Deve haver algum segredo dos mais exclusivos, compartilhado apenas por alguns poucos escolhidos, ou é pura magia mesmo. De qualquer maneira, é impressionante: Paul McCartney consegue transformar 2h45min de show em pouco tempo.

É difícil acreditar no relógio, mas fazendo as contas, é isso mesmo: com um set list de 38 músicas, a primeira apresentação da turnê On the Run na América do Sul foi um eletrizante desfile de clássicos escritos pelo beatle.

Para uma nação que recebia Paul pela primeira vez em sua história, era inacreditável a calma dos uruguaios que se enfileiravam ao redor do Estádio Centenario. Havia pouca histeria, mas muita emoção. Quando começaram os acordes de Hello Goodbye, uma corrente elétrica parecia ser transmitida entre os 50 mil fãs. A seguir veio Junior's Farm, música dos anos 1970 que, logo se percebe, funciona magnificamente em um grande show de rock, contagiante pelas vigorosas palhetadas de McCartney em seu fiel companheiro, o baixo Höfner.

— Esto muito "filez" de estar aqui pela primeira vez — falou em espanhol, logo corrigindo o "feliz" da frase.

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Velho conhecido

É essa maneira descontraída de conversar com o público um dos segredos da sua capacidade de entreter — parece que estamos ouvindo um velho conhecido, que visita vez ou outra nossa casa.

Depois ele vai intercalando os clássicos dos Beatles com os da carreira solo. Got to Get You Into My Life é absorvida na plateia pelos poros. Quando anuncia que é "a primeira vez que essa música é tocada na América do Sul", e emenda The Night Before, claro que os uruguaios se sentem orgulhosos com o privilégio. Não é por acaso que foi um dos pontos altos da noite. No final da música, levantou o Höfner com a mão esquerda, lá no alto, triunfal.

Com Let Me Roll It, a dinâmica muda um pouco. É a vez dele tocar guitarra. Resolveu virar um às do instrumento, fazendo poses e trejeitos no melhor estilo Keith Richards, para a delícia do público. Muito do que funcionou nos shows da turnê anterior — a Up and Coming Tour — foi mantido. Só que McCartney parece mais confortável com o repertório e interage mais com a banda.

Intimidade com público

Os uruguaios — aliás, não só eles, havia muitos brasileiros e argentinos no Centenario — não acreditaram quando o beatle resolveu criar uma música em cima do "Paaaaaaaaauuulll" que entoavam entre as músicas. Uma composição assinada por Paul e 50 mil amigos!

Aí ele muda de guitarra. Empunha uma Epiphone semiacústica de cor mostarda, com a qual cria uma situação especial, de intimidade com o público.

— Essa é a mesma guitarra com a qual eu toquei essa música nos sixties — explica.

E nem dá tempo para absorver a informação, pois ele já começa a tocar o riff de Paperback Writer. Nesse momento, o show adquire novo clima. Nineteen Hundred and Eighty Five é cinemática, e abre espaço para My Valentine, do novo disco, Kisses on the Bottom.

— É uma nova canção que escrevi para Nancy, minha hermosa esposa — destacou.

A música é acompanhada com a projeção do seu vídeo no fundo do palco, estrelado por Natalie Portman e Johnny Depp.

Casais curtem agarradinhos


Um momento para o frio percorrer a espinha foi o romantismo de portão de escola I'm Looking Through You, uma daquelas que é prazer "escondido" para os fãs mais dedicados dos Beatles. Foi acompanhada com especial interesse pelos casais — muitos agarradinhos — de todas as idades.

Paul também fica mais serelepe, brinca com o público que berra "i love you" à beira do palco ("eu te amo também!", responde apontando para o feliz "amado" da hora), pede para que todos aprendam os "movimentos" coreografados pelo pelo baterista Abe Laboriel Jr. ("lembrem dos moves de Abe quando forem a uma festa", aconselhou) e citou o jogador Luis Suárez, estrela da seleção celeste de futebol e coincidentemente do Liverpool, time da cidade de McCartney.

Nas baladas, o público deu o show. Let it Be teve um mar de luzes — vindo de celulares — cobrindo as arquibancadas. Em Hey Jude, as cameras filmam a plateia quase num close, e acabamos maiores do que Paul no telão. É esse sentimento coletivo que contagia. É como se não houvesse possibilidade de resistir.

Nesta terça-feira, os privilegiados serão os paraguaios — também receberão MCartney pela primeira vez. Dia 25, a celebração será aqui, na Ressacada. Resta-nos contar os dias e preparar o coração!