De margem a
margem, criatividade e esforço
Pontes de madeira ou concreto nao sao as únicas formas de atravessar o
Itajaí-Açu. Por onde passa, o rio exige do esforço ou do descaso alguma soluçao para o
desafio. O tempo passa, a tecnologia aumenta e a ciência evolui, mas em alguns locais as
alternativas encontradas pela criatividade e pela necessidade ainda sao tao antigas quanto
o ciclo das águas
A largura ou a profundidade do Rio
Itajaí-Açu nunca foram obstáculo para a criatividade humana. Há quase 100 anos, o
colono Daniel Heinz, em Alfredo Wagner, já inventava uma ponte suspensa por arames. A
bisneta dele, Rosicléia, 18 anos, fala sem timidez sobre a façanha do bisavô.
Entretanto, todo o esforço do antepassado para facilitar o dia-a-dia dos camponeses na
localidade de Campo dos Anjos nao foi suficiente para que ela escolhesse a roça como
opçao de vida. Depois de passar a ponte em frente à casa onde mora, ela caminha quase
oito quilômetros por dia para ir à escola, justamente para ter uma profissao que a leve
aos grandes centros. A pouca idade de Rosicléia lhe ajuda a manter vivas na memória
lembranças da infância. Ela recorda que, há pouco mais de 10 anos, o rio era fundo o
suficiente para que se pudesse mergulhar. Agora, lamenta, é praticamente impossível
encontrar qualquer profundidade superior a um metro. O esforço para ir à escola dá
argumentos à moça para entender o motivo. Ela explica que uma professora já falou sobre
os efeitos do desmatamento nas margens do rio. Sem raízes para segurar a terra, repete a
menina como se também ensinasse, o barranco cai e diminui a "fundura" do rio.
Todo dia, enquanto caminha até a sala de aula, Rosicléia sonha com o lugar onde estará
em cinco, 10 anos. Entre as possibilidades, ela destaca Blumenau. Mal sabe a mulher com
jeito de menina que, se concretizar o sonho, irá trocar um lindo ribeirao de águas
cristalinas por um Itajaí-Açu esgotado pela poluiçao que recebe de todo o Vale. Ela se
despede sem saber que o futuro de ambos - ela e o rio - sao incertos. Rosicléia ainda nao
sabe qual profissao seguir. O Itajaí-Açu também aguarda por dias melhores. Seguindo o
caminho do Itajaí-Açu, existem nomes pomposos para atividades consideradas corriqueiras
aos moradores das margens do rio. Apiúna é o melhor exemplo. A cidade oferece o Serviço
Público Municipal para Travessia do Rio Itajaí-Açu. Na verdade, a oferta se resume a um
remo, um barco com menos idade que a aparência e o esforço diário de Osvaldo Stein, 50
anos. De segunda a segunda, ele atravessa moradores dos bairros Margem Esquerda e Morro
Grande de um lado para outro. Quando o ponto de partida está na mesma margem onde mora o
descendente de alemaes, basta bater palmas frente à casa onde mora. Quem está do lado de
lá precisa pedir em alto e bom tom pelo serviço, às vezes até aos gritos. Osvaldo tem
um sincronismo alheio à urgência dos chamados. No mesmo ritmo, sempre, ele atravessa o
rio com um simpatia única. Conta histórias que mais parecem fruto de pescarias, faz
perguntas, enfim, puxa conversa até ser correspondido. Apiúna também abriga outro meio
de travessia do rio, dessa vez marcado pela genialidade autodidata do aposentado Arno
Woehle, 62. O homem é fora do comum. Cansado de remar uma velha canoa para vencer o rio
que corta a propriedade da família, acordou um dia invocado e resolveu construir um
bondinho sobre o Itajai-Açu. Para espanto de amigos e vizinhos, o colono que mal cursou a
4ª série do 1º grau projetou uma engenhoca movida a energia elétrica, com mais de 20
roldanas e quase 300 metros de cabo de aço.
Espanto
O bondinho funciona que é uma beleza. A travessia dos 180 metros de vao, a mais de 10
metros de altura, dura cinco minutos. Usando o sistema há três anos, Arno ainda nao
entende o entusiasmo de quem faz a primeira viagem. Ele chega a comparar a cara de espanto
dos marmanjos de primeira viagem com a fascinaçao dos quatro netos que já escolheram o
bondinho como brinquedo predileto.
