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 | 19/05/2009 03h14min

Feijó, um homem munido de bombas

Vice-governador se transformou em pesadelo para o governo Yeda

Leandro Fontoura e Marta Sfredo  |  leandro.fontoura@zerohora.com.br; marta.sfredo@zerohora.com.br

Amigos do vice-governador Paulo Afonso Feijó (DEM) foram informados de que o político egresso do universo empresarial está com o terno preparado para a posse. Isso não significa, necessariamente, que Feijó considere inevitável a perda de mandato da governadora Yeda Crusius em decorrência do desenrolar da esteira de denúncias envolvendo a campanha de 2006.

Entre as hipóteses que o vice considera, em conversas reservadas, está a de que Yeda decida se candidatar a outro cargo, em vez de disputar a reeleição. A alternativa, que garantiria a manutenção da imunidade parlamentar – conforme cogitações de Feijó –, obrigaria a governadora a deixar o governo até abril de 2010. Mas o que, afinal, teria afastado ao ponto da desqualificação mútua dois companheiros de chapa?

A justificativa varia conforme o ponto de vista. Para os aliados de Yeda, a fonte do conflito é uma ferida infligida na autoconfiança de Feijó, na passagem do primeiro para o segundo turno da eleição, em 2006. Ele circulava se dizendo capaz de obter de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões para financiar a disputa. Encarregado de construir a ponte com potenciais doadores, o então candidato a vice teria tido desempenho abaixo do esperado. Essa constatação, associada às necessidades de composição para o segundo turno, teria determinado o apelo de Yeda para que abandonasse a chapa – uma ofensa imperdoável para o ego reforçado do empresário. Para quem apoia Feijó, episódios da campanha teriam ofendido não a arrogância atribuída pelos tucanos ao líder empresarial, mas seus limites éticos.

– Ninguém é santo nessa disputa. Doação de campanha (não-registrada) sempre existiu, não foi inventada agora. Sempre há sobras. Agora, talvez o Feijó tenha alguns limites – avalia um empresário que não tem grande apreço pessoal pelo vice-governador.


Conflito fermentou cruzada pessoal

Seja qual for o motivo, Feijó transformou a exposição do que diz considerar irregular – na campanha e no governo – numa cruzada pessoal. Mesmo que essa atitude ameace sua própria credibilidade. Foi o caso da confirmação do recebimento de R$ 25 mil, em dinheiro, que teriam sido repassados ao tesoureiro da campanha, Rubens Bordini. Ao expor a situação, por pouco não atrai acusações de crime eleitoral – contribuições em dinheiro têm limitações.

Interlocutores do vice-governador relatam que, para saber como se mover diante das denúncias, ele chegou a consultar advogados. Ouvido por Zero Hora, o desembargador aposentado Alfredo Englert, ex-presidente do TRE, avalia que, em tese, Feijó não cometeu irregularidade no caso dos R$ 25 mil recebidos da Simpala. Para Englert, receber dinheiro vivo não representa problema desde que os recursos tivessem sido depositados na conta bancária aberta para receber as doações de campanha e registrados em recibo. Na chapa de Yeda, a responsabilidade sobre as contas era de Bordini, atual vice-presidente do Banrisul.

Essa exposição das relações empresariais – verídicas ou não – irrita também boa parte do mundo dos negócios. A confiança que ainda restava se dissipou em 2008, no episódio da divulgação da conversa gravada com o então chefe da Casa Civil, Cézar Busatto.

– Um cara que fez o que ele fez com Busatto não é confiável – diz um empresário.

