com 42,7% de partos normais em 2016, Santa Catarina está abaixo da média brasileira e distante de alcançar a meta de 85% da OMS para nascimentos sem cirurgia. O DC foi até as cidades com mais cesáreas e mais partos naturais para entender o que contribui para este cenário

Modelo:

Ariel Régis

E

ra manhã de 4 de julho de 2016 quando a estudante Nataly Lampugnani Cararo, 16 anos, foi internada no quarto 208 do Hospital São Bernardo. Tomada pela ansiedade, ela mal conseguira dormir na noite anterior. Percorreu os quase 30 quilômetros entre Irati, no Oeste do Estado, e Quilombo com um único pensamento: voltar com o filho nos braços.

A viagem foi necessária porque em Irati não tem maternidade. A cesárea estava marcada há quase dois meses – o tipo de parto foi decidido já na primeira consulta com o clínico geral do principal posto de saúde do município.

O nervosismo da jovem cedeu às 16h09min, quando ela entrou no centro cirúrgico. Exatos 21 minutos depois, a mãe de primeira viagem estava com Kássio, que pesou 3,595 quilos, nos braços. Irati – por ser a cidade de residência de Nataly – contabilizava mais uma cesárea. O último parto normal na cidade foi registrado em 2013, desde então foram 61 nascimentos.

Ao traçar uma linha reta de pouco mais de 500 quilômetros de Irati em direção ao litoral norte do Estado, chega-se a São João do Itaperiú. A cidade conhecida por ter a maior festa junina do Estado, com uma fogueira de 30 metros, também é a que registrou o maior percentual de partos normais em 2016. Nesse período, dos 43 novos bebês, 31 (72%) nasceram sem intervenção cirúrgica.

As lacunas entre esses dois pequenos municípios levam à reflexão sobre os motivos pelos quais  Santa Catarina ainda está tão longe da meta da Organização Mundial da Saúde, que preconiza que 85% dos partos sejam normais (consideradas as condições brasileiras, a taxa desejável seria de pelo menos 70%). O que era para ser um recurso e salvar vidas em casos específicos passou a ser regra e tornou o país campeão mundial no número de cesáreas. Em 2015, apenas 44,3% dos partos realizados no país foram normais. Neste mesmo ano, o Estado registrou média ainda mais baixa: 41,6%. Em 2016, a média estadual subiu para 42,7%. Os dados preliminares são do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos do Departamento de Informática do Sus (Datasus).

 

cirurgias desnecessárias

triplicam os riscos

As altas taxas de cesáreas agendadas (antes de a mulher entrar em trabalho de parto) e sem necessidade médica no Estado acontecem, principalmente, em três situações: quando a gestante mora em cidade com infraestrutura precária; quando as pacientes não têm o acompanhamento médico recomendado pelo Ministério da Saúde no pré-natal em relação à preparação para o parto; e no atendimento particular ou por convênio.

Segundo a OMS, as cesáreas desnecessárias triplicam o risco de morte materna e do recém-nascido, resultam em maiores chances de hemorragia, infecção, trombose, além dos perigos relacionados à anestesia. Também aumentam as chances de prematuridade do bebê.

Dados do Ministério da Saúde mostram que as cesáreas agendadas são a principal causa do encaminhamento de bebês para UTIs neonatais e aumentam em 120 vezes as chances de problemas respiratórios.

Embora reconheça avanços na assistência ao parto no país, a médica coordenadora de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, Maria Esther Vilela, diz que ainda há um longo caminho pela frente. Para ela, um dos principais passos é fazer com que as mulheres recuperem a autoestima e assumam o protagonismo no processo.

– O parto passou a ser do médico e não da mulher, fragilizaram a mulher, pessimizaram a experiência do parto – diz.

Diante desse cenário, número maior de gestantes, assim como Nataly, sentem-se mais seguras marcando o horário que se encaixa melhor na agenda do médico para o nascimento do filho.

cenário em santa catarina

INCLUI DADOS DA REDE PRIVADA E PÚBLICA

2014

2015

2016

partos normais nos polos regionais do estado

Fonte: Números preliminares do Sinasc colhidos em 19 de janeiro de 2017

Desenvolvimento do bebê nas semanas finais

Pré-termo

(36 semanas de gestação ou menos)

O cérebro se desenvolve com a máxima rapidez da 35a até a 39 a semana, crescendo um terço a mais. Os pulmões estão amadurecendo para que o bebê respire fora do útero.

TERMo precoce

(37-38 semanas de gestação)

Os órgãos vitais estão completando desenvolvimentos cruciais.

O bebê está desenvolvendo as habilidades para sugar e engolir.

