| 16/03/2005 17h36min
Ex-soldados rebeldes estão dominando o alto comando da política haitiana, e centenas estão se juntando a seus escalões mais baixos, o que aumenta os temores de que haja uma disseminação nas violações aos direitos humanos no conturbado país. Centenas de ex-integrantes do Exército haitiano, que foi desmontado, muitos dos quais pegaram em armas na revolta de fevereiro de 2004 contra o então presidente Jean-Bertrand Aristide, entraram para a Polícia Nacional Haitiana, de acordo com autoridades do governo.
As fontes disseram que os recrutas são selecionados para garantir que não tenham envolvimento prévio com tráfico de drogas, corrupção e violações dos direitos humanos, que marcaram as Forças Armadas antes da Presidência de Aristide. Mas o Comitê de Advogados pelos Direitos Individuais, conhecido como Carli, um dos principais grupos de defesa dos direitos humanos no Haiti, afirmou que alguns desses ex-militares já estão sendo acusados de cometer abusos contra os partidários de Aristide, hoje exilado.
– Muitas das mortes e execuções sumárias nas favelas pró-Aristide são atribuídas a ex-soldados que se tornaram policiais. Eles (as vítimas) são mortos às vezes com as mãos amarradas ou com as mãos na cabeça – disse o chefe do Carli, Renan Hedouville.
Aristide, um ex-padre católico que se tornou herói para a população pobre do país quando conquistou a Presidência pela primeira vez, em 1990, deixou o Haiti em fevereiro de 2004 depois de uma revolta armada, sob pressão dos EUA e da França. Ele está morando na África do Sul. O Haiti luta para estabelecer uma democracia sólida depois de décadas de ditadura. Seu Exército matou milhares de pessoas durante o domínio da família Duvalier, que terminou em meados dos anos 1980, e quando derrubou Aristide pela primeira vez, em 1991.
Aristide dissolveu o Exército em 1995 e, com a ajuda da ONU (Organização das Nações Unidas), montou uma força policial civil. Mas, enfraquecida pela corrupção e pela interferência política, a força foi tomada por rebeldes no ano passado. Alguns ex-soldados exigem que o governo interino que assumiu depois da partida de Aristide reinstitua o Exército. Além da grande presença de ex-soldados rasos, o alto comando da polícia também é dominado por ex-militares, como o chefe de polícia Leon Charles e o inspetor-geral Frantz Jean-François.
Apenas um dos 12 principais comandantes policiais da região de Porto Príncipe não tem histórico militar, e a maioria dos chefes regionais também é formada por ex-soldados. Jean-François não quis fazer declarações sobre a questão. Para a Plataforma de Organizações Haitianas de Direitos Humanos, uma coalizão de grupos ativistas, a situação é "perigosa".
– Policiais e soldados recebem treinamento bem diferente. É difícil para os ex-soldados que se tornam policiais perder seus reflexos militares – disse Rony Maxime, líder da coalizão.
Damian Onses-Cardona, porta-voz da força de paz da ONU, liderada pelo Brasil, que tenta manter a calma no Haiti, disse que os ex-soldados que estão entrando na polícia tiveram o mesmo treinamento que os formados pela academia de polícia.
– A missão (da ONU) vai ser absolutamente contrária a qualquer ex-militar que entre na polícia com registro criminal – disse ele, pedindo aos críticos que apresentem provas dos casos de abuso.
Uma força policial legal e eficiente é crucial para criar uma democracia saudável no Haiti, afirmam especialistas.
– Se a polícia se transformar em um exército de fato, então nada terá mudado – disse Robert Fatton, presidente do Departamento de Política Woodrow Wilson, da Universidade de Virgínia.
As informações são da agência Reuters.
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