O Feijó liberal e obstinado é conhecido do público. Mas uma faceta pouco iluminada do empresário é a de um homem metódico e revanchista. Feijó nega ser o autor da nova onda de ataques contra o governo, mas ele tem circulado entre empresários para falar da sua relação com o Piratini. Na semana em que a revista Veja reacendeu a polêmica sobre a casa da governadora, participou de uma reunião fechada na Federasul. Foi no dia 6 de maio. Sem confirmar o teor da conversa ou admitir que Feijó tenha apresentado documentos no encontro, um empresário que ouviu o vice-governador falar saiu do prédio da entidade repetindo uma frase que circula com velocidade impressionante:

– Se 50% do que ele diz for verdade, vai ser um escândalo.

Feijó tem inimigos no meio empresarial. Gente que não gosta de suas atitudes e faz questão de lembrar que o “o empresário Feijó” também tem explicações a dar. Chegou a contestar na Justiça os termos do negócio que havia firmado com o grupo português Sonae para a venda dos seus supermercados. O embate jurídico derivou para uma campanha de detratação contra o presidente do grupo no Brasil, Sérgio Maia, rapidamente transformado em inimigo de Feijó. Mas ao menos um dos líderes que dividiram inquietações de classe com Feijó tem outra avaliação:

– Não tenho nenhum tipo de decepção. Ele tem um perfil, em certos momentos, aparentemente agressivo, direto demais. Eu já disse: “Paulo, devagar nas pedras” – relata Renan Proença, que ocupou a presidência da Federação das Indústrias (Fiergs) quando Feijó presidia a Federação das Associações Comerciais (Federasul).

Na Federasul, a paz entre entidades

Parte dessa identidade vem da superação de um período de desavenças entre as cúpulas das principais entidades empresariais do Estado. Feijó assumiu a Federasul em 2002 com a bandeira da reconciliação. Na posse, reiterou o compromisso de manter a entidade “apartidária” e fez questão de posar ao lado dos presidentes de Fiergs, Farsul e Fecomércio como símbolo de uma nova fase. Em sua gestão, a União Empresarial – proposta nascida na Federasul como fórum para unir a classe – foi sepultada.

Acusada por suas congêneres de se aliar ao governo petista, a Federasul retomou os trilhos. Internamente, a pacificação teve de ser conquistada. Embora não tenha enfrentado adversários na eleição, teve de mostrar condições para o cargo. Todos conheciam suas posições fortes. Foi obrigado, inclusive, a explicar a diretores e a ex-presidentes, em reuniões reservadas, ações que tramitavam na Justiça envolvendo suas empresas.

Autossuficiente, Feijó despreza conselhos quando se move para atingir um resultado político. Não há argumento preventivo de assessor capaz de retirá-lo da trilha planejada. Em 2002, recém-empossado no comando da Federasul, receberia em uma de suas tradicionais reuniões-almoço o então candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. Feijó pretendia transformar o seu discurso de boas-vindas em uma apresentação do pensamento ultraliberal que planejava imprimir na federação.

Dois discursos foram produzidos, paralelamente, por dois ghost writers e discutidos exaustivamente com o empresário. Ao optar pela versão incendiária, em vez da diplomática, Feijó fez duras críticas à gestão do governador Olívio Dutra (1999-2002). Ignorou o alerta sobre a indelicadeza política que poderia cometer. Revirou o episódio da desistência da Ford em investir no Estado e remexeu nas tentativas do governo petista de alterar a “matriz tributária”. O constrangimento tomou conta do Salão Nobre da Federasul. Em seu discurso, Lula disse, irônico, que Feijó poderia tratar daqueles assuntos diretamente com Olívio. Na saída, Lula contra-atacou:

– Esse rapaz é um mal-educado.

Feijó mantém a cruzada até em situações cotidianas. Há algumas semanas, ele encontrou um integrante do governo na fila do caixa de uma loja. Apesar das pessoas que os cercavam, não se constrangeu em comentar as denúncias contra o Piratini e a suposta delação premiada de Lair Ferst. Terminou dizendo que as coisas não acabariam bem.

– A gente estava numa fila, uma situação pública, totalmente inadequada. Foi constrangedor para mim – relata o interlocutor.

