior rivalidade política da história de Santa Catarina.
Por volta de 1912, Victor Konder toma uma decisão que mudaria completamente seu destino.
Quando Vidal Ramos deixou o governo, em 1915, assumiu a vaga de Felipe Schmidt no Senad
Um noivado para unir as famílias Konder e Ramos
Entre as décadas de 1920 e de 1960, as famílias Ramos e Konder Bornhausen protagonizaram a maior rivalidade política da história de Santa Catarina. Os nomes e os partidos mudavam, mas a polarização entre os clãs de Lages e de Itajaí servia de baliza para acirradas disputas voto a voto. Curiosamente, essa história começa com um noivado que prometia entrelaçar as duas famílias. O noivado de Victor e Ruth.
Deputado estadual pela região de Blumenau, Victor Konder passou uma pequena temporada em Lages, terra da tradicional família Ramos, em janeiro de 1920. Ficou na Serra por cerca de 10 dias, segundo relatos da imprensa local. Antes de voltar ao Vale do Itajaí, fez uma parada em Florianópolis, onde deixou a notícia: estava noivo.
Os dois principais jornais da Capital deram a notícia. O Estado no dia 26 de janeiro de 1920, o República no dia seguinte: Ruth Ramos, a filha de 19 anos do senador e ex-governador Vidal Ramos, estava noiva do deputado Victor Konder. A importância das famílias na sociedade catarinense fez a novidade ecoar até à imprensa do Rio de Janeiro, capital da República, onde o tradicional Correio da Manhã deu a nota exatamente um mês depois.
A notícia não causava choque algum. Podia-se dizer que era até esperada. A rivalidade entre as famílias Ramos e Konder ainda não demarcava os limites da política catarinense. Naquele momento da história, o noivado de Victor e Ruth apenas consumava uma relação iniciada na década anterior, quando o lageano Vidal governava Santa Catarina e os irmãos itajaienses Marcos, Adolfo e Victor tentavam entrar na linha de frente da política estadual. As duas famílias integravam o Partido Repúblicano Catarinense, único partido do Estado – liderado pelos senadores Lauro Müller e Hercílio Luz.
A partir daquele momento, o destino dos clãs Ramos e Konder estaria entrelaçado pelo próximo meio século. Mas não seria por causa desse noivado.
Os clãs Konder e Ramos convivem nos bancos escolares e na faculdade de Direito
Os irmãos Marcos, Adolfo e Victor eram filhos do imigrante alemão Marcos Konder Sênior e da brasileira Adelaide Flores Konder. Mais velho dos três, Marcos assumiu o comando dos negócios da família com a morte prematura do pai aos 44 anos, em 1898. Tinha apenas 16 anos e se sacrificou para que Adolfo e Victor vivessem o sonho de ascensão social e política da família, representado pelo diploma de bacharel da tradicional Faculdade de Direito de São Paulo. Ambos partiram para a capital paulista em 1903. Dois anos depois, outro catarinense chegava para estudar no Largo São Francisco. Era o lageano Nereu Ramos, filho do governador Vidal Ramos.
A convivência não era uma novidade. Os três também foram contemporâneos no Colégio Conceição, instituição jesuíta localizada em São Leopoldo (RS), por onde passou boa parte da elite política gaúcha e catarinense da época. Em São Paulo, Adolfo, Victor e Nereu se destacam e integram a diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto — momento registrado em uma fotografia histórica de todo o grupo com o político, jurista e escritor Joaquim Nabuco.
De volta a Santa Catarina depois de suas formaturas, os três dedicam-se à advocacia e ao jornalismo. O lageano era redator político do jornal O Dia, enquanto Adolfo e Victor dirigiam o Novidades. Advocacia, jornalismo e política eram atividades indissociáveis nos primórdios da República – e política logo chegaria para Adolfo, Victor e Nereu.
Os Ramos e os Konder se ajudam na política e intensificam relações
Por volta de 1912, Victor Konder toma uma decisão que mudaria completamente seu destino. A Itajaí da época não comportava os dois bacharéis — ele e o irmão Adolfo, formados juntos na Faculdade de Direito de São Paulo quatro anos antes. Então, Victor decide se mudar para Blumenau, onde se estabelece como advogado. A vida na cidade do Vale contagia Victor. Fluente em alemão, ele logo conquista clientela e simpatia no principal reduto de colonização germânica do Estado.
Ajudava na ambientação a presença do grande amigo Pedro Silva, juiz, com quem compartilhava o mesmo espírito boêmio. A amizade era mais um laço a aproximar Victor da família Ramos, porque Pedro era marido de Rachel, filha mais velha do governador Vidal Ramos. Ligação que fez de Victor padrinho de batismo do filho do casal, Aderbal Ramos da Silva — nascido no Palácio do Governo. As cinco filhas do governador moravam no palácio, inclusive Rachel, que deixara Blumenau por causa de uma enchente de 1911 para ter o filho na Capital. Entre elas, estava a pequena Ruth, de 10 anos, futura noiva de Victor.
É nessa época que Nereu Ramos entra para a política, com a bênção do pai governador e ajuda dos Konder. O jovem lageano se elege deputado estadual concorrendo pela região de Itajaí. O voto era distrital, com cada região votando em seu representante. Com a morte do deputado Pedro Ferreira da Silva, o sistema previa uma eleição avulsa. O PRC indicou Nereu, sem adversários, e as urnas confirmaram seu nome — como confirmavam todas as decisões do PRC na República Velha.
Nereu não completaria o mandato, trocando o Legislativo por um cargo na delegação brasileira que iria a Haya e Bruxelas discutir direito marítimo, chefiada por Rui Barbosa. Na volta ao Brasil, trabalhou no gabinete do pai, ainda governador. Com Vidal no governo e — segundo o próprio governador, em seu livro de memórias —, ajudados por ele, os Konder chegam à Assembleia, elegendo Marcos Konder em 1913.
A eleição do governador Hercílio Luz
Quando Vidal Ramos deixou o governo, em 1915, assumiu a vaga de Felipe Schmidt no Senado. Schmidt, por sua vez, foi escolhido governador. A operação tinha o aval do senador Lauro Müller, a principal liderança nacional de Santa Catarina na época. Era ele que confirmava os nomes dos deputados federais, senadores e o governador do Estado.
Para a indicação dos cargos estaduais, era maior o peso do senador Hercílio Luz e do governador que estivesse ocupando o posto. Radicado no Rio de Janeiro, como senador e ministro de dois presidentes, Lauro interferia na política estadual apenas para evitar crises no Partido Republicano Catarinense – o único que Santa Catarina tinha na época. Foi assim, por exemplo, no primeiro mandato de Vidal como governador, em 1902. Sem consenso para a escolha, Lauro indicou a si mesmo e a Vidal como vice. Eleito, renunciou no mesmo ano.
