| 15/05/2010 19h10min
No dia 1º de julho de 2006, poucas horas depois do jogo em que o Brasil se despediu da Copa da Alemanha, ao perder em Frankfurt por 1 a 0 para a França, um gaúcho que fala rápido, subtraindo sílabas, largou essa, como quem não quer nada, numa roda de jornalistas, cartolas do futebol e cuspidores, no saguão do Hotel Intercontinental, em Colônia:
– Só tem um cara para endireitar isso aqui. É o Dunga.
Dunnnnga? A interrogação, em jogral, retumbou no saguão. Vinte e três dias depois, Dunga era anunciado pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, como o substituto de Carlos Alberto Parreira. Emídio Perondi havia, mais uma vez, aberto a picada para que o afilhado passasse. Ninguém roçou tantos caminhos para que Carlos Caetano Bledorn Verri virasse Dunga quanto Perondi. Deu-lhe o apelido e o batizou, carregou para o Internacional, acolheu em Porto Alegre. E tocou a primeira corneta no ouvido de Teixeira para que o afilhado assumisse a Seleção.
Perondi, 71 anos, come, bebe e respira futebol desde guri em Ijuí. Seu escritório em Porto Alegre é decorado com 29 bolas de todas as cores e marcas, flâmulas, diplomas, comendas. Foi presidente da Federação Gaúcha de Futebol por 13 anos. Na antessala, um único retrato, enorme, dependurado na parede, o do amigão Ricardo Teixeira. Pouco abaixo do retrato, numa redoma de vidro, o crânio de seu João, o pai de Perondi. Há três anos, trouxe de Ijuí os restos mortais do pai, da mãe, Antônia, e da irmã, Lenita, para cremar em Porto Alegre. Decidiu guardar o crânio de João, filho de imigrantes italianos e fabricante de selim para montaria.
Foi o jeito que encontrou de ficar mais perto da memória do pai que perdeu quando tinha 23 anos. É estranho? Pode ser, mas não para Perondi, um homem de afetos sempre exacerbados. O gabinete não tem computador, porque ainda não se atreveu a mexer com a máquina. Emoldurada na parede, uma camiseta da Seleção de 98 autografada por Dunga. Quando o afilhado aparece por ali, ficam conversando por até quatro horas. Perondi assegura que não dá palpites sobre a Seleção. Só ouve. Difícil acreditar.
Perondi é amigo, desde a adolescência, do pai de Dunga, Edelceu Verri, que sofre de Alzheimer há seis anos e há muito não reconhece mais ninguém. Eram vizinhos, jogavam futebol num campinho da Rua 13 de Maio. Dunga ganhou o apelido logo ao nascer, porque era troncudo, com as pernas curtas e grossas. Na infância, foi aluno de Helianita, mulher de Perondi, no Colégio Ruy Barbosa:
– Ele sempre foi quietão, revoltado.
Perondi, ex-centroavante que chegou a tentar uma vaga no Palmeiras, em 1957, acompanhava as peladas de Dunga, mas não levava fé. Um dia, viu um jogo do guri pelo Ouro Verde, time amador de Ijuí, e foi alertado pelo treinador Valdir Aguirre:
– Este vai dar craque.
Dirigente ajudou a manter Felipão
Dunga era retaco, valente, mas de escassa habilidade. Em 1980, por insistência de Aguirre, Perondi pôs Dunga, então com 17 anos, no seu Passat cinza e o trouxe para testes no Internacional. Dunga ficou. Foi Perondi quem emprestou o dinheiro para que o guri, poupador e mão fechada, pagasse a escritura do primeiro apartamento. Dias depois, estava lá, no Hotel Açores, onde Perondi – então deputado federal – parava quando estava em Porto Alegre, para quitar o empréstimo. Foi no mesmo hotel que um Dunga arrasado apareceu um dia e desabafou:
– Estou na lista de dispensa. Vão me emprestar para o Brasil, de Pelotas.
Perondi telefonou para o vice-presidente colorado, Arthur Dallegrave:
– Mas como vocês vão mandar o guri para o Interior?
Dunga ficou. O resto da história é conhecido.
Perondi, um contador de histórias, chefiou várias delegações da Seleção ao Exterior, desde 1993, quando, num Mundial Sub-17, passou um pito num moleque abusado. O menino, jogador do São Cristóvão, pretendia gastar os US$ 20 que ganhava por dia da CBF num tênis de US$ 180. Era Ronaldo Nazário.
Em 2001, quando a Seleção perdeu de 2 a 0 para Honduras, na Copa América da Colômbia, também chefiava a delegação e sentiu que Felipão seria derrubado. Foi conversar com Teixeira. Defendeu que o técnico deveria ser mantido. Felipão trouxe o Penta do Japão.
Perondi conhece mais de cem países. Foi vereador, prefeito de Ijuí, deputado federal. Mas gosta mesmo é de futebol. Como centroavante que encerrou cedo a carreira, era o Bode, apelido pelo qual ainda é conhecido na zona da soja. Foi presidente do São Luiz. Presidiu a FGF, foi vice-presidente da CBF. Desde 2004, quando deixou a FGF, passou a cuidar dos negócios. Tem duas fazendas, uma em Formoso, Minas Gerais, e outra em Alvorada do Norte, Goiás. De vez em quando, recebe o pedido de alguém da região de Ijuí para que apadrinhe um filho, um sobrinho, um neto.
– Todo pai acha que o filho é um craque. Imagina a frustração dos que não conseguem virar jogador.
Conhece centenas de histórias de promessas de craques que não deram em nada. Acompanhou as raras trajetórias de sucesso, muitas de jogadores da região. É procurado até hoje porque o veem como um midas. Se inventou Dunga, pode inventar mais alguém.
Ainda não sabe se irá a sua sétima Copa. Talvez apareça nas finais, porque tem uma certeza, soletrada com todas as sílabas:
– Dunga vai ser campeão. Este time vai para campo para brigar, para comer grama.
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