O Banrisul ainda é uma obsessão

Caso venha a assumir o Piratini na condição de titular, Feijó tem ao menos um alvo prioritário: o Banrisul. O vice tem informado interlocutores de que não desistiu da cruzada contra a forma de indicação da direção do banco público gaúcho – que considera uma divisão política de cargos, feita de forma imprópria. Isso se não voltar a acionar a tecla da privatização – ou federalização do banco –, que já lhe rendeu encrencas político-institucionais.

Em conversas reservadas, Feijó já lamentou a inabilidade no tratamento de alguns assuntos. Teria até admitido que teria se comportado de outra forma, com as informações que tem hoje. Atribui seus tropeços à inexperiência. Formado em Administração pela PUCRS, nunca havia disputado eleição ou ocupado cargo público até 2006. Filiou-se a um partido, o PFL – que se transformou em DEM em 2007 –, apenas um ano antes, aceitando insistentes convites do ex-senador Jorge Bornhausen (SC) e do deputado federal Onyx Lorenzoni. Ideologia, ele já tinha, a liberal. Foi um dos fundadores do Instituto de Estudos Empresariais (IEE), entidade que sedimentou as ideias de um Estado mínimo. Depois da crise econômica atribuída à falta de controle público das atividades econômicas, Feijó diz agora que persegue um Estado eficiente, não necessariamente mínimo.

Um dos herdeiros da rede Econômico, começara a trabalhar aos 17 anos – assim como o irmão gêmeo, Luiz Flaviano. Além de se parecerem, ambos cultivam o mesmo corte de cabelo, o mesmo estilo de óculos, a mesma forma de se vestir, o que já provocou confusões de conhecidos. Pela atuação no setor, Feijó comandou a Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) e a Associação Brasileira de Supermercados (Abras).

Montada sobre a estrutura de um grupo atacadista, mais conhecido pela marca Sogenalda, a empresa foi vendida em 1999 ao grupo português Sonae. Um dos argumentos para a venda foi a mudança para outro segmento, o promissor negócio da tecnologia da informação. Criou uma nova empresa, a Mercador.com, especializada em comércio entre empresas via internet. Associado à espanhola Telefónica, acabou vendendo todo o negócio à parceira há um ano.

Em setembro de 2006, abriu a Body One, uma academia de ginástica de luxo. Além disso, a família tem uma empresa que administra imóveis para alugar. Os negócios imobiliários são em Porto Alegre e no litoral catarinense. Ao menos uma vez por mês vai a Punta del Este, onde se refugia em momentos de tensão no Rio Grande do Sul. Foi assim na semana passada, quando disputou um torneio de golfe. Quando tem tempo, viaja de carro e não de avião. Do seu apartamento no Uruguai, Feijó acompanha as notícias do Estado via laptop.

Aos 51 anos, completados no último dia 11, Feijó cumpre uma trajetória de gangorra entre a atividade empresarial e a política. À medida que diminui o porte e a visibilidade dos negócios que dirige, aumenta sua inserção política. O que chama a atenção dos colegas empresários é a recente aproximação do vice com integrantes do PSOL. Antípodas ideológicos – o liberalismo praticante de Feijó contrasta com o anticapitalismo do PSOL –, começaram a conversar em junho do ano passado, poucos dias depois da divulgação da conversa com Busatto.

Na época, o vice foi classificado de “traidor” por políticos, por ter feito um registro clandestino de um diálogo. Diante das acusações, o PSOL considerou necessário defender Feijó. Os líderes do partido avaliaram que o vice teve uma atitude republicana que merecia respeito. A deputada federal Luciana Genro e Pedro Ruas, então advogado da sigla e hoje vereador, pediram uma audiência no Palacinho. Também queriam comunicar o vice do pedido de impeachment de Yeda que seria protocolado dias depois na Assembleia Legislativa.

– Fomos levar solidariedade a Feijó – relata Luciana.

