| 21/01/2008 21h41min
O litoral gaúcho, com mais de 600 quilômetros de extensão entre a Barra do Chuí e Torres, ainda é pequeno demais para a convivência harmoniosa entre surfistas e pescadores. Os incidentes nas áreas das três plataformas de pesca do Estado são cada vez mais freqüentes. Mas esse é o menor dos problemas. Desde 1983, 45 pessoas já morreram afogadas no mar após ficarem presas em redes de pesca, geralmente irregulares.
Os atletas da prancha assumem: é melhor surfar próximo às plataformas por causa da ondulação.
– Acaba se formando um banco de areia mais raso e melhor para a prática do surfe por ali. Hoje (domingo) está muito melhor mais para o meio do que na plataforma. Mas ela realmente influencia – explica Orlando Carvalho, presidente da Federação Gaúcha de Surfe, enquanto jovens de até 16 anos competiam em Atlântida.
Mas tem um custo deslizar sobre ondas melhores. Irritados com a presença dos surfistas, alguns pescadores nem titubeiam antes de arremessar as linhas, chumbadas e anzóis contra os atletas, que revidam, danificando o material de pesca. Não raro, as discussões terminam em agressões físicas.
– O surfista usa a plataforma como um canal para entrar no mar rapidamente. Normalmente, não surfa onde estão as linhas. Por que querem nos privar disso, se nós não estamos interferindo na pesca e não vamos afugentar os peixes? – indaga Carvalho.
Para Virgílio Panzini de Matos, presidente do conselho da federação gaúcha, há outra questão que precisa ser analisada.
– Quando as plataformas foram construídas, no começo da década de 1970, elas não estavam em áreas urbanas. Hoje, já estão. Mas ali é como se fosse uma praça pública, pois aquele espaço é da união. Os pescadores têm direitos sobre a construção de concreto, mas não sobre o mar, que todo cidadão tem direito de usufruir. Tanto o pescador, que ali é amador, quanto o surfista, também amador.
Uma alternativa seria a criação de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Em Atlântida, foi um desses que possibilitou, há alguns anos, um convívio pacífico entre os dois grupos. Um surfista ia até a plataforma pela manhã, verificava as condições do mar e definia com os pescadores que, naquele dia, o surfe ocorreria de um lado e, a pesca, de outro.
– Tem que ter bom senso. O pescador poderia jogar a linha para outro lado. Não ia fazer diferença. Ou espera o surfista passar. E o surfista também tem que ter o cuidado de respeitar o pescador, não se atravessar, não dar nó nas linhas ou fazer vandalismo – fala Carvalho.
O problema das redes
O surfe próximo às plataformas também é considerado mais seguro por ser em local a salvo do segundo e principal problema: as redes. Depois de 25 anos da primeira morte, parece que está se chegando perto de uma legislação mais sólida sobre o assunto, com respaldo dos órgãos competentes para que as leis virem ações contínuas de fiscalização e conscientização.
No começo deste ano, a governadora Yeda Crusius assinou decreto instituindo o projeto Surf Legal, criando uma comissão formada por membros do governo, da Assembléia Legislativa, do Ministério Público, do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (Ceco) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Federação Gaúcha de Surfe e do Ceclimar. A intenção é apontar soluções para resolver de forma definitiva o problema de redes ilegais, além de delimitar novas áreas para a prática do esporte nos mais de 100 balneários dos municípios litorâneos.
– Cidreira é o foco das mortes. Tem 13 quilômetros de área costeira, mas apenas 1,5 quilômetros para a prática do surfe. O Ceco tem uma pesquisa muito profunda indicando que, pela velocidade média das correntes, são necessários 4 quilômetros para se ter 60 minutos de prática desportiva em segurança – afirma Matos.
O bom exemplo
Com uma área costeira 20 vezes maior que a de Cidreira, Cassino é o exemplo positivo. Lá, há um acordo entre surfistas e pescadores, e as áreas para atuação de cada grupo são amplas e bem delimitadas. No litoral norte, Tramandaí, Imbé, Capão da Canoa, Xangri-lá e Torres são os locais indicados para a prática segura.
– O que falta é uma fiscalização em cima de pescadores ditos profissionais, mas que não são. Antigamente era o Ibama quem dava as licenças profissionais, e havia toda uma pesquisa para isso. Hoje, são as associações que fazem. Quando conseguirmos regularizar essa situação, vamos caminhar para o fim do problema das redes. Mas isso ainda deve levar uns cinco anos – diz Matos, explicando que uma das idéias é colocar na praia cones gigantes para prender redes regularizadas e identificadas, com informações sobre a lei, do pescador autorizado, e com um telefone para denúncias.
Acordo
Há um acordo com os pescadores para que, entre 15 de dezembro e 15 de março, não se usem redes no mar gaúcho. A Federação Gaúcha de Surfe diz estar de olho na pesca irregular, desde que ela esteja realmente colocando vidas em risco. Afinal, o que todos querem é um convívio harmonioso.
– Tem surfista que também é pescador, que tem pai pescador. Se a rede não apresenta risco à vida, se não está em área urbana, não tem problema algum – conclui Orlando Carvalho.
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