Uma
inesgotável fonte de riquezas
Até o lixo despejado diariamente nas águas que, sozinhas, já
sustentaram o progresso de toda a regiao é fonte de trabalho e renda. As alternativas sao
tantas que um estrangeiro largou a Europa para ganhar a vida nas corredeiras do Rio
Itajaí-Açu
Pela cumplicidade que tem com a regiao, o
alemao Otto Hasslel, 46 anos, bem que poderia ser um dos personagens em uma reportagem
sobre as pessoas que amam o Rio Itajaí-Açu. Mas, por abandonar o velho continente como
próspero administrador de empresas e trocar a expectativa de aposentadoria tranqüila
pela aventura de sobreviver como empresário de esportes radicais em Apiúna, ele é uma
espécie de desbravador das ainda pouco exploradas oportunidades oferecidas pelo Rio
Itajaí-Açu. Mas esse é bem o jeito de Otto, que descreve o lugar onde mora, entre o rio
e a BR-470, dizendo "a lugar é muito bonita". Ele descobriu o Brasil como
visitante. Conheceu, se apaixonou e casou com uma descendente de japoneses que morava no
interior de Sao Paulo. Já como turista "interno" ele conheceu o Itajaí-Açu
praticando canoagem, mesmo
esporte a que já se dedicava na Europa. "Sou guia turístico internacional, e o
Itajaí nao perde para nenhum dos mais conceituados destinos do ecoturismo no mundo",
garante.
Otto é uma espécie de visionário. Espera ver na Regiao dos Vales a mesma forma de
consciência e preocupaçao que hoje domina o pensamento europeu. Ele
acha impossível que as autoridades, ou pelo menos os moradores próximos às
margens do rio, nao acordem para a grande fonte de sobrevivência e prazer
que possuem praticamente no quintal de casa. "Nao estao jogando apenas dinheiro, mas
também a herança das próximas geraçoes no lixo", profetiza.
Reciclável
Péssimo alemao, fa da caipirinha (única bebida alcoólica que ingere), Otto se diz um
aprendiz de brasileiro, com especializaçao em `'catarinês. Partindo do princípio que
questoes culturais favorecem o uso do rio como depósito de lixo, ele só nao entende como
as montanhas de materiais recicláveis nao sao coletados por empresas, Poder Público ou
autônomos. "Enquanto nas cidades existem associaçoes de catadores de materiais
recicláveis, ao longo do rio montanhas de lixo que poderiam ser reaproveitadas flutuam
sem despertar interesse, observa.
Em Itajaí, porém, nao é bem assim. Ali as mesmas garrafas de refrigerante que
entopem o Rio Itajaí-Açu sao compradas a peso de ouro por uma empresa que, depois de
reciclar o material e transformá-lo em cordas, exporta o produto final para o mundo
inteiro. Além de sustento, os catadores ainda prestariam um belo serviço ao meio
ambiente", acrescenta Otto Hasslel. Proprietário de uma empresa que oferece cursos e
passeios de rafting pelo Itajaí-Açu, ele recebe pessoas de todo o Brasil e demais
países do mundo. A impressao dos clientes é unânime quanto à beleza do rio. A boa
imagem é ofuscada apenas pela grande quantidade de lixo que insiste em impregnar
paisagens paradisíacas, às vezes
escondidas, como o pequeno vale atrás do Morro Pelado. Só quem enfrenta as
corredeiras tem o privilégio de conhecer o local.
O alemao nao entende, por exemplo, por que as pessoas preferem construir as casas de
costas para o Itajaí-Açu, ficando na maioria das vezes de frente para a BR-470. Otto
acredita que o costume ameniza a consciência de quem joga lixo no rio. "Tem gente
pensando que, se é nos fundos de casa, escondido, pode", constata.
Água irriga sonhos de agricultor
O agricultor Egon Reinicke, aos 61 anos, só agora encontrou no rio com quem conviveu a
vida toda uma forma de melhorar os rendimentos da família. Plantando verduras desde a
infância, ele viu filhos e netos nascerem sem poder aumentar a produçao da pequena
propriedade que possui em Ibirama. Dependendo exclusivamente das chuvas, passou décadas
sem nunca conseguir mais de uma colheita por ano, e até perdendo tudo que investiu em 12
meses devido à estiagem. Há três anos descobriu que a água do Rio Itajaí-Açu também
serve para irrigar a plantaçao. Reinicke trabalha duro junto com os filhos, mas agora tem
garantidas pelo menos duas colheitas por ano.
O sistema é simples. Com pouco menos de R$ 3 mil o agricultor instalou motor, bomba de
sucçao, canos e irrigadores para garantir a umidade necessária à lavoura. A maior
dificuldade para Egon é a qualidade da água do rio. Há dois anos ele vem diminuindo
gradativamente a quantidade de agrotóxicos usados na plantaçao.
O agricultor acredita que os alimentos ecologicamente corretos, além de fazerem bem à
saúde, ainda tem excelente aceitaçao no mercado, o que facilita a comercializaçao dos
produtos. O problema estaria em, apesar de tanto esforço para colher sem ajuda de
defensivos químicos, usar água do Rio Itajaí-Açu que poderia estar contaminada. Sem
órgaos que fiscalizem o grau de poluiçao das águas na regiao, Egon conta apenas com a
força da natureza e dos próprios braços para produzir alimentos saudáveis.
Energia
Se agora as águas do rio inspiram cuidados, há quase 100 anos foram as grandes
responsáveis pelo crescimento econômico da Regiao dos Vales. Na localidade de Salto
Weissbach, em Blumenau, até hoje está a única usina hidrelétrica movida pelo
Itajaí-Açu, desde 1914. Durante 26 anos a estaçao foi a única fonte de energia
elétrica para todas as residências e empresas da regiao.
O chefe de operaçoes da hidrelétrica, Luis Sérgio Linhares, conta que praticamente todo
o maquinário da época, de origem alema, ainda continua em funcionamento. Outro fato que
nao se alterou foi o acúmulo de grandes quantidades de lixo, animais mortos
(principalmente capivaras) e até cadáveres humanos nas grades que filtram a água que
chega às turbinas.
Enquanto a usina permanece praticamente a mesma, o Itajaí-Açu e a regiao à sua volta é
que mudaram, e muito. Há 60 anos, a usina respondia sozinha por toda a energia elétrica
produzida. Agora, seria suficiente apenas para manter uma única empresa de médio porte
menos de 3% do total consumido só em Blumenau. Tao surpreendente quanto a octagenária
usina , é o fato de ela ser a única do Itajaí-Açu. Algo que, pelo menos para o
engenheiro Linhares, é algo sem explicaçao.
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DIÁRIO
DE VIAGEM
O Itajaí-Açu esconde recantos que, em alguns pontos, sao conhecidos quase que
apenas por praticantes de rafting. A equipe do Santa enfrentou o desafio de descer as
corredeiras em um bote inflável, e foi conhecer o vale localizado atrás do Morro Pelado,
em Apiúna. A chegada ao local, ainda com adrenalina fervendo nas veias, foi comemorada
com brinde de rio no capacete |
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Desde
1914 a Usina Hidrelétrica do Salto Weissbach, em Blumenau, transforma a força das águas
em energia |
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Quando as águas
baixam, em cidades como Apiúna surgem ilhas de sujeira repletas de materiais que a
natureza terá de trabalhar por séculos para se ver livre |
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Em Ibirama,
agricultores usam motores possantes para levar a água do Itajaí até a lavoura. A
iniciativa dobrou a produçao anual |
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O acúmulo de lixo
que poderia ser reciclado pode ser visto ao longo de todo rio, como em Blumenau por
exemplo |
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Acostumado a grandes
obras, o engenheiro Luis Sérgio Linhares ainda se espanta com a ousadia arquitetônica da
única hidrelétrica que usa o Itajaí-Açu para produzir energia, em Blumenau, inaugurada
em 1914. Os poroes do prédio já suportaram inúmeras inundaçoes e resistiram até às
grandes enchentes de 1983 e 1984. Ainda assim, estao intactos até hoje |
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Dependendo apenas
das chuvas, os agricultores trabalham o ano inteiro, em troca de uma única colheita. O
colono Egon Reinicke, 61, passou a colher duas vezes em 12 meses irrigando a plantação |
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O alemao Otto
Hasslel, 46 anos, trocou comodidade e salário em dólares para ganhar a vida no
Itajaí-Açu. Empresário do ramo dos esportes radicais em Apiúna, especialista em
rafting, ele nao entende porque mais pessoas nao ganham a vida preservando o rio |
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