O liberal próximo dos socialistas

Depois disso, os dois lados passaram a ter reuniões mais constantes. Ruas também se aproximou do vice ao se interessar pelo trabalho da ONG Alerta, criada pela mulher de Feijó, Lisette, em homenagem à filha Alessandra, vítima de um acidente em janeiro de 2008. O vereador foi conhecer a entidade que tem como foco a preocupação com as condições do trânsito.

Na visão do Piratini, Feijó e o PSOL construíram uma aliança para prejudicar Yeda. Os governistas acreditam que o vice alimenta a oposição com denúncias. Entre os indícios, estariam os e-mails divulgados na semana passada pelo PSOL, nos quais Feijó trata de doações para a campanha de 2006 com empresários. Ruas nega que a fonte das mensagens tenha sido o vice. Feijó também:

– Recebo o PSOL e qualquer deputado sempre que me pedirem audiência. Eu não chamo ninguém. Nunca me neguei a atender telefone, a conversar e a receber ninguém. Essa história de que me reúno até não sei que horas é fantasia. Chegaram a me ver no Palacinho num dia em que estava em Punta del Este. Não tenho relação nenhuma com o PSOL. Sou liberal, defendo o capitalismo e um governo menor. É tudo o contrário. Que química teria com eles? – disse Feijó a ZH no domingo.

O vice prefere atribuir a proximidade ao esforço de combate à corrupção:

– Nesse caso, sou aliado. Tudo o que for bom para o Rio Grande do Sul conte comigo, venha de onde vier.

Uma relação tumultuada

 Como vice-governador

O racha na campanha

> Em outubro de 2006, durante a disputa eleitoral, Feijó concedeu uma entrevista polêmica a Zero Hora atacando a gestão de Fernando Lemos à frente do Banrisul. As declarações desagradaram a Yeda, que chegou a sugerir a renúncia do candidato a vice. Ela teria afirmado que o companheiro de chapa não era do ramo e que política não é brincadeira. Feijó não aceitou e, depois disso, foi alijado da campanha. – Acabou a relação. Não me pediu mais nada. Antes eu era útil na captação de recursos – relatou Feijó à época.

Líder da oposição

> No dia 29 de dezembro de 2006, Feijó, já vice-governador eleito, colou adesivo contra aumento de ICMS durante a sessão da Assembleia que rejeitou a manutenção do tarifaço de Germano Rigotto. A proposta fazia parte de um pacote elaborado pela governadora eleita Yeda Crusius. Feijó bateu mais do que os deputados de oposição. Os votos contrários do PFL (hoje DEM), partido do vice, foram decisivos para a derrota do futuro governo.

O dossiê

> Ainda no início do governo, em abril de 2007, Feijó trouxe à tona um dossiê de 160 páginas contra o presidente do Banrisul, Fernando Lemos. No documento, reuniu uma sequência de suspeitas em relação a contratação de consultoria, empréstimos e contratos de publicidade na gestão de Lemos.

Trégua

> Em janeiro de 2008, houve uma trégua entre Feijó e Yeda. Em encontro no Piratini, a governadora avisou o vice que repassaria o cargo a ele durante viagem aos Estados Unidos para tratar da liberação do empréstimo de US$ 1 bilhão do Banco Mundial. A pacificação do clima político era importante para causar uma melhor impressão junto à instituição. Artífice do encontro, o deputado Claudio Diaz (PSDB) declarou à época: – Por enquanto, vamos andar de mãos dadas. Daqui a pouco, a gente beija na boca.

Gravação de Busatto

> Em junho do ano passado, Feijó deu o passo mais ousado: tornou pública uma conversa com o então chefe da Casa Civil, Cézar Busatto. Na gravação, Busatto afirmava que órgãos como Detran, Daer e Banrisul eram “fontes de financiamento” para partidos. Busatto foi demitido.

Confira as etapas da crise no Piratini e saiba quem são os personagens dessa história:

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