| 27/10/2007 08h44min
Sob o sol generoso da primavera portenha, o lugar parece pacífico. Edifícios altos e modernos se erguem do outro lado da Avenida del Libertador e, à pouca distância, pode ser avistado o maior estádio de futebol de Buenos Aires, o Monumental de Nuñez (também nome do bairro), pertencente ao River Plate.
É quando se chega junto ao muro com grades que circunda o complexo de 17 hectares de área e 33 prédios que a impressão começa a mudar — e para pior, muito pior. A primeira pista são silhuetas humanas pretas, vermelhas e prateadas afixadas às grades, lembrando vítimas de algum massacre. Ao lado, um pequeno cartaz remove as últimas dúvidas: a história do local está associada a algum tipo de horror difícil de esquecer. "Hector Vicente Santos, empregado da Ruta Companhia de Seguros, detido neste lugar, hoje continua desaparecido. Tua mulher, filho, neto e entes queridos lembram de ti no 30º aniversário do desaparecimento. 1977 - 17 de outubro - 2007.", diz o texto.
O
complexo é a tristemente famosa
Escola de Mecânica da Marinha (Esma), o mais importante dos estimados 600 centros clandestinos de detenção e tortura da ditadura que ensangüentou a Argentina entre 1976 e 1983. Para o local, foram levados, seqüestrados, cerca de 5 mil pessoas, militantes políticos inimigos da ditadura, a imensa maioria ainda dada como desaparecida — ou, na prática, morta.
Local de tortura vira museu
É este local, agora um museu prestes a ser aberto ao público, que se transformou no símbolo maior de um dos trunfos políticos do presidente Néstor Kirchner — e conseqüentemente, da candidata a presidente Cristina Kirchner, sua mulher. Ao tomar posse em 2003, Kirchner deixou claro que não perdoaria os crimes da ditadura — e cumpriu a promessa.
Primeiro, conseguiu com que a Justiça declarasse inconstitucionais as leis das Obediência Devida e do Ponto Final (as chamadas Leis do Perdão). O resultado foi a retomada dos processos e a condenação de
agentes da repressão. A transformação da Esma em
museu foi a cereja no bolo. É difícil calcular o quanto essas iniciativas renderam em dividendos políticos para Kirchner e em votos para sua mulher, mas com certeza não foi pouco.
O museu da Esma ainda não está aberto ao público em geral, mas ZH pôde visitar o complexo ontem. Os prisioneiros eram detidos — e torturados — no alojamento dos oficiais, mais exatamente no sótão do prédio. Entravam encapuzados e algemados, aparentemente sob os olhares desinteressados de muitos militares não diretamente ligados à repressão.
Muitos dos detidos saíam dali direto para o Aeroparque, um dos aeroportos de Buenos Aires, onde eram embarcados em aviões e jogados no Rio da Prata. A Esma era sede de um Grupo de Tarefas (o chamado GT 3.3/2) encarregado unicamente da repressão. No total, o centro de detenção podia abrigar 200 a 300 prisioneiros por vez.
Julgamento de aliados da ditadura reforça candidatura de Cristina Kirchner
Foto:
Cézaro De Luca, EFE
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