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Itapema FM  | 13/06/2015 12h54min

"O personagem Lula é um presente para qualquer autor", diz Fernando Morais sobre livro em fase de desenvolvimento

Jornalista esteve em Florianópolis e defendeu também a liberação das biografias

Atualizada em 15/06/2015 às 09h48min Emerson Gasperin  |  emersongster@gmail.com

Aos 69 anos, o escritor mineiro Fernando Morais tem uma história que renderia um livro tão bom quando a dos personagens que já biografou.

Em 1976, causou furor no mercado editorial nacional ao lançar A Ilha, livro em que falava (bem) de Cuba em uma época na qual a simples menção de Fidel Castro causava arrepios na ditadura militar que governava o Brasil.

A partir daí, elegeu-se deputado estadual por São Paulo e foi secretário da Educação daquele Estado, até largar os gabinetes e passar a se dedicar à literatura.

Nessa área, tornou-se um dos maiores nomes do país como o autor dos best-sellers Olga, Chatô e O Mago, sobre a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, o magnata das comunicações Assis Chateubriand e Paulo Coelho.

Morais recebeu a reportagem do Diário Catarinense em Florianópolis, onde esteve para dar uma palestra sobre o futuro do jornalismo. Entre baforadas no charuto – "feito na Flórida, pelo inimigo", brincou –, revelou seus projetos atuais, contou algumas das inúmeras passagens que presenciou com figuras ilustres da política e da cultura e refletiu a respeito dos desafios da mídia tradicional perante a internet. 

Confira a entrevista completa:

No que o senhor está trabalhando atualmente?

Por favor, não me chame de senhor (risos). Estou envolvido em dois projetos. Há quatro anos estou pesquisando para fazer um livro sobre o Lula – não uma biografia, e sim um livro que conta um período da vida dele que vai da prisão em abril de 1980 até o fim de seu segundo mandato na presidência.

Vídeo: primeira vez em Florianópolis

 

É um trabalho sob encomenda?

Não, foi iniciativa minha! O personagem Lula é um presente para qualquer autor. E eu não sou do PT, o que me dá uma vantagem: tenho um certo distanciamento em relação a ele. Quando ele surgiu como liderança operária, sindical, eu era deputado estadual pelo MDB (que viraria o PMDB) de São Paulo. A primeira greve no ABC paulista, se não me engano na Mercedes, estourou no dia em que tomei posse, 15 de março de 1979.

Dali em diante, a movimentação no ABC foi se ampliando, a ditadura já estava banguela e surge o Lula como uma liderança fortíssima na região. Acompanhei muito isso, porque passava noites na porta de fábrica com outros deputados. Eu ia de terno e gravata, carro oficial, chapa preta, para usar a "autoridade" parlamentar para impedir a violência da PM contra os piquetes. Foi aí que o conheci e me aproximei dele.

Ele mudou muito com o poder?

Nada, é o mesmo cara. Fala do mesmo jeito, trata as pessoas do mesmo jeito, não importa se preto ou branco, rico ou pobre.

Como surgiu a ideia desse livro?

Quando ele se elegeu presidente pela primeira vez, propus fazer o que Pierre Salinger (ex-secretário de Imprensa da Casa Branca nos governos de John Kennedy e Lyndon Johnson) fez com Kennedy: ficar grudado no pé dele durante o mandato e, ao final dos quatro anos escrever sobre um operário presidindo um país de (à época) 180 milhões de habitantes. Ele não topou. Quando se reelegeu, tentei de novo. Nova recusa.

Ao terminar o segundo mandato, insisti, aí diretamente com ele. Ele disse que esse negócio de biografia era para quem já estava com o pé na cova (risos). Em 2012, eu estava passando férias na França com minha neta, me ligou um assessor dele dizendo que talvez fosse o momento de retomar a ideia.

Tem alguma revelação no livro?

Tem, mas não posso adiantar.

Quando será publicado?

Não sei, pode ser que eu consiga terminá-lo nesse ano, mas ainda há muita gente para ouvir.

E o segundo projeto?

É um argumento para Hollywood que me encomendaram recentemente, sobre o traficante que sucedeu Pablo Escobar no comando do tráfico. É um mexicano que está preso há um ano. Será um filme, não um documentário. Já era para eu ter ido ao México, mas vou ter que embarcar para Caracas para participar de uma manifestação de apoio ao (presidente da Venezuela) Nicolás Maduro.