Os olhos e ouvidos estão se desenvolvendo para a vida fora do útero.

pós-termo

(39-40 semanas de gestação)

Está mais preparado para a vida fora do útero.

Ganhou peso suficiente para manter a temperatura depois do nascimento, evitando incubadora.

Benefícios do parto normal

A Pesquisa Nascer no Brasil, realizada em 2011 e 2012 com 24 mil mulheres sob a coordenação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostrou que 35% dos recém-nascidos brasileiros haviam nascido com 37 ou 38 semanas de gestação. Eles apresentaram um risco quatro vezes maior de morte ao nascer e duas vezes maior de internação em UTI neonatal em relação aos nascidos com 39 semanas. Quando esses nascimentos se deram por meio de uma cesariana, os riscos aumentaram para 10 e três vezes, respectivamente.

Como não há como precisar exatamente o tempo de gestação, o que é feito por meio dos exames é uma estimativa. Nas cesáreas agendadas é grande a chance de o nascimento ser antes do prazo ideal. O bebê precisa de 39 semanas para formação completa, isso inclui adaptações a pressão atmosférica, luz, bactérias e a necessidade de respirar e se alimentar.

A cesariana também aumenta o risco de a placenta inserir-se mal no útero em uma próxima gestação, podendo levar inclusive à necessidade de histerectomia (retirada do útero). A amamentação e os primeiros cuidados com o bebê são mais fáceis no parto normal dada a rápida recuperação da mulher.

Apesar de a cesariana ser considerara uma cirurgia de baixo risco e simples, também traz impactos para a mulher. Além da maior permanência no hospital, aumenta a possibilidade de infecções e complicações, chegando a triplicar o risco de morte materna.

De acordo com dados do Ministério da Saúde, as cesáreas agendadas também aumentam em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e se trata da principal causa do encaminhamento de bebês para a UTI neonatal.

Fonte: ANS, Ministério da Saúde, OMS e Halana Faria

MUDANÇA EM DISCUSSÃO

Desde 2015, entidades e órgãos buscam amparo da lei para diminuir o número de cesáreas,
principalmente na rede privada. Confira medidas implantadas no país

 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Hospital Israelita Albert Einstein e o Institute for Healthcare Improvement (IHI) implantam o projeto Parto Adequado. A iniciativa tem o objetivo de identificar modelos inovadores e viáveis que valorizem o parto normal. Ao todo, 35 hospitais e maternidades do Brasil participam do projeto, sendo 31 privados e quatro públicos. Em SC, o Centro Hospitalar Unimed em Joinville faz parte.

Resolução da ANS estabelece que as operadoras de planos de saúde divulguem os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento e por médico. Também exige que os obstetras utilizem o Partograma para registrar o que acontece no trabalho de parto. Se a cirurgia for eletiva, o relatório médico deverá ser acompanhado do termo de consentimento assinado pela paciente.

É sancionada a lei estadual que obriga maternidades, casas de parto e hospitais da rede pública e privada de SC a permitir a presença de doulas durante todo o período de trabalho de parto sempre que solicitada. As instituições tiveram até 18 de julho para se adequar.

Conselho Federal de Medicina (CFM) edita resolução afirmando ser ético o médico atender à solicitação da gestante e realizar a cesárea. A norma estabelece apenas que a cirurgia, quando a pedido, seja feita somente a partir da 39a semana de gestação e que a paciente assine um termo de consentimento. Seis dias depois, o deputado federal Victorio Galli (PSC) protocolou projeto de lei sugerindo a redução do período para 37 semanas. O projeto segue em tramitação.

Para evitar todos os tipos de violência obstétrica, que envolvem ofensa verbal e física, foi aprovado em SC um projeto de lei que prevê a implantação de medidas de informação e proteção à gestante. Dentre elas, está a elaboração de uma cartilha pela Secretaria de Saúde de SC sobre os direitos da mãe e do bebê. A lei foi sancionada em 17 de janeiro deste ano.

partos normais No Brasil

INCLUI DADOS DA REDE PRIVADA E PÚBLICA

Fonte: Dados mais recentes do Ministério da Saúde consolidados por Estado

2014

2015

estados com Melhores índices (2014)

RR

AP

AC

AM

MA

estados com PIORES índices (2014)

GO

ES

RO

PR

RS

SANTA CATARINA APARECE NA 18º POSIÇÃO

ESSENCIAL, PORÉM COM recomendação

A cesariana é essencial em alguns casos específicos, como quando o bebê não está de cabeça para baixo e para mulheres com HIV com carga viral desconhecida ou maior que 1.000 cópias/ml.

REPORTAGEM

Karine wenzel

fotografia

MARCO FAVERO

edição

MÔNICA JORGE

Edição de vídeo

léo cardoso