RECEITA FEDERAL, DIVULGAÇÃO

Hecho en

Paraguay

E

sse rastro de crimes tem ponto de partida: o Paraguai, onde a indústria tabagista movimenta R$ 6 bilhões por ano.

O próprio presidente, Horácio Cartes, é o dono da maior fábrica de cigarros do país. Estima-se que 50% de todo o cigarro que acaba sendo contrabandeado para o Brasil sai da Tabacalera Del Este, a fábrica de Cartes. Ele costuma dizer que só produz os cigarros.

O que é feito com eles depois, não é responsabilidade dele. Simples assim. Passei na frente da fábrica por curiosidade em Hernandárias, vizinha à Ciudad del Leste. O complexo de Cartes fica a quatro quilômetros do Lago de Itaipu, por onde passa a maior parte do contrabando. Fui orientado a não descer para fazer imagens. A Tabacalera parece uma fortaleza. Muitas câmeras e seguranças armados com fuzil em torres de vigilância.

– É um grande desafio que ele vai ter como presidente. Ser dono da Tabacalera e combater o contrabando. O Paraguai precisa se reinventar, precisa se por como país – diz Luciano Stremel, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras.

Na lógica econômica, são impostos que explicam o potencial do cigarro. No Paraguai, a tributação é de apenas 16%. No Brasil, 80%. Assim, o maço sai do Paraguai por R$ 0,40 para ser vendido a R$ 3 ao consumidor. Já o preço do cigarro brasileiro fica, em média, a R$ 7. Estudos apontam que, hoje, 45% do mercado catarinense sejam de cigarros contrabandeados. Já foram apreendidas 27 marcas diferentes no Estado. Proporcionalmente ao número de habitantes, perdemos apenas para o Mato Grosso do Sul e o Paraná, em número de apreensões. Em números absolutos, somos o quarto, ficando atrás do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo.

São cerca de 30 fábricas, não se sabe exatamente quantas, em operação no Paraguai. Juntas, produzem quase 7 bilhões de maços por ano. Disso, 5% abastece o mercado interno. Outros 5% são vendidos através de exportações declaradas. O resto some sem deixar vestígio para países da Américas do Sul e Central. No Brasil, o cigarro paraguaio é proibido. Por isso, o crime vai além da sonegação de impostos. Contrabandear cigarro também é contra a saúde pública.

– O cigarro por si só já é ruim. Esse cigarro paraguaio, pelo jeito que ele é feito, o controle de qualidade não existe. Então, é um cigarro de péssima qualidade. A gente já fez pesquisas em que já foram encontradas até fezes humanas e de rato. Você está fumando um lixo – alerta Pablo Medeiros, analista tributário da Receita Federal.

Fui a Ciudad del Leste, o paraíso do contrabando na América do Sul. A cidade fica às margens do Rio Paraná e hospeda uma das cabeceiras da famosa Ponte da Amizade. Do lado brasileiro, está Foz do Iguaçu. Caminhando pela multidão de sacoleiros, descobri que levar cigarro ilegalmente para Santa Catarina é moleza. E não estou falando de meia dúzia de pacotes. Falo de centenas de caixas, um caminhão cheio. Basta ter dinheiro. Tudo funciona como uma grande empresa.

– Paga 30% aqui, deposita na conta do patrão. Uma conta brasileira para não levantar suspeita. Quando a carga chegar lá, paga o resto. Não precisa vir até aqui. A gente tem quem leve. Sai um caminhão por semana.

A pessoa que explica é um operador do esquema. Apresentou-se como Pedro. Conversamos no meio do trânsito caótico de Ciudad del Leste. Diz que sai por R$ 500 a caixa com 500 maços, já com a entrega em Santa Catarina. Exige a encomenda de pelo menos 20 para fechar negócio. E ainda oferece mais.

– Cigarro, droga, arma. A gente entrega tudo lá.

Pergunto sobre a garantia de entrega, se realmente vai chegar. Falo que tenho receio de perder o dinheiro.

– Amigo, isso aqui é Paraguai. Ou dá certo ou então morre. Ninguém tá aqui pra te enrolar. Se queres fechar negócio, a gente fecha. Se não, tranquilo.

Claro, não fechei negócio. Mas rodando pela cidade você mapeia rapidinho como as coisas funcionam. Uma vez feito o negócio, centenas de vans velhas, caindo aos pedaços, buscam as mercadorias em lojas e depósitos na região central da cidade. Em seguida, elas partem para algum porto clandestino às margens do rio Paraná. Esses portos são controlados por grupos diferentes de contrabandistas. Gente da própria polícia paraguaia domina parte desses pontos. É cobrada uma taxa de US$ 8 por caixa para ser feita a travessia. Ela acontece à noite.

– A gente tinha médias antigas aqui da passagem de 40 mil caixas numa única noite. Com a implantação da base da polícia marítima da Polícia Federal perto da ponte, há um ano meio, esse número caiu bastante. Hoje, 80% do que passa aqui são cigarros. Com esse aperto da repressão, muitas fábricas migraram para regiões mais ao Norte, perto de Guaíra, onde tem fronteira seca. Caminhões com cigarro, por exemplo, a maioria sai de lá – explica Augusto Rodrigues, chefe do Núcleo de Polícia Marítima de Foz do Iguaçu.

As caixas são colocadas em lanchas de pesca para a travessia. A imagem térmica do binóculo da polícia mostra um batalhão de gente às margens do rio durante toda a madrugada. É um vai e vem de barco. Quando os policiais saem à caça, chove tiros dos dois lados: de pistola, do lado brasileiro, de fuzil, do lado paraguaio. Quando percebem que vão perder, os barqueiros afundam o motor da lancha na água na ideia de buscar mais tarde.

Carros, caminhonetes e vans já estão à espera da carga perto do porto clandestino, no lado brasileiro. Carregadores sobem a barranca com as caixas e enchem os veículos. Carro de cigarreiro é algo impressionante. Eles arrancam tudo de dentro. Forro, bancos, porta-luvas, ficam só a lataria e o banco do motorista. Qualquer espaço livre serve para mais um pacote de cigarros. Eles não têm pena. O carro é roubado mesmo.

– A gente prefere carros potentes, como Azera, Civic, que são grandes, para correr da polícia – diz um contrabandista do Oeste catarinense.

A partir daí, são os motoristas quem assume. Tem dois caminhos a partir da fronteira.

A carga vai direto para as mãos de quem encomendou em algum canto do país ou vai para depósitos em cidades no Oeste do Paraná. Muita gente que compra cigarro hoje nem vai mais até a fronteira, compra direto desses depósitos, diminuindo a margem de lucro, mas correndo menos risco de ser pego.

ROTA do contrabando

O caminho percorrido pelos criminosos do Paraguai a Santa Catarina

QUEM SOMOS

Repórter

Pedro Rockenbach

Editora

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Editor de fotografia

Ricardo Wolffenbüttel

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Edição de vídeo

Tiago Ghizoni

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Editora de design e arte

Aline Fialho

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