| 08/03/2006 15h54min
Os países latino-americanos avançaram em alguns pontos com a reforma agrária implementada no século passado, mas a propriedade da terra ainda é muito concentrada e surgiram novos desafios, segundo os participantes da Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural, realizada em Porto Alegre.
O México realizou uma das maiores reformas agrárias do mundo, distribuindo quase metade do seu território, mas hoje enfrenta o problema de milhares de minifúndios improdutivos. Já na Colômbia, apesar de todos os esforços, a concentração da propriedade da terra duplicou nos últimos 20 anos.
– Alguns países alcançaram avanços, mas em todos existem problemas de terra antigos e novos – disse Paolo Groppo, analista de sistemas de tenência de terra da FAO.
– Na década de 60, o desafio era apenas lutar contra o latifúndio. Agora existem novos problemas e os países latino-americanos têm que se equilibrar entre as pressões de agricultores, índios, afrodescendentes, mulheres, ecologistas e do próprio mercado – acrescentou o especialista.
No Brasil, além de atender a reivindicações econômicas e culturais dos pobres, o novo modelo de reforma agrária, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também tem que levar em conta a preservação ambiental e a produção de combustíveis alternativos ao petróleo.
A FAO, organizadora da II Conferência sobre Reforma Agrária, espera que o encontro em Porto Alegre, que termina nesta sexta-feira, apresente um novo modelo de reforma agrária e um compromisso mundial em defesa da população rural, que representa 75% dos pobres do mundo.
Delegações de 80 países participam da reunião de Porto Alegre, convocada 27 anos depois da primeira Conferência da FAO sobre o tema (Roma, 1979). Segundo os especialistas, as reformas agrárias promovidas na América Latina nas décadas de 60 e 70, algumas delas ainda em andamento, melhoraram a situação rural, mas não foram capazes de reduzir a pobreza no campo.
– Sem as reformas e a remoção de relações pré-capitalistas, a região não pode atingir o nível de desenvolvimento de uma agricultura moderna e competitiva internacionalmente, nem avançar na descentralização do Estado, na formação de governos locais e na incorporação de milhões de pessoas à condição de cidadãos – segundo um documento da FAO.
As estatísticas apresentadas na Conferência indicam que a maioria da população rural nos países da América Latina se encontra abaixo da linha de pobreza. São 75,5% no Brasil, 86,2% na Venezuela e cerca do 43% no Peru e em El Salvador.
– A pobreza na região afeta principalmente as comunidades indígenas camponesas, que representam 30% dos pobres em áreas rurais. Os pequenos produtores, que subsistem em regiões áridas ou semi-áridas, são outros 30% – segundo um dos documentos apresentados pela FAO para a discussão.
A concentração de terra continua alta, especialmente na América do Sul, segundo um Censo Agrário realizado pela ONU em 1990. Enquanto quase a metade (46,04%) das propriedades rurais ocupa 1,26% das terras cultiváveis na Argentina, Brasil, Colômbia, Peru e Paraguai, 14,64% dos proprietários monopolizam 68% da superfície.
– Na Colômbia, a área cultivável em poder de 0,4% dos proprietários passou de 23% em 1984 a 46,5% em 2002. O país, no entanto, pode servir de exemplo de reforma agrária para povoações indígenas e afrocolombianas. Elas receberam 36 milhões de hectares (a terça parte do território) – disse o chefe da delegação colombiana na Conferência, Ricardo Garzón.
Segundo Groppo, o modelo não é mais o da década do 60, quando os países latino-americanos, apoiados pelos Estados Unidos, promoveram reformas agrárias "por medo do que ocorrera em Cuba". Desta vez,o assunto voltou à agenda devido às reivindicações de grupos que querem terra por razões econômicas (pobres), históricas (índios) e até religiosas.
– Os agricultores descobriram que, proclamando-se indígenas, têm melhores condições de ver atendidas
as suas reivindicações, tornando-se
socialmente visíveis. O novo indigenismo é uma forma de abrir espaços num processo de globalização que os deixa na primeira fila dos excluídos – segundo outro especialista da FAO.
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