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 | 19/01/2008 15h43min

Tá estressado? Vai pescar... na plataforma

Atlântida, Cidreira e Tramandaí reúnem espaço para lazer, companheirismo e até conflitos

André Roca / Capão da Canoa  |  andre.roca@rbsonline.com.br

As histórias se multiplicam nas três plataformas de pesca existentes no litoral norte gaúcho. São pescadores novatos e experientes dividindo o mesmo espaço, os mesmos risos, as mesmas preocupações. Em Cidreira, Tramandaí e Atlântida, todos reclamam da escassez de peixes, discutem a questão da rivalidade com os surfistas e falam da paz que encontram quando estão com a linha na água.

Treze quilos. Esse é o peso de um dos peixes que Alexandre Flores da Cunha, o Chicão, diz ter pescado nesta semana na plataforma de Cidreira. O burriquete, como é chamado no Rio Grande do Sul a miraguaia pequena, não estava mais no local para um registro. Mas o pescador insistia:

– Passa ali na peixaria que tu vai ver o tamanho dele.

Testemunhas do fato, Gilson Braz, 45 anos, e Gustavo Jacob, 13, mostravam com as mãos o tamanho do animal. Explicaram que a "pequena" miraguaia tinha sido levada para o freezer de um estabelecimento próximo, a fim de evitar que estragasse. Mas como peixe em peixaria não vale...

Gustavo, sócio da plataforma desde os oito anos, conta ainda que, durante a noite, outros dois peixes de proporções consideráveis foram perdidos.

– Eles foram para os pilares e a linha se cortou nos mexilhões – diz, mostrando as conchas afiadas dos moluscos.

Braz, Gustavo e Chicão foram para a plataforma na tarde de quinta. Na manhã de sexta, ainda estavam lá. Eles e mais alguns amigos sempre levam camas desmontáveis, cobertas, caixas de isopor com mantimentos e se instalam em uma casinha construída no centro da parte mais avançada da plataforma, o T.

A função não tem dia e nem hora para acabar. Enquanto isso, eles vão se revezando na pescaria noturna. Alguns escapam rapidamente até as residências para resolver uma ou outra questão, ver se está tudo bem. Mas o que eles querem mesmo é ficar por ali. Por isso, Alexandre Bacelar, que dormiu em casa para cuidar da filha, por volta de 7h já estava de volta.

– Vale mais um dia de plataforma do que 10 de trabalho!

– Podemos publicar isso, Alexandre?

– Vale mais um dia de plataforma do que 10 de Porto Alegre. Isso aqui é muito bom, desestressa. É uma paz – remenda.

O estresse tem vez nas plataformas em dois momentos distintos. Primeiro, quando barcos são avistados muito próximos da costa, passando redes que varrem o fundo do mar e, aos poucos, vão destruindo o ecossistema e fazendo do peixe artigo cada vez mais raro nas pescas esportiva e artesanal.

– Já vi 14 barcos bem pertinho daqui – relata Gustavo.

Depois, quando entram em cena os surfistas. A relação entre os dois grupos é abalada sempre que caniços e pranchas dividem espaço.

– A preferência pelas plataformas vem do acúmulo de areia em torno das fundações dos pilares. Isso proporciona ondas maiores e com melhor formação. A solução seria a construção de plataformas turísticas, com lojas, espaço de lazer e sem pesca. Igual às existentes na Califórnia ou em Fortaleza – comentou o surfista Felipe Vieira Silva no blog Maré Alta.

– Recordo que retiramos um surfista que perdeu a prancha e ficou agarrado num pilar da plataforma (Tramandaí), tirado com uma coca. Se não fosse isso, não sei, creio que teria ficado no mar. Basta um pouco mais de consciência e juízo – lembra Carlito Valentini, de Arambaré, no Maré Alta.

Aos 83 anos, Humberto Stochi, sócio da plataforma de Tramandaí desde 1971, reclama da atitude dos surfistas. Mas a experiência o ensinou a ser tolerante. Quando as pranchas estão por perto, ele e o genro Valentin Bonho, 56, companheiro de pesca, jogam a linha em outra direção.

Os dois, contudo, já viram a situação chegar ao extremo. Alguns pescadores, irritados, arremessam anzol e chumbada o mais próximo possível dos surfistas, na intenção de intimidar e afastar os rivais em busca de espaço no mar.

– Outro dia esperaram um pescador sair. Teve troca de empurrões, bate-boca. Por pouco não se pegaram feio – conta Bonho.

Ainda assim, os problemas são menos freqüentes do que os momentos de confraternização e alegria nas plataformas. Foi atrás disso que, antes das 8h da manhã de sexta, os cunhados Jones Moraes, 29, e Jéferson Martins da Silva, 13, já estavam "dando banho na minhoca", como definiram a pescaria.

Veranistas de Nova Tramandaí, eles deslocaram-se até Cidreira, onde o feito de Chicão, aquele do peixe de 13 quilos, já estava sendo alardeado. Como toda boa história de pescador, o tamanho do animal tinha que aumentar um pouquinho. No site da plataforma, ele já tem 18 quilos.

>> Na segunda: A versão dos surfistas sobre a intriga com os pescadores e a opinião de especialistas sobre as delimitações das áreas. Se você quer dar seu depoimento, mande um e-mail para andre.roca@rbsonline.com.br.

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