| 14/08/2008 06h45min
Uma discussão tão salgada como o sabor da espessa camada que protege as grandes reservas de petróleo da costa brasileira ganhou mais tempero com uma declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao afirmar que os lucros da exploração dessa riqueza não podem ficar com “meia dúzia” de empresas, o presidente fortaleceu a posição do grupo que defende mudanças drásticas na atual Lei do Petróleo.
Desde que começaram a salpicar anúncios de descobertas na camada pré-sal, intensificou-se a disputa de poder econômico e político sobre as novas jazidas. Logo depois de criada uma comissão para analisar mudanças possíveis, o coordenador do grupo, Edison Lobão, ministro de Minas e Energia, passou a defender que uma nova estatal controlasse as reservas.
Com o aparente apoio de Lula, tremeram acionistas e direção da Petrobras. Nessa quarta, dia 13, depois de uma reunião sobre os resultados semestrais, acionistas da empresa ameaçaram um levante contra a nova estatal. Presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) do Rio, Luiz Fernando Lopes Filho, falou em “complô” estatizante e sugeriu um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso a Petrobras seja prejudicada.
Tamanha celeuma não é animada por ninharia: entre os especialistas, firmou-se o consenso de que o potencial do pré-sal pode chegar a 90 bilhões de barris. Em valores, tomando como base o barril a US$ 100, haveria sob o sal um tesouro de US$ 9 trilhões, quase o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Mesmo assim, a proposta de uma nova estatal tem poucos defensores fora da política.
Em campos opostos desde a quebra do monopólio, em 1997, o ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) David Zylbersztajn e a direção da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet) condenam a iniciativa.
– Os objetivos estão corretos, mas a forma equivocada. Não há necessidade de uma nova empresa – sustenta Zylbersztajn.
– Essa nova estatal é uma enganação, um desvio da discussão do foco principal. O marco regulatório brasileiro é absurdo – concorda Fernando Siqueira, diretor da Aepet.
Embora discordem sobre a legislação atual, esse dois pólos da discussão apontam para um consenso: a elevação de uma das arrecadações sobre a exploração de petróleo, chamada de Participação Especial. Coincidem até no nível a que deveria chegar – ao redor de 90%, o dobro do atual. Com uma vantagem: pode ser feita por decreto presidencial.
– As descobertas só aceleram a modificação do decreto que deveria ser naturalmente modificado – argumenta Zylbersztajn.
– Isso tem de mudar, todos sabem, até os lobistas internacionais acham que a participação da União tem de subir – ecoa Siqueira.
Ex-funcionário da Petrobras, o pesquisador da Universidade Federal do Rio Giuseppe Bacoccoli admite até que o momento internacional seria propício para uma virada legal.
– O mundo passa pelo fechamento do setor. Ocorreu na Bolívia, na Venezuela. Mas o Brasil não tem essa tradição. Haverá uma guerra judicial, os acionistas minoritários vão reclamar.
Bacoccoli e Zylbersztajn fazem mais uma advertência, que poderia ser resumida como risco político: mudar a Lei do Petróleo no Congresso pode ser difícil para o próprio governo.
– O Congresso é uma caixa preta. A gente sabe o que entra e não sabe como sai. Pode virar um farrapo de lei, com cada um querendo tirar um naco – adverte Bacoccoli.
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