Em 1918, Lauro Müller teve que intervir novamente. Hercílio queria ser o governador, mas Felipe Schmidt, com o controle da cúpula do PRC, apoiava o secretário Fúlvio Aducci. Com força na base do partido, Hercílio pressionou e colocou em xeque a própria liderança de Lauro, que chamou de "mítica".
Provocado, Lauro desceu ao Estado com a velha fórmula: indicou-se candidato, com Hercílio de vice. Vidal Ramos foi um dos entusiastas do acordo, vislumbrando nesse cenário maiores possibilidades futuras para seu clã.
Lauro nem vai a Florianópolis assumir o governo. Plantando a manobra que garantiria sua reeleição — proibida na época — Hercílio assume, mas assina todos os atos como "vice-governador em exercício".
Os planos de Hercílio não cabiam em apenas um mandato. Deles faziam parte uma inimaginável ponte ligando a Ilha de Santa Catarina ao Continente. Para isso, contava com a família Konder. Indicou Adolfo Konder como secretário de Fazenda, Viação e Obras Públicas, cargo que criou naquele mandato. Em 1919, Victor Konder se elege deputado estadual por Blumenau, fazendo companhia ao irmão Marcos – reeleito pela região de Itajaí. Por Lages, Nereu Ramos também volta para a Assembleia.
Estavam todos na base de apoio ao governo Hercílio Luz, mas não por muito tempo.
Hercílio Luz veta candidatura de Nereu e passa a ser combatido
A década de 1920 em Santa Catarina foi marcada pelas duas grandes obras do governador Hercílio Luz. Uma, a construção da ponte que liga a ilha e o continente em Florianópolis. Outra, a guerra política que colocou em lados opostos os clãs Ramos e Konder. Em meio ao fogo cruzado, estavam Victor, Ruth e uma pergunta: o fim do noivado separou os políticos ou a política separou os noivos?
Era março de 1920, fazia cerca de dois meses que o deputado estadual Victor Konder havia oficializado o noivado com Ruth, filha do senador Vidal Ramos e irmã de seu colega de Assembleia Legislativa, Nereu Ramos. Todos integravam o único partido do Estado, o Partido Republicano Catarinense, e apoiavam o governo de Hercílio Luz, iniciado dois anos antes. Naquele mês, Hercílio viajou para Lages e foi recebido com entusiasmo pela população da cidade, Vidal à frente.
Os Ramos, que dominavam a política na cidade, eram mais próximos do outro grande líder do PRC: o senador Lauro Müller. Viviam um raro momento de aliança com Hercílio Luz, mantida a desconfiança mútua. Na visita, o governador se entusiasmou tanto com a recepção dos anfitriões quanto com a descoberta de que existia um grupo de descontentes com a liderança da tradicional família do coronel Vidal.
A aliança não resistiu às eleições para deputado federal. As quatro vagas de Santa Catarina seriam disputadas em fevereiro de 1921 e Vidal queria uma delas para o filho, Nereu. O sistema eleitoral previa a indicação de três nomes pelo PRC e que a quarta vaga seria escolhida fora dos quadros da legenda. Vidal era o vice-presidente do partido e tentou incluir Nereu na chapa oficial. Foi impedido: os Ramos, donos de uma cadeira no Senado, não ficariam com uma das três que o PRC teria para a Câmara.
Vidal e Nereu não se conformaram e lançaram candidatura para a vaga que caberia às minorias. Hercílio Luz volta a intervir, dizendo que o filho do vice-presidente do partido não poderia ocupar uma vaga destinada à oposição. Vidal reagiu, renunciando ao posto, e recebeu o troco. O governador destituiu todo o diretório lageano do PRC, fazendo assumir aquele grupo de descontentes que conhecera na visita à cidade serrana.
Os Ramos desistiram da vaga, mas se prepararam para medir forças com Hercílio Luz na eleição presidencial, em março. Apoiaram o oposicionista de Nilo Peçanha, que enfrentaria o governador mineiro Arthur Bernardes. Um enfrentamento desigual. Com o governo e o partido nas mãos, Hercílio elegeria quem quisesse. Não havia voto secreto e cada cédula colocada na urna tinha a vigilância atenta de chefes políticos locais. O voto aberto se somava às mais variadas pressões do Estado — remoções de funcionários, demissões, coação policial — para produzir a fábrica de maiorias forçadas conhecida hoje pela alcunha de República Velha.
Os resultados deixam isso claro. Bernardes recebeu 12.044 votos no Estado, contra 4.364 de Peçanha. Mesmo em Lages, as urnas foram impiedosas: 1.249 a 573 para o candidato de Hercílio Luz. Com o resultado, os Ramos não ousaram lançar candidatura para a eleição que escolheria o novo governador. O clã lageano reconhecia que aquela batalha fora perdida. A guerra estava apenas começando.
Eleito para um segundo mandato, Hercílio Luz coloca as famílias Konder e Ramos em lados opostos pela primeira vez
A derrota nas urnas na eleição presidencial fez a família Ramos evitar lançar candidatura ao governo do Estado em 1922. O senador Vidal Ramos até chegou a ser cogitado, mas não quis um novo confronto contra a máquina eleitoral do Partido Republicano Catarinense. Assim, o governador Hercílio Luz pôde colocar em prática o plano que engendrara ainda em 1918.
Naquele ano, ele só assumiu o governo após um acordo em que Lauro Müller se indicou candidato a governador, com Hercílio de vice. O senador nem veio ao Estado assumir o cargo. Com o governo na mão, Hercílio passou a assinar todos os atos do mandato como "vice-governador em exercício".
Era a brecha legal que permitira sua reeleição, que era proibida pela Constituição Estadual. Hercílio disputou e venceu como candidato único.
Na guerra entre Hercílio Luz e o clã Ramos, os irmãos Konder eram soldados do primeiro. Adolfo Konder, companheiro de Victor e Nereu na Faculdade de Direito de São Paulo, era o secretário de Fazenda, Viação e Obras Públicas. A poderosa pasta havia sido criada naquela gestão e reunia o controle das finanças e das obras estaduais.
Bem-sucedido, Adolfo ganhou vaga na chapa oficial do PRC para a Câmara dos Deputados — aquela que Hercílio negou a Nereu Ramos, iniciando o conflito com a família lageana. Ao reassumir o governo em setembro de 1922, Hercílio indicou Victor Konder para substituir o irmão na secretaria.
Irmãos Konder tocam o grande projeto de Hercílio Luz: uma ponte ligando Florianópolis
Os irmãos Adolfo e Victor Konder tiveram participação direta na realização do maior sonho do governador Hercílio Luz: a construção de uma ponte ligando a Ilha de Santa Catarina ao Continente, em Florianópolis.
Ao assumir o governo em 1918, Hercílio criou a Secretaria da Fazenda, Viação e Obras Públicas e Agricultura. O órgão funcionava junto ao governador, no primeiro andar do Palácio de Governo — hoje Cruz e Souza. Adolfo foi nomeado para a pasta, tendo como principal missão correr atrás dos financiamentos para construção da obra. Já tinha até nome: Ponte Independência.