Como assim?

Eu virei um ativista político depois que deixei a política. Me aproximei muito de grupos de esquerda da América Latina inteira – e, em muitos desses lugares, as pessoas que conheci 15, 20 anos atrás hoje são presidentes. Quando conheci o Maduro, ele era deputado.

Eu já era muito próximo do (ex-presidente venezuelano) Hugo Chávez. Quando ele foi candidato a reeleição pela primeira vez, organizei um manifesto com personalidades no Brasil cujo mote era: "Se eu fosse venezuelano, votaria em Hugo Chávez." Na entrega do manifesto, o conheci pessoalmente.

O fato de você ter escrito um livro sobre Fidel Castro ajudou nessa aproximação?

Ah, sem dúvida! Muitas dessas pessoas a quem me referi eu conheci em Cuba. Por exemplo, Salvador Cerén (presidente de El Salvador), quando ele era dirigente da Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí (partido pelo qual foi eleito em 2014). O (presidente da Bolívia) Evo Moralez, quando ele era deputado. Então isso me aproxima muito dessa "onda vermelha" que tomou a América Latina.

Você ainda tem contato com Fidel Castro?

Tenho, inclusive voltei de Cuba agora. Dessa vez não estive com Fidel nem com Raúl (Castro, irmão e sucessor de Fidel), foi uma viagem a passeio com minha neta e um casal de amigos. Mas nas duas vezes anteriores, no ano passado, almocei na casa do Raúl e tomei um café com Fidel. Ele está lúcido, mas muito velhinho, encarquilhado.

O que você achava da cobertura da imprensa brasileira sobre Chávez?

A pior possível. Parece outro país, não a Venezuela. Isso é um dos traços ruins da grande mídia brasileira, com uma ou outra exceção. Com Fernando Lugo (ex-presidente do Paraguai) foi assim e é assim com Rafael Correa (do Equador), Maduro, Cristina (Kirchner, presidente da Argentina) e Evo, às vezes com um componente racista mais forte do que o ideológico.

A que você atribui isso?

Tenho convicção de que a imprensa, em qualquer lugar do planeta, está a serviço dos interesses da ideologia de quem paga as contas. Então esses jornais sempre foram assim. Só que surgiu um fenômeno que é a internet. Na hora em que emergem as redes sociais, você tem um contraponto à grande imprensa. Daqui a não sei quantos anos, você vai poder contar a seus netos que trabalhou em um jornal impresso em papel. Porque não vão existir mais jornal, revista, livro e, depois, a televisão.

O que não quer dizer que vá acabar o jornalismo, certo?

Claro que não, vão mudar apenas os suportes! Minha geração achava que a democratização dos meios eletrônicos de comunicação – não os impressos, que são propriedade privada –, que são concessões públicas, ia ser conquistada nas barricadas, nas passeatas.

Vídeo: Fim do jornalismo impresso



Mas a tecnologia andou mais depressa do que a ideologia e surgiu esse negócio maluco chamado internet, em que de uma hora para outra se compra um notebook em 60 prestações e, com uma linha telefônica, você é o seu próprio Roberto Marinho. Se você tiver o que dizer, vai ter gente querendo ouvir. Se você for um leviano, um superficial, um mentiroso, você vai morrer.

Eu brinco dizendo que na internet vai haver um processo de "darwinismo", uma evolução da espécie. Quem tiver credibilidade vai sobreviver

Sim, a biografia de David Nasser, Cobras Criadas, conta muito bem essa história.

Tem uma passagem que eu acho muito eloquente sobre isso que estou falando. Chatô dá uma bronca no David Nasser dizendo: "Como é que você escreve um artigo esculhambando com o presidente JK por causa da construção de Brasília?" No que o Nasser responde: "Mas doutor Assis, é uma coluna assinada, é a minha opinião!" E o Chatô: "O dia em que você quiser ter opinião, você que compre uma revista. Na minha, você defende a minha opinião!"

Em todos os lugares é assim – e seria um absurdo se não fosse, se os Marinho, os Frias, os Mesquita ou os Civita me contratassem para defender ideias contrárias às deles. No tempo da censura, havia matérias cortadas pelo censor que, muito provavelmente, seriam censuradas também pelo patrão.

E a autocensura?

