| 17/08/2005 08h28min
– É uma porrada absurda saber que seu filho tem Down. Eu recebi a notícia de maneira horrível, e olha que o médico foi sensível. Parece que um prédio de 60 andares tinha desabado sobre a minha cabeça. Mas 58 desses andares são a falta de informação e o preconceito.
Este depoimento não aparece em Do Luto à Luta (Brasil, 2005), documentário sobre Síndrome de Down que será exibido hoje à noite, no Palácio dos Festivais, dentro da competição do Festival de Gramado. Mas seu autor dá as caras no filme: é o próprio diretor, Evaldo Mocarzel, pai de uma menina com Down, Joana, de seis anos.
Grande vencedor do último Festival de Recife, Do Luto à Luta é o terceiro longa seguido de Evaldo, 45 anos, que concorre em Gramado: ele ganhou o Kikito de melhor documentário em 2003 por À margem da imagem, sobre moradores de rua de São Paulo, e competiu no ano passado com Mensageiras da luz, sobre as parteiras da Amazônia. Em todos, Evaldo vira personagem: no primeiro, quando um dos sem-teto pergunta se ele, no dia seguinte, quando não precisar mais do entrevistado, vai lhe dar um prato de comida. No segundo, exibe o nascimento de parto natural de um de seus filhos. Agora, diz que, como pai de uma garota com Down, seria "falsidade ideológica" ficar apenas atrás da câmera.
– O documentário é resultado entre o olhar tendencioso do diretor e o imponderável do tema - argumenta Evaldo, que define o filme como uma combinação entre "bossa de linguagem" e utilidade pública, sem entrevistas com terapeutas e geneticistas.
– Em geral, os Downs nunca têm voz. Só mantive um depoimento, o de um geneticista que diz que os limites evolutivos para os Downs são impostos pela sociedade. Meu objetivo era mostrar que, estimulados, os portadores podem fazer as mesmas coisas que nós: andar a cavalo, namorar, trabalhar, estudar e até dirigir um filme.
É um filme de Down para cima, com o perdão do trocadilho – que, afinal, é usado no bem-humorado epílogo do documentário: entrevistados e equipe técnica reúnem-se em um bar para dançar e cantar enquanto uma banda toca o clássico dos Beatles Don't let me down.
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