Ele se destacou no cargo e dele saiu para concorrer a uma vaga de deputado federal. Na época, eram quatro cadeiras para Santa Catarina e Adolfo conseguiu ser incluído na chapa oficial do Partido Republicano Catarinense.
Ao assumir o segundo mandato, Hercílio recorreu a outro irmão Konder para comandar a poderosa pasta que reunia as finanças e as obras públicas: Victor. Se a um Konder coube financiar o sonho, a missão do outro era transformá-lo em estrutura metálica e aposentar a lancha da família Valente que fazia a ligação entre ilha e continente.
As obras da Ponte Independência começam em novembro de 1922, apenas dois meses depois de Victor assumir o cargo. Os laços do secretário com Blumenau são tão fortes que ele nem fixa residência na Capital, preferindo ficar hospedado no Hotel Metropol, próximo ao Mercado Público. A partir de 1923, Victor vai conciliar a secretaria com a presidência do Conselho de Blumenau, equivalente hoje à Câmara de Vereadores.
Depois de quatro anos de compromisso, acaba o noivado de Victor Konder e Ruth Ramos
É certo que o compromisso entre Victor Konder e Ruth Ramos não resistiu ao vendaval político. De um lado, a família Ramos em guerra aberta contra Hercílio Luz. De outro, os Konder aliados ao governador e se preparando para assumir o controle do Partido Republicano Catarinense. Mesmo assim, o noivado teria durado pelo menos quatro anos, acabando em 1924, deixando sem serventia um vestido de noiva pronto, à espera da cerimônia.
A data é imprecisa, mas um fato é recorrente nas versões da história: o deputado estadual Marcos Konder e o desembargador Pedro Silva vão a Lages para uma séria conversa com o senador Vidal Ramos, pai de Ruth. Na biografia que escreveu sobre Aderbal Ramos da Silva, governador entre 1947 e 1950, o jornalista Luiz Henrique Tancredo trata do episódio.
"O noivado prolongava-se, parecendo uma sinfonia interminável. E ele nada de se explicar. Até que certo dia, num papo de mesa de bar, Pedro Silva abordou o assunto, insistindo no sentido de que o amigo tomasse uma decisão, ou seja, que atasse ou desatasse. Conversa vai, conversa vem e Victor, meio sem jeito, acabou confessando que o casamento não fazia parte de seus planos", relata.
A confissão coloca o desembargador em posição complicada. Ele é marido de Rachel Ramos, irmã de Ruth. Por sugestão dele, Victor foi escolhido padrinho de Aderbal. Doutor Pedrinho, como era conhecido, convence o amigo a acabar com o noivado. Victor não quer ir a Lages, mas aceita a ida de Marcos e Pedro. O episódio é relatado pelo ex-senador Jorge Bornhausen, sobrinho de Victor Konder, na biografia escrita pelo jornalista Luiz Gutemberg.
"A mensagem que Marcos Konder leva ao Coronel Vidal é curta e conclusiva: Victor pede dispensa do compromisso matrimonial assumido e manda dizer que não pretende mais casar com Ruth. O noivado estava desfeito. Victor não alegava o motivo, era uma decisão de foro íntimo, que lamentava tomar e pela qual se desculpava. Ruth ficará solteira e nunca falará, nem para chorar mágoas, nem para imprecar contra o destino, muito menos para atacar o ex-noivo. Cala até a morte. Rompido o noivado, as famílias rompem relações", conta.
Há uma pequena variação na história quando ela é lembrada por descendentes da família Ramos. A comitiva formada por Marcos Konder e Doutor Pedrinho não teria a missão de encerrar o compromisso, mas de dizer a Vidal Ramos algo que ele deveria saber antes do enlace. Diante da informação, teria sido do coronel lageano a iniciativa de brecar o casamento. Fala-se até que uma doença seria a causa do fim do noivado.
Se foi a política, a boa vida de solteiro ou a saúde de Victor que levaram ao fim da relação com Ruth, é difícil responder. Certo é que em setembro de 1924, ele pede licença da Secretaria da Fazenda e do Conselho de Blumenau. Embarca às pressas para a Europa, onde vai passar por um tratamento de saúde. Ficaria cinco meses fora do Brasil.
A morte de Hercílio Luz
Com as mortes de Hercílio Luz e Lauro Müller, os Konder assumem o comando político de Santa Catarina e mantêm isolada a família Ramos. Com um discurso, boas estradas e uma ponte magnífica, Victor Konder conquista o presidente eleito Washington Luiz e vira, para surpresa geral, ministro.
O último mandado de Hercílio Luz seria interrompido diversas vezes por licenças para tratamento de saúde no Rio de Janeiro e na Europa. Por coincidência, o secretário Victor Konder também começa a apresentar problemas de saúde e precisa tirar uma longa licença entre setembro de 1924 e janeiro de 1925, quando viaja para a Alemanha.
Victor ainda estava fora do país quando piora a situação de Hercílio. Em outubro de 1924, ele faz a última viagem do Rio para Florianópolis. Sua saúde está tão debilitada que o jornal O Estado recomenda que as pessoas saiam para recebê-lo no Trapiche Rita Maria. Mesmo assim, de acordo com a descrição feita pelo jornal República, as autoridades foram esperar por ele.
O temor de que Hercílio não conseguisse inaugurar a Ponte Independência, ainda em obras, fez com que fosse montada uma réplica, em madeira, na Praça Fernando Machado. Ao chegar, o governador inaugurou a pequena ponte e foi para seu palacete localizado em frente à Praça Etelvina Luz. Duas semanas depois estava morto, aos 64 anos. Em sua homenagem, a Assembleia Legislativa aprovou projeto para que a ponte se chamasse Hercílio Luz — hipótese sempre rejeitada por ele. O coronel Antonio Pereira e Oliveira assume o governo.
Quando Victor volta, já em 1925, retorna à Secretaria da Fazenda e à presidência do Conselho de Blumenau, que acumulava. Banquetes são oferecidos e até uma missa é rezada por sua boa recuperação. As obras da ponte já chamavam atenção da imprensa nacional, em reportagens que destacam os líderes do PRC, especialmente Adolfo Konder, que se elegeria governador no ano seguinte, em candidatura única.
Em maio, Victor deixa mais uma vez a Fazenda para cuidar da saúde. O irmão Marcos Konder, que acumulava uma cadeira de deputado estadual e a superintendência de Itajaí (equivalente hoje à prefeitura) chegou a ser convidado a assumir, mas recusou.
Victor passou algumas semanas descansando em Rio do Sul, distrito de Blumenau e retomou ao Conselho, mas não ao governo. Em agosto, elegeu-se deputado federal, na vaga de Adolfo.
A saída da Fazenda e a volta ao Vale impediram que Victor inaugurasse a Hercílio Luz, em maio daquele ano. Quando deixou o governo, a ponte estava concluída, mas faltava terminar os acessos.
