| 17/07/2010 17h26min
Há dois meses, Paulo César Tinga desembarcou no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, vindo de uma temporada de quatro anos na Alemanha. À primeira vista, os dreadlocks pareciam ser sua única e mais visível transformação. São apenas uma parte dela. Aos 32 anos, o jogador do Inter vive o esplendor de uma trajetória vitoriosa que começou paupérrima, na Vila Restinga, contrariou todos os pessimistas prognósticos e tornou-se modelo a ser reverenciado.
Três páginas de papel fotográfico à espera de aprovação repousam sobre a mesa do bistrô As Santas, recentemente inaugurado no burburinho do bairro Moinhos de Vento. É quinta-feira, final de tarde, e a Padre Chagas e suas adjacências fervem. Paulo César Tinga circula com desenvoltura na rua mais vanguarda de Porto Alegre