| 05/02/2009 03h13min
A ação do Ministério Público Federal para destinar todos os leitos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) ao Sistema Único de Saúde (SUS) lança polêmica sobre um modelo de atendimento idealizado há quase quatro décadas. Os defensores da reserva de vagas para o sistema público argumentam que essa é a vocação natural de uma entidade custeada pelo governo, mas especialistas temem que a possível mudança comprometa a qualidade do ensino universitário e do serviço prestado ao público.
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A encruzilhada de um dos principais hospitais universitários do país, onde convivem assistência à saúde, ensino e pesquisa, foi tema de um
artigo do médico da Santa Casa de Porto Alegre José J. Camargo (veja entrevista à esquerda)
publicada ontem na coluna de Paulo Sant'Ana. Segundo Camargo, a possibilidade de acolher clientes de convênios ajuda a manter na instituição profissionais de alto nível — já que a remuneração de um professor universitário em início de carreira não vai muito além de R$ 2 mil para 20 horas semanais.
Um dos mais destacados especialistas ligados ao Clínicas, o diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para o Desenvolvimento da Genética na América Latina, Roberto Giugliani, afirma que o maior risco não é de que colegas troquem o Clínicas por consultórios particulares, se a admissão de pacientes privados for proibida, mas de que passem menos tempo no local.
— A possibilidade de internar um paciente privado facilita ao médico mais renomado fazer no mesmo local suas atividades ligadas ao ensino, à pesquisa, aos pacientes do SUS e à sua clientela. É um recurso utilizado em vários países para manter os médicos nessas instituições — argumenta.
Como se trata de um
hospital-escola, em que os médicos são também professores dos residentes, a presença deles no estabelecimento de saúde é considerada importante para intensificar a supervisão sobre o trabalho dos alunos e garantir a qualidade do atendimento não apenas para os doentes com plano de saúde, mas também àqueles que dependem da assistência gratuita.
A coordenadora do grupo de Pós-graduação e Pesquisa do HCPA, Nadine Clausell, afirma que a principal vantagem do modelo atual é permitir que alguns médicos internem pacientes no mesmo local em que ensinam e fazem pesquisas. Conforme o caso do doente, pode até ser alvo de estudo e servir de fonte de conhecimento para os residentes. Mas segundo a especialista, esse procedimento não representa uma fonte de renda significativa para os médicos, porque o atendimento privado se limita a 10% da capacidade do HCPA.
— Os médicos também não podem internar esses clientes privados na UTI ou fazer atendimento ambulatorial. Por isso, a grande
vantagem é ter alguma
flexibilidade com determinados pacientes — argumenta Nadine.
Para ela, a possibilidade de atender a conveniados é mais interessante para profissionais da Santa Casa do que aos do Clínicas, porque no primeiro caso esses beneficiários representam uma proporção bem maior, geralmente superando um terço da capacidade.
— Para nós, a grande vantagem é o recurso gerado para o hospital como um todo, já que representa cerca de 20% da renda e permite compras de equipamentos e outros investimentos que ajudam a manter a qualidade da instituição — observa.
Segundo Nadine, o modelo atual já era previsto na lei que determinou a criação do HCPA, em 1970. Esses argumentos não são considerados suficientes para quem defende a prerrogativa do SUS em relação aos convênios em um estabelecimento público, como a procuradora da República Suzete Bragagnolo, uma das autoras da ação do Ministério Público, e o administrador hospitalar Sérgio Ruffini (entrevista na página ao
lado).
— Se um hospital é
público e custeado pelo governo, não tem como abrigar leitos privados. Tem de ser 100% SUS — afirma Ruffini.
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