Depois de Ruth, Victor Konder fica noivo de Mariechen Bulcão Vianna
Com a morte de Hercílio Luz, o cargo de governador ficou com o vice Antonio Pereira e Oliveira. Mas o veterano político do Partido Republicano Catarinense não ficou muito tempo no cargo, porque se elegeu senador. Com isso, o comando do Estado passa para o presidente da Assembleia Legislativa, Antonio Bulcão Vianna — que completaria o mandato até a posse do novo governador eleito em 1926: Adolfo Konder.
O médico e político Bulcão Vianna era descendente de duas tradicionais famílias de políticos baianos, radicados no Rio de Janeiro. O irmão Francisco Bulcão Vianna, já falecido, fora deputado federal no início do século, eleito pela Bahia. Uma de suas filhas, Mariechen, esteve em Florianópolis em 1926, hospedada na casa do tio.
Com o compromisso com Ruth Ramos encerrado há cerca de dois anos, Victor Konder conhece Mariechen e eles ficam noivos em abril daquele ano. O compromisso teve destaque na imprensa local e na do Rio de Janeiro — mais por causa da noiva do que do noivo.
O noivado foi desfeito em algum momento da história que os jornais da época não conseguiram registrar.
Presidente eleito se encanta com discurso de Victor Konder
Naquele ano de 1926, o Brasil vivia o final do governo Arthur Bernardes e já tinha um sucessor eleito. Era Washington Luiz, escolhido sem disputa. No ciclo "café-com-leite", depois do mineiro Bernardes, era a vez do governador paulista. Entre a eleição em março e a posse em setembro, Washington viajou o Brasil, incluindo no roteiro as catarinenses Joinville, Blumenau e Florianópolis.
Os blumenauenses prepararam um banquete e colocaram Victor Konder para discursar ao novo presidente. Washington lembrou-se dele, da época em que despontou como promessa na Faculdade de Direito paulista. Victor faz jus à fama e brilha em seu discurso. Narra ao presidente eleito como um grupo de colonizadores alemães transformou Blumenau em uma bela e ordeira cidade de 93 mil habitantes e 30 mil quilômetros de estradas internas, que conseguia a proeza de investir 80,5% de tudo que arrecadava. Washington ficou impressionado. Ficaria ainda mais com o que veria no dia seguinte, em Florianópolis.
O orgulho dos catarinenses pela Ponte Hercílio Luz, recém-inaugurada, era tão grande que a festa para receber o presidente foi feita na cabeceira continental. Quando ele chegou, por volta do meio-dia, estavam lá as autoridades, com direito a banda de música e participação popular. Washington não conseguiu esconder o entusiasmo pela nova ponte. Ao discursar, no Palácio do Governo, lembrou que seu mote era "governar é construir estradas". Via o futuro sob as rodas dos automóveis.
Depois de alguns discursos e visitas, Washington decidiu voltar para a ponte para uma inspeção detalhada. Desceu do carro e contemplou as várias peças que formavam a maravilhosa estrutura metálica da quinta maior ponte pênsil do planeta. A bengala, sempre a mão, deve ter sido utilizada para pequenas batidas no metal.
O presidente ainda olhou demoradamente para a vista das duas baías da Ilha de Santa Catarina, tão exuberantes quanto a construção. Voltou de carro para o Palácio, onde seguiu a programação de discursos e banquetes. Embarcou para o Rio Grande do Sul por volta das 23h com aquela imagem e uma surpreendente ideia na cabeça — novamente com direito a banda de música.
Era 13 de outubro de 1926, quatro meses depois da visita do presidente eleito Washington Luiz. Florianópolis acordou com um boato, que no início da tarde vira rumor e se confirma como notícia antes do anoitecer: um telegrama do Rio de Janeiro confirmava que o catarinense Victor Konder seria o novo ministro de Viação e Obras Públicas de seu governo.
Escolha de Victor para ministério é comemorada em Santa Catarina
O Rio de Janeiro, capital da República, é o destino dos ex-noivos Victor Konder e Ruth Ramos. Ele graças à indicação para ser ministro da Viação, que surpreende Santa Catarina e o Brasil. Ela, graças ao pai, Vidal, que se elege deputado federal e resolve se mudar de vez para tentar casar as filhas solteiras.
A exclamação tomou conta de Santa Catarina naquele 13 de outubro de 1926. Rojões foram estourados na Praça XV de Novembro assim que um telegrama confirmou a notícia, no final de tarde, de que o catarinense fora escolhido pelo presidente eleito Washington Luiz para ser o novo ministro de Viação e Obras Públicas.
Quatro meses antes Washington viera ao Estado e ficara impressionado com um discurso de Victor — e mais ainda com a recém-inaugurada Ponte Hercílio Luz, construída no período em que ele era secretário estadual. Mas ninguém imaginava que o advogado itajaiense de 40 anos, recém-eleito deputado federal, tivesse chance de virar ministro.
Automóveis desfilaram pela Praça XV, buzinando em comemoração à escolha. Quem tinha alguma intimidade com o poder, entrava no Palácio de Governo para cumprimentar o governador Adolfo Konder, irmão do novo ministro, e beber da garrafa de champanhe aberta para comemorar a chegada dos Konder a um lugar de honra na capital da República.
Uma espécie de comício foi marcado para o dia seguinte, às 20h. O orador oficial foi advogado Nereu Ramos, filho do senador Vidal Ramos e irmão da ex-noiva de Victor, Ruth Ramos. Nereu, Victor e Adolfo foram contemporâneos na Faculdade de Direito de São Paulo, mas ficaram em lados opostos no início dos anos 1920, quando os Ramos entraram em guerra com Hercílio Luz. Com a morte de Hercílio, dois anos antes, estava em curso de reaproximação das famílias.
Quem é este catarinense?
— Mas quem é Victor Konder?
A pergunta era recorrente no Rio de Janeiro. Washington Luiz havia escolhido um desconhecido para ser ministro de Viação e Obras Públicas. Mesmo entre parlamentares aliados, o desconhecimento era amplo.
"É um notável engenheiro", garantiu o senador Francisco da Cunha Machado, do Maranhão, em uma roda de políticos — ignorando que o catarinense era advogado. Para outro grupo, o senador João Lyra, do Rio Grande do Norte, chegou a dizer que Victor era o "Rui Barbosa de Santa Catarina". Ouviu, de pronto, a resposta e a gargalhada geral:
Victor Konder ao lado de Getúlio Vargas
Foto: Reprodução
— Mas que epidemia de Ruis tem aparecido.
A curiosidade seria saciada em 5 de novembro, com a posse de Victor na Câmara dos Deputados. A expectativa foi tratada de maneira jocosa no Correio da Manhã ("mal correu a nova de que ele se achava na casa, foi um reboliço medonho") e no A Manhã ("até parecia o menino Deus entre os doutores").
O catarinense não era o único ministro a chamar atenção e ser alvo de ironias. O jornalista Mário Rodrigues, pai de Nelson Rodrigues, apelidou o grupo de "o ministério das negações espontâneas", especulando que o presidente escolhia auxiliares fracos para mandar sem intermediários.
