| 22/02/2011 10h20min
Valdinei Marques, 32 anos, ex-catador de material reciclável da Associação Esperança de Florianópolis, preparou-se para assistir ao documentário Lixo Extraordinário. Na tarde que antecedeu a exibição, pesquisou sobre a obra, onde, quem e como tinha sido feito o trabalho. Queria saber afinal qual era a "história" do filme.
Quando as luzes da sala de cinema se apagaram, ele não imaginava que a história que tanto despertou sua curiosidade era, na verdade, a sua história. Acompanhado do colega de profissão, Sátiro dos Santos, de 44 anos e há 13 como gari da Comcap, os dois não resistiram à emoção e saíram do cinema em lágrimas.
Assim como os personagens do filme, Valdinei também trabalhou quase um ano como catador de lixo reciclável na Associação de Recicladores Esperança, em Florianópolis. Hoje ele é responsável pelo Museu do Lixo da Comcap e se considera um privilegiado por ter passado pela experiência.
— Nunca me envergonhei porque é um trabalho muito digno — diz.
Durante a projeção, Valdinei conta que se enxergou várias vezes nos depoimentos dos seis verdadeiros protagonistas do filme: os catadores recrutados pelo artista Vik Muniz. Apesar de enfrentar uma realidade nada suave, os catadores que criam uma obra sob a orientação de Vik, num processo de construção coletiva, antes de conhecer outras possibilidades de trabalho, dizem que gostam de trabalhar no lixão. Que o cheiro, o peso e a disputa natural entre eles não incomoda.
Mas, depois da experiência fora do Jardim Gramacho, a maioria diz que não quer voltar para o lixão. Valdinei compartilha do mesmo sentimento e descobriu que o segredo do desenvolvimento humano está em ter incertezas e não certezas absolutas.
— O legal do filme é que se acompanha a criação da obra, a gente vê tudo sendo construído. Eu conheço um pouco a obra de Gaudí, que é bem detalhada, mas não sabia nada sobre esse Vick Muniz — comenta Valdinei com a voz embargada.
Valdinei relembrou das dificuldades em selecionar o lixo, porque além da falta de coleta seletiva em algumas áreas da cidade há uma enorme falta de conscientização da população que ainda mistura resíduo orgânico e seco.
— A importância do filme está em mostrar a importância do trabalho do catador. Somos invisíveis aos olhos do público. Por que não nos enxergam se nosso trabalho é tão importante para a vida das pessoas? — questiona.
Artesão nas horas vagas, Valdinei ficou fascinado pelo processo de construção coletiva da obra de Vick Muniz. Logo que o filme começa a impressão é de um documentário sobre o trabalho do artista. Mas, à medida em que o filme se desenrola, o artista vira secundário e os personagens tomam conta da tela.
Sátiro quase não conseguia falar. Com sorriso ele tentava disfarçar a emoção. Hoje ele trabalha na coleta seletiva e considera-se um privilegiado pois, segundo ele, está em uma profissão que é altamente reconhecida pela comunidade.
— Espero que o filme seja um incentivo para as pessoas separem o lixo — diz.
Educadora ambiental da Floram há 23 anos, Sayonara de Castilho, 44 anos, sentiu-se recompensada com o filme.
— As pessoas precisam entender que é desumano trabalhar num depósito onde o lixo não é separado. O que precisa ser feito é anterior a isso. Se cada casa reciclar os resíduos aquela cena do caminhão descarregando e as pessoas subindo uma montanha de lixo vai desaparecer — comenta Sayonara.
Sobre o filme
Lixo Extraordinário (Waste Land em inglês) é uma coprodução brasileiro-britânica de 99 minutos, dirigida pela britânica Lucy Walker e codirigido por João Jardim, Angus Aynsley e Karen Harley. O filme aborda a relação do artista plástico Vik Muniz com os catadores do lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias (RJ), o maior lixão a céu aberto do mundo.
No filme Muniz entrevista e fotografa seis catadores do lixão. A partir da projeção da foto numa tela colocada no chão de um imenso galpão, eles vão reproduzindo a imagem com objetos encontrados por eles no lixo.
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