Ah, isso é horrível. Vivi um conflito parecido quando estava escrevendo a biografia do Paulo Coelho. Desencavei coisas escabrosas da vida dele, e às vezes eu travava quando estava escrevendo por que não sabia se tinha o direito de publicar esse tipo de coisa sobre um cara que abriu não somente sua casa para mim, mas sua alma, eu fiquei quatro anos convivendo com ele.

Comentei com minha mulher, que disse o seguinte: "Você está querendo impor aos seus leitores uma censura que o Paulo não te pediu." Realmente, ele não fez nenhuma restrição. Então a autocensura é um veneno. A pessoa começa a pensar que se escrever tal coisa o patrão não vai aprovar. Ora, o problema não é seu, é do patrão!

Você tinha uma imagem diferente de Paulo Coelho antes de o biografar?

O Paulo é um cara com talentos indiscutíveis em um monte de coisa, foi um bom jornalista, um grande compositor. Eu nunca tinha lido nada dele, li tudo para fazer a biografia.

Comecei pelo primeiro, O Alquimista, e não é minha praia. Umberto Eco falou uma coisa que é muito certa: ele escreve não para a cabeça das pessoas, e sim para a alma. Como eu sou materialista, não tenho alma nem fé, sou ateu... (interrompendo)

Mas você é ateu de verdade ou daqueles que quando a coisa aperta começa a rezar?

Sou um materialista místico, um ateu que bate na madeira (risos).

Vídeo: Pessoa pública


 


Algum outro projeto em vista?

Depois desse livro do Lula, quero me meter na internet e escrever para cinema. Essa experiência com o traficante do México pode ser uma experiência que me balize para isso.

Como um jornalista vira deputado?

Como jornalista, eu convivi muito com o doutor Ulysses [Guimarães, ex-presidente do PMDB] e, certo dia, na casa dele, ele perguntou se eu já havia pensado em me candidatar a deputado. Eu já era filiado ao MDB desde 1972.

Era comum jornalistas serem filiados a partidos políticos?

Era a única porta! Se você subisse num caixote de goiabada na rua para fazer um discurso, a polícia prendia. Você sendo militante de um partido, havia pelo menos uma salvaguarda. Isso certamente contou para eu me filiar. E aí acabei saindo candidato, sem nenhum tostão para fazer campanha. Para minha surpresa, fui o quinto mais votado do Estado.

Qual era a sua plataforma?

O PSTU não tinha uma plataforma tão radical quanto a minha, eu era um maluco-beleza absoluto (risos): estatização da rede bancária, reforma agrária em todos os latifúndios, inclusive os produtivos...

O que você achou do governo FHC?

Embora não tenha votado nele, eu achava que um sujeito com a trajetória de esquerda – moderada, mas de esquerda – como a dele ia começar a tentar fazer transformações importantes no Brasil. E foi o oposto: ele embarcou no neoliberalismo com gosto.

E de Lula?

Claro que podia ter avançado mais em muita coisa, mas acho que a inclusão social, a política externa e a democratização da distribuição das verbas publicitárias do governo federal foram grandes feitos. Devia ter tirado ainda mais dinheiro dos grandes grupos, e pulverizar por todo o país.

Isso não ia ser encarado como represália?

Deixa encarar! Na política você tem que correr riscos, senão não vai fazer nada.

Aconteceu algo parecido com você quando foi secretário da Educação em São Paulo?

Sim. Quando fui secretário no governo de (Luiz Fernando) Fleury (Filho, governador de 1991 a 1995), defendi que fosse cumprida a promessa de campanha de transformar a Educação na bandeira da gestão dele, e para isso precisava de dinheiro para pagar bem os professores, reformar e construir escolas. O recurso não veio e eu peguei meu boné e fui escrever meus livrinhos.

E o governo Dilma?

Pedi voto para ela, gosto dela, confio nela, ela é uma mulher que tem lado na vida e sei que não vai nos trair. Mas eu não teria feito este ajuste fiscal, porque está sangrando demais o trabalhador em vez dos bancos. Tenho esperança de que ela agora tire o avião do chão.

Felipe Carneiro / Agencia RBS

Morais é autor de a Ilha (sobre Cuba), Chatô e O Mago (sobre o escritor Paulo Coelho)
Foto:  Felipe Carneiro  /  Agencia RBS


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