Além de Victor, estava na mira a escolha de um obscuro deputado federal gaúcho para o Ministério da Fazenda. Seu nome era Getúlio Vargas.
Tudo para manter a vaga
A morte de Hercílio Luz, em 1924, havia aberto uma brecha para a reaproximação das famílias Ramos e Konder. Mas essa brecha não pôde ser aproveitada. As lideranças serranas do Partido Republicano Catarinense não queriam os Ramos de volta e ainda emplacaram Walmor Ribeiro como vice-governador na chapa de Adolfo Konder.
Vidal pensava em deixar a política, mas foi convencido de que era necessário manter um cargo no Rio de Janeiro. Para isso, fechou acordo com Adolfo, intermediado pelo governador mineiro Antonio Carlos. Se Vidal fosse o candidato, o PRC lançaria só três nomes para as quatro cadeiras do Estado na Câmara.
— Compreendi desde logo que isso poderia ser menos uma prova de apreço, como diziam, do que o desejo de evitar os trabalhos e incertezas de um pleito eleitoral renhido — diria Vidal.
Eleito, o coronel lageano teve um mandato discreto, à sombra dos holofotes sobre o ministro itajaiense — ex-noivo de sua filha Ruth. Única filha solteira, ela cuidava do pai desde a morte da mãe, Tereza, em 1924 — provável ano do fim do noivado. Com o novo mandato, o deputado decide se mudar de vez para o Rio, com quatro de seus filhos: Ruth, Daura, Joaquim e Nilo. Ele quer casar as filhas, o que logo acontece com Daura.
A casa também serve de estadia aos familiares que vão para a cidade. Entre eles, o último elo entre a família Ramos e Victor Konder: Aderbal Ramos da Silva. Afilhado do ministro, Aderbal foi estudar Direito e contou com uma ajuda do padrinho. Foi empregado no Ministério da Viação, mas não durou muito no cargo. O próprio Aderbal contaria a história, em depoimento ao jornalista Moacir Pereira:
— Um dia, depois de quatro ou cinco vezes, ele me chamou: "Você não precisa mais vir aqui, não. Vem aqui conversar com o Hermes Fontes sobre poesia e não trabalha" — relembrou, fazendo referência a chefe de gabinete do ministro, que era poeta.
Um voo para a história
Victor Konder assume o Ministério da Viação e realiza uma gestão marcada por inovações e por sua fama de boêmio. O cargo federal e o domínio da política do Estado fazem da família Konder a cara nova da República Velha em Santa Catarina. O clã Ramos continua isolado, mas enxerga na candidatura presidencial de Getúlio Vargas uma chance de recuperar o poder.
O avião de Victor Konder
Foto: Reprodução
No ministério, Victor decola em menos de três meses. Não é figura de linguagem: ele foi a primeira autoridade a participar de um voo comercial no Brasil. Interessada em promover a aviação privada, a empresa alemã Condor Syndikat fez o convite, prontamente aceito. Victor escolheu o trajeto: do Rio de Janeiro para Itajaí, com parada em Florianópolis.
O ministro queria garantir que o voo entrasse para a história. Em vez de assessores, levou dois jornalistas e um cinegrafista. Completavam a comitiva os dois pilotos alemães do hidroavião Atlântico. A tripulação chegou ao Iate Clube, onde estava ancorado o avião, às 10h de 1º de janeiro de 1927. O tempo nublado fez com que fosse cogitado adiar a viagem. Segundo relato do jornalista Machado Florence, de O Paiz, o ministro insistiu.
— Ou a aviação oferece segurança independente das variações atmosféricas ou não será um meio seguro de navegação — disse Victor.
Capa do jornal O Paiz
Foto: Reprodução
Partiram às 11h30min na aeronave, chamada de "limusine dos ares", por Florence. Eram 19h quando o avião pousou na baía norte da Ilha de Santa Catarina. A comitiva era aguardada por cerca de 10 mil pessoas no cais, de acordo com o jornalista. Se a conta estiver correta, significa que um de cada quatro habitantes de Florianópolis esperava por Victor. Um jantar no palácio e um baile no Clube Germânica completaram o roteiro ilhéu.
No dia seguinte, partiram para Itajaí com um integrante a mais: o governador Adolfo Konder, em sua primeira viagem de avião. Lá, o anfitrião foi um terceiro irmão Konder _ Marcos, superintendente da cidade (equivalente a prefeito). Almoçaram todos com a matriarca Adelaide Konder. Florence perguntou se ela não teve receios pela viagem aérea de Victor.
— Tive-os, mas meu filho é ministro e deve cumprir as obrigações de seu cargo — respondeu.
Logo depois do almoço, a comitiva partiu em automóveis para Blumenau, onde Victor foi recebido como celebridade. Em frente ao hotel Holetz, o ministro discursou. No dia seguinte, pela manhã, voltaram a Itajaí e de lá partiram para o Rio.
Notícia sobre o novo ministro em jornal de Blumenau
Foto: Reprodução
Dois meses depois, a mesma aeronave passou a operar a primeira linha comercial do Brasil. Era um trajeto entre Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O avião e a linha foram transferidas para uma nova empresa, a Viação Aérea Rio-Grandense — a Varig.
A fama de boêmio cai na imprensa
O braço-direito de Victor Konder no Ministério da Viação e Obras Públicas era o poeta sergipano Hermes Fontes. Do alto de seu 1,50 metro, ele era o símbolo de um gabinete alvo constante de chacota da imprensa carioca. Jornais como o Correio da Manhã, A Batalha e A Esquerda publicavam recorrentes ironias ao poeta, mas não só a ele: os hábitos boêmios de Victor e à quantidade de funcionários no gabinete também eram criticados.
Foto: Reprodução
Mas nenhum órgão da imprensa tratou a boêmia de Victor com tanto talento quanto Aparício Torelly no jornal satírico A Manhã. No artigo "Concerto cacofônico", ele descreveu como um crítico musical uma possível noitada do ministro:
" (...) O instrumental da Filarmônica era constituído de garrafas de aguardente graduadas pelos próprios músicos. Não se tratava, portanto, de instrumentos de sopro, propriamente ditos, mas de sucção (...) quebraram-se as garrafas. O barulho musical dos cacos partidos, porém, forneceu a ideia aos dirigentes da banda de transformarem definitivamente os concertos sinfônicos em cacofônicos (...). O local escolhido para a audição foi um dos nossos bares centrais. Sentados os músicos em torno de uma grande mesa, dedilhou um solo o maestro Victor Konder, que vocalizou com muito sentimento diversos trechos de "Chopin", sendo forçado a repeti-los. (...)
Victor Konder e as estradas nacionais
Seguindo o lema do presidente Washington Luiz, "governar é construir estradas", a passagem de Victor Konder pelo Ministério da Viação e Obras Públicas foi marcada por obras de infraestrutura. Na década de 1920, a frota de automóveis em todo país daria um salto de 30 mil para 250 mil veículos, mas faltava uma verdadeira malha rodoviária. As duas primeiras estradas nacionais, embriões da ideia das BRs, foram construídas no mandato de Washington.