Da numerosa família, porém, é um viralata ainda sem nome quem mais aproveita a
invençao. Independente do horário, noite ou dia, é sempre ele quem acompanha o
aposentado nas travessias. Arno diz gostar muito de animais, por isso fica triste com a
grande quantidade de bichos que passam boiando já sem vida pelo Rio Itajaí-Açu.
O aposentado conta que nem todos os animais morrem devido à poluiçao. Ele já perdeu as
contas de quantas pessoas já viu atirando em capivaras, mas sem conseguir a morte do
animal só com o disparo. Na maioria das vezes, o roedor foge para a água, onde acaba
morrendo. Quando sao fêmeas deixam filhotes órfaos e abandonados à própria sorte.
Desconfiado que carniça também polui o Itajaí-Açu, Arno se recusa a usar aquela água
para qualquer finalidade. A casa onde mora com a família é abastecida por uma nascente,
distante 300 metros do rio.
Balsas
A travessia do rio também é feita por balsas. Em Ilhota, o serviço é simples, mas
eficiente. Entre Itajaí e Navegantes serve principalmente para garantir o acesso de
milhares de trabalhadores que moram em uma cidade, mas trabalham na vizinha. Em Blumenau,
a balsa no Bairro Passo Manso ainda é movida à força humana. Moradores do bairro, José
de Almeida, 34 anos, e Gilmar Ferreira, 28, passam oito horas por dia fazendo força para
levar a balsa de um lado a outro do rio. O trabalho, contam, é estafante. Como que para
reforçar o arcaísmo da cena, eles usam uma espécie de clava de madeira, que se prende a
um cabo de aço que une as duas margens. O avanço da balsa é conseguido com movimentos
imitando uma remada.
Mas nenhuma forma de travessia é eterna. Em Gaspar, por exemplo, o diretor de
Planejamento da Secretaria de Obras, Sérgio Morastoni, parece proibido de falar no
assunto, mas admite: a única ponte na cidade para atravessar o Itajaí, com 40 anos de
vida, nao resiste mais muito tempo sem um boa reforma. O rio, no entanto, nao espera
respostas, e segue seu curso..
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DIÁRIO
DE VIAGEM
O jornalista, na maioria das vezes, é uma espécie de Sao Tomé. Simplesmente
olhando nao era possível medir o esforço dos trabalhadores que movem a balsa no Bairro
Passo Manso, em Blumenau, com a força dos braços, usando clavas quase pré-históricas.
Só mesmo sentindo na pele o peso da prancha de aço é possível afirmar que o trabalho
é muito, mas muito mais pesado do que parece. O repórter Fiu Saldanha (à frente) e o
fotógrafo Gilmar de Souza, de boné, mal conseguiram fazer a balsa sair do lugar |
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A
genialidade do aposentado Ano Woehle inventou um bondinho movido a eletricidade para
atravessar o rio |
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O funcionário
público Osvaldo Stein, 50 anos, nem imaginava que os dois salários mínimos que ganha
por mês em Apiúna sao suficientes para gerar um nome tao ponposo para a funçao que
exerce: condutor do Serviço Público
Municipal para Travessia do Rio Itajaí-Açu |
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José de Almeida, de
chinelo, e Gilmar Ferreira fazem em Blumenau o esforço que poderia ser facilmente
substituído por um motor. Apesar do cansaço no final do expediente, se alegra, pelo
menos, pela boa forma física |
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Rosicléia Heinz usa
diariamente a ponte de arame construída pelo bisavô há quase 100 anos. O construtor
pretendia facilitar a vida dos colonos. A bisneta vai à escola para conseguir uma
profissáo que a tire do campo, e a leve embora |
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Para diminuir um
pouco o cansaço dos homens que movem no muque a balsa em Blumenau, quando nao há a
presença de veículos, os passageiros sao levados de barco até a margem oposta por
Gilmar Ferreira |
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Ilhota e Navegantes
são as duas únicas cidades em toda a extensão do Itajaí-Açu que usam balsas
motorizadas para a travessia do rio. Apesar da idade já avançada dos equipamentos,
colocam a serviço da populaçao uma tecnologia que parece desconhecida pelos municípios
vizinhos |
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A travessia do Rio
Itajaí-Açu, em Apiúna, pode ser feita desde a madrugada até o anoitecer. Para chamar o
barco que faz o serviço, às vezes, é preciso fôlego para gritar no barranco até ser
atendido pelo remador Osvaldo Stein |
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Até em cidades
consideradas grandes, como Blumenau, o uso de barcos rudimentares para atravessar o rio é
tao freqüente quanto em qualquer outro município cortado pelo Itajaí-Açu, independente
do tamanho |
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