Em 1928 foram concluídas as estradas, que ligavam o Rio de Janeiro a São Paulo e a Petrópolis (RJ). A primeira estrada Rio-SP foi inaugurada em maio daquele ano. Na divisa entre os estados, foram construídas as pontes "Washington Luiz" e "Victor Konder", por cima do Rio Condumirim. Washington via nessa estrada o primeiro trecho de uma grande rodovia cortado o litoral do Brasil.
Atualmente, as duas pontes estão desativadas e o próprio rio sumiu do mapa, com a construção de uma represa na região. As pontes ainda são visíveis a partir de outra, paralela, existente na Rodovia Presidente Dutra, construída nos anos 1950. A maior parte da estrada original foi demolida, mas ainda restam 32 quilômetros denominados como BR-465. Outros 40 quilômetros viraram uma estrada estadual, ligando a Presidente Dutra ao município de Piraí (RJ).
Em agosto de 1928, Washington Luiz levou seis de seus sete ministros para a inauguração da Rio-Petrópolis, entre eles Victor Konder. Eles fizeram o trajeto em automóveis, utilizando ela primeira vez a estrada. Os 62 quilômetros da estrada, 23 deles na serra estão hoje incorporados à BR-040, que liga o Rio de Janeiro a Brasília. Nesse caso, o projeto de Washigton de ampliação da estrada foi seguido quase à risca.
— A única censura que por acaso se poderia fazer a esta rodovia seria de que a sua construção foi cara. Como deixar de o ser, uma estrada que pretende subir ao Planalto Central, ligar o Brasil, fazendo correr por ela o fruto de todo o trabalho no qual repousam a confiança e a esperança do Brasil? — questionou Washington, no discurso de inauguração.
A tal censura vinha da imprensa carioca. O Correio da Manhã deixa clara a oposição, criticando o governo por ter construído apenas 264 quilômetros de vias férreas naquele ano.
— Preferindo o automobilismo às estradas de ferro, o governo dá provas de sua acentuada tendência pela inovação, tanto mais estranha quanto esquece o essencial à marcha natural do progresso. O sr. Victor Konder, por cujo ministério correm essas anomalias, dá outros exemplos dessa orientação verdadeiramente paradoxal. Além de estradas de rodagem onde faltam vias férreas, ele pretende substituir o telégrafo nacional pela correspondência aérea.
Derrota nas urnas, vitória nas ruas
A sucessão de Washington Luiz mobilizou o país em 1930. Júlio Prestes e Getúlio Vargas se enfrentariam. O gaúcho deixou o Ministério da Fazenda dois anos antes para assumir o governo do Rio Grande do Sul e agora mirava o Palácio do Catete. Contava com o apoio do mineiro Antonio Carlos. A política do café-com-leite estava desfeita porque Washington resolveu indicar o paulista Prestes para sucedê-lo, rompendo o rodízio com Minas Gerais.
Herdeiros da máquina eleitoral da República Velha em Santa Catarina, os Konder não queriam mudanças. A geografia e a política aproximavam os gaúchos dos lageanos da família Ramos. Vidal e Nereu se tornaram os dois principais cabos eleitorais getulistas no Estado. A máquina do PRC garantiu a vitória do candidato oficial em Santa Catarina, da mesma forma que as urnas deram maioria à Prestes sobre Getúlio no resto do país. Mesmo assim, os Ramos mostraram força. Conseguiram um terço do eleitorado catarinense para Getúlio, cerca de 11 mil votos, e elegeram Nereu em uma das quatro vagas de deputado federal, desbancando Walmor Ribeiro.
Resolvida a eleição presidencial e parlamentar, as atenções se voltaram para a sucessão de Adolfo. O favorito era Victor, mas o parentesco atrapalhava. Com Adolfo no governo, legalmente Victor não poderia ser candidato. Diversas fórmulas foram ensaiadas, envolvendo a renúncia de Adolfo, Victor como candidato a vice de um governador disposto a renunciar para que ele assumisse, etc. Mas, com Vitor governador, seria invertido o problema: Adolfo não poderia concorrer ao Senado. A imprensa do eixo Rio-São Paulo dava como certo que Victor seria governador e Adolfo, ministro de Prestes.
Victor resolveu a questão com uma carta, que foi lida na convenção do PRC. Ele abria mão de ser indicado candidato e sugeria o deputado federal Fúlvio Aducci para governador. Assim foi decidido pelo partido e as urnas disseram amém.
Adolfo foi eleito para o Senado. Victor completava sua gestão no ministério. Marcos acumulava os cargos de deputado estadual e superintendente de Itajaí. Com menos de 50 anos de idade, os irmãos Konder estavam no topo do poder político do Estado. Mas logo seriam tirados de lá à força.
Em 3 de outubro de 1930, Getúlio Vargas inicia marcha no Rio Grande do Sul para depor Washington Luiz e a República Velha. O movimento tem o apoio de tenentes do Exército e do governo de Minas Gerais. Em Santa Catarina, os revolucionários isolam na Ilha de Santa Catarina o recém-empossado governo de Fúlvio Aducci, que seria deposto com apenas 26 dias no cargo.
Em 24 de outubro chegam ao Rio de Janeiro e derrubam o presidente Washington Luiz. E, com ele, os Konder.
A Revolução de 1930
A Revolução de 1930 devolve a família Ramos ao poder em Santa Catarina e manda Victor Konder, ministro do governo deposto, para o exílio na Europa. Em Portugal, ele finalmente se casa e vive a angústia do exílio. No Rio, Ruth Ramos, solteira, cuida do pai, Vidal, aposentado da política.
Victor Konder acordou em Copacabana no dia 25 de outubro de 1930. Não na casa em que morava desde que assumiu o Ministério da Viação no governo de Washington Luiz, quatro anos antes. Ele estava na Fortaleza de Copacabana, para onde fora levado na véspera, junto com o presidente deposto pela Revolução de 30. O ministro era prisioneiro.
Revolucionários de 1930 em Blumenau
Foto: Reprodução
A revolução partira do Rio Grande do Sul no dia 3 de outubro e ganhara adeptos em diversos estados. Com apoio de tenentes do Exército, o gaúcho Getúlio Vargas queria derrubar Washington Luiz e todo o período que ficaria conhecido como República Velha.
Getúlio foi ministro da Fazenda no início do governo de Washington, deixando o cargo para assumir o governo gaúcho. Nas urnas viciadas do regime, em março, foi derrotado pelo paulista Júlio Prestes na disputa pela Presidência da República.
Em 24 de outubro tinha sua desforra. Os cavalos dos revolucionários estavam amarrados no obelisco da Avenida Rio Branco, enquanto o presidente decidia, a 1,5 quilometro dali, no Palácio do Catete, se aceitava a deposição ou tentava uma improvável reação. Estavam com ele os sete ministros, inclusive o catarinense Victor Konder.
Depois do último almoço no palácio — um bife simples com acompanhamentos — o presidente e seu ministério receberam o cardeal Sebastião Leme, que intermediou a rendição. Segundo relatos, Victor ficou a maior parte do tempo olhando o jardim do palácio em silêncio. Às vezes ria, como se não acreditasse no que estava acontecendo.
A revolução ganhou apoio popular de imediato, parecendo verbalizar um sentimento latente de cansaço diante de um regime que se institucionalizara em cima de eleições duvidosas e no rodízio de oligarquias no poder.
Nas ruas, estava o jovem catarinense Aderbal Ramos da Silva, estudante de Direito. Via com orgulho e entusiasmo o tio Nereu Ramos, recém-eleito deputado federal, discursar em praça pública em favor dos revoltosos.
Entrada da Fortaleza
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Revolucionários de 1930 em Florianópolis
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Em casa, na Tijuca, o avô Vidal Ramos acompanhava as notícias junto com a filha Ruth. É provável que em algum momento dessa comoção popular, Aderbal tenha se lembrado do padrinho de batismo, Nereu do ex-colega da Faculdade de Direito de São Paulo, Vidal do ex-futuro genro, Ruth do homem de quem foi noiva por quatro anos — que agora olhava o jardim do Catete pela última vez e acordaria no dia seguinte na Fortaleza de Copacabana como um troféu dos revolucionários.
Exílio e casamento na Europa
Depois de alguns dias na Fortaleza de Copacabana, o presidente deposto Washington Luiz e seus ministros se refugiaram em embaixadas, de onde partiriam para o exílio. Victor Konder, ex-ministro da Viação e Obras Públicas, ficou na embaixada alemã até embarcar, no dia 12 de novembro, para Hamburgo. Apenas o irmão Marcos Konder, o ex-deputado Edmundo Luz Pinto e um sobrinho estavam no cais para a despedida. A polícia proibiu que eles subissem a bordo.
Victor precisou fazer uma escala imprevista em Funchal, na Ilha da Madeira. Segundo o jornal A Noite, "o ex-ministro fora atacado, a bordo do navio em que viajava, por antigos padecimentos, que requeriam assistência médica urgente". Passou um dia em Funchal e foi aconselhado a seguir viagem até Lisboa. Partiu no dia seguinte — indo primeiro para Portugal, depois para a Alemanha. Em janeiro recebeu a notícia do suicídio de seu amigo e chefe de gabinete Hermes Fontes. O poeta não aguentou a derrocada que o levou de volta para uma subseção dos Correios.
Reprodução partida
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Victor precisou fazer uma escala imprevista em Funchal, na Ilha da Madeira. Segundo o jornal A Noite, "o ex-ministro fora atacado, a bordo do navio em que viajava, por antigos padecimentos, que requeriam assistência médica urgente". Passou um dia em Funchal e foi aconselhado a seguir viagem até Lisboa. Partiu no dia seguinte — indo primeiro para Portugal, depois para a Alemanha. Em janeiro recebeu a notícia do suicídio de seu amigo e chefe de gabinete Hermes Fontes. O poeta não aguentou a derrocada que o levou de volta para uma subseção dos Correios.
Retrato de Karla Eickhoff
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Victor passou o exílio viajando pela Europa, especialmente em terras alemãs e portuguesas. É em Lisboa que ele se casa, aos 46 anos. Depois dos noivados frustrados com Ruth Ramos e Mariechen Bulcão Vianna, a escolhida é Karla Eickhoff. Era gaúcha, de origem alemã, e vivia no Rio de Janeiro na épocaa em que Victor era ministro. Karla circulava no meio artístico, especialmente entre pintores. Inclusive, foi modelo para uma pintura de Oswaldo Teixeira que foi integrou a Exposição Geral de Belas Artes de 1930, no Rio de Janeiro.
Reprodução do "ter-se-ia casado"
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Em 22 de outubro de 1931, o jornal O Estado de São Paulo publicou que Karla partira do Rio para Recife, de onde viajaria para Paris em um dirigível Zeppelin para encontrar o noivo Victor Konder. O casamento aconteceria em 1º de março de 1932.
A notícia do casamento de Victor chega truncada a Santa Catarina. No jornal O Estado, é reproduzida a informação de um jornal carioca, que registrava o enlace com "Maria Schloss" em vez de Karla Eickhoff. O título da nota no jornal catarinense, que pertencia ao próprio Victor, era "Ter-se-ia casado o dr. Victor Konder?"
Os Ramos recuperam o poder
Aliados de Getúalio Vargas na campanha presidencial e na Revolução de 30, os Ramos conseguiram voltar ao poder em Santa Catarina com a derrubada do antigo regime. O governador Fúlvio Aducci foi deposto 26 dias depois de assumir, o ex-governador Adolfo Konder não pôde assumir a vaga no Senado. O poderoso Partido Republicano Catarinense, fundado ainda no Império e dono da máquina eleitoral do Estado, estava extinto.
Nereu com Ptolomeu
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Os Ramos tinham sido alijados do poder no início da década de 1920, quando bateram de frente com Hercílio Luz. Agora, tinham a chance de dar as cartas no Estado — mas precisariam de um pouco de paciência. Getúlio nomeara interventor o general gaúcho Ptolomeu Assis Brasil, que ficaria no cargo até 1932. Apenas no ano seguinte, após soluções temporárias, um membro da família Ramos assumia o poder: Aristiliano Ramos.
Primo de Nereu, Aristiliano era filho de Belisário Ramos — que fora prefeito de Lages durante 20 anos enquanto o irmão Vidal dedicava-se à política estadual. Levou a melhor na disputa familiar porque Vargas, como diria em seus próprios diários, ainda não confiava em Nereu.
Ainda em 1933, Ramos e Konder voltam a sentar lado a lado. Nereu e Adolfo estavam entre os quatro representantes de Santa Catarina na Assembleia Constituinte que instituiu o voto secreto e o das mulheres, além de confirmar Getúlio como presidente em eleição indireta. Nereu votou nele, Adolfo em Borges de Medeiros.
Charge de Nereu com Aristiliano
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A constituição previa eleições indiretas para o governo dos Estados. Em Santa Catarina, a disputa se deu entre os primos Aristiliano e Nereu. A eleição foi polêmica, marcada por denúncias de compra de votos e pelo apoio dos Konder a Aristiliano. Esse apoio foi um componente a mais na rivalidade, porque a família de Itajaí foi acusada de ajudar a rachar o clã lageano entre os filhos de Nereu e os de Belisário, que cortaram relações.
Nereu venceu as eleições e no governo do Estado conquistou a confiança de Getúlio. Quando o presidente fecha o Congresso novamente, em 1937, e decreta o Estado Novo, mantém Nereu como interventor. O lageano governou o Estado até a redemocratização em 1945.
Retorno ao Brasil, mas não à política
Victor Konder volta do exílio e encontra o Brasil, Santa Catarina e Blumenau muito diferentes do que deixou. Tenta, sem sucesso, retomar a carreira política e morre sem ver os Konder recuperarem o poder perdido. Sem nunca se casar, a ex-noiva Ruth Ramos assiste de longe ao final da rivalidade entre famílias que durou meio século.
A bordo do navio "Cap Arcona", Victor Konder chegou ao Rio de Janeiro no dia 14 de setembro de 1934 — depois de 1.402 dias exilado do país. "A observação e a meditação deram-me maior consistência: dissabores não a vincaram de ódios. Voltarei assim à pátria e à minha atividade tal qual todos me conhecem" diria o ex-ministro, em artigo encaminhado de Hamburgo, antes da partida. Na chegada, o tom era semelhante, como registrado em entrevista ao jornal A Nação, reproduzida no Jornal de Joinville.
Reprodução da derrota de Victor Konder
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"Não tenho projetos políticos, porque nunca o fui, a não ser no bom sentido administrativo. Não tenho ilusões e o contato com a realidade por vezes sinistra do velho mundo fez de mim um homem que vê em seu próprio povo uma realidade muito mais doce, pelo menos consoladora. A realidade do sentimento. Volto, assim, sem azedumes, sem ódios, sem rancores".
Victor chegou a tempo de participar, como cabo-eleitoral, das eleições de outubro de 1934 para deputado estadual. O Partido Republicano era comandado por Adolfo e disputou a eleição junto com a Legião Republicana e ao Partido Evolucionista, formando a Coligação Por Santa Catarina.
A aliança permitiu que o grupo conseguisse fazer frente ao Partido Liberal Catarinense, liderado por Nereu Ramos. Ficaram com 14 cadeiras, uma delas para Adolfo, contra 17 dos liberais — entre eles Aderbal Ramos da Silva, estreando nas urnas aos 23 anos.
Entusiasmado com o resultado, Victor decide disputar uma vaga na Câmara de Vereadores de Blumenau no ano seguinte. A cidade não era mais a mesma que Victor deixara. Em fevereiro de 1934, Blumenau fora retalhada. Naquele mês, foram emancipados os distritos que deram a Gaspar, Ibirama, Indaial e Timbó. Naquela Blumenau menor, Victor não teve chance, como descreveria anos depois o sobrinho Antonio Carlos Konder Reis, em um artigo que escreveu para o livro que reuniu discursos de Victor como ministro.
— Confiante, cego às modificações radicais que sofria o panorama político da terra, com a influência de novos partidos, tentou eleger-se conselheiro municipal em chapa avulsa. Foi, no entanto, inexplicavelmente derrotado — contaria anos depois o sobrinho, quando já era governador do Estado.
Charge Nereu x Adolfo
Foto: Reprodução
A morte de Victor Konder
Com as derrota nas urnas na disputa por uma vaga na Câmara de Blumenau, em 1936, e a decretação do Estado Novo no seguinte, Victor Konder deixou de vez a política. Passou a se dedicar às atividades industriais em Blumenau, Brusque e Itajaí. Era acionista, por exemplo, da Fábrica de Tecidos Carlos Renaux — da qual redigiu os estatutos. Foi um dos fundadores do Banco Inco, junto com o genro Irineu Bornhausen, marido de da irmã Marieta. A instituição bancária foi um dos alicerces do retomada do poder político da família, anos depois.
Vivendo em Blumenau, Victor assistia à perseguição às tradições alemãs, patrocinada pela ditadura Vargas. O sobrinho Antonio Carlos Konder Reis, que vivia em Santos na época, relembra uma visita do tio à cidade, com destino ao Rio de Janeiro. Tentava impedir a prisão do ex-prefeito Curt Hering.
— Lá ia ele para a capital federal, esquecendo seu cansaço e sua doença, usar de seu prestígio de ex-ministro de Estado para que não se cometesse, em nome de uma falso patriotismo, aquele crime.
Jornais noticiam a morte de Victor Konder
Foto: Reprodução
No final de julho de 1941, os problemas de saúde que perseguiam Victor desde os anos 1920, fizeram com que ele voltasse ao Rio de Janeiro para ser internado na Casa de Saúde São José. Morreria pouco depois, em 6 de agosto, aos 55 anos. O Correio da Manhã, tão crítico durante seus quatro anos como ministro, homenageou o ex-adversário com pergunta semelhante à que fazia quando ele foi indicado por Washington Luiz: "Quem foi Victor Konder? Foi uma das mais positivas afirmações no cenário da vida administrativa brasileira".
Foi decretado luto oficial em Santa Catarina, o comércio de Blumenau fechou as portas. Victor não veria os Konder voltarem ao poder em Santa Catarina, através do cunhado Irineu Bornhausen e dos sobrinhos Konder Reis e Jorge Konder Bornhausen.
Por coincidência, o governador Nereu Ramos estava no Rio de Janeiro no dia do sepultamento e ajudou a conduzir o caixão. O principal representante da família Ramos teve a chance de se despedir do itajaiense que foi seu colega de escola e de faculdade — e que por muito pouco não se casou com sua irmã Ruth.
Túmulo de Victor Konder
Foto: Jessé Giotti / Agência RBS
O fim da rivalidade
Quando Victor morreu, a ex-noiva Ruth Ramos tinha 40 anos e já havia decidido que não se casaria. Ela cuidava do pai, Vidal Ramos, na época com 75 anos. Moravam em uma casa de esquina, na Rua Antonio Belisário, Bairro da Tijuca — ainda hoje em pé, ocupada por uma financeira.
Em 1943, Vidal voltou para Santa Catarina, para uma temporada em Florianópolis. Três anos depois, é a vez de Ruth. Ambos voltariam para o Rio de Janeiro em 1947 — ano em que Vidal escreveria suas memórias. Nelas, destacou a relação com filha.
— Adoentado e com 80 anos, sei que sou uma carga, mas tenho a certeza de que minha filha Ruth, que veio a este mundo com o destino de viver para os seus, sofrerá com paciência e boa vontade os trabalhos e cuidados que lhe vou dar. Imploro a misericórdia de Deus e a proteção de Nossa Senhora para não ser pesado demais.
Vidal morreria aos 87 anos. Ruth decidiu morar sozinha, em um apartamento em Copacabana. Do Rio de Janeiro, ainda viu o irmão Celso Ramos se eleger governador de Santa Catarina (1960) e o auge da carreira política de Nereu. Como presidente do Senado, coube ao irmão completar o mandato de Getúlio Vargas, que se suicidou em 1954, e garantir a posse do eleito Juscelino Kubistchek. Nereu foi presidente da República por dois meses e 21 dias, entre novembro de 1955 e 1956.
Foto de Vidal Ramos com as filhas no Rio de Janeiro.
Da esquerda para a direita, Daura, Rachel, Maria Julia e Ruth
Foto: Jessé Giotti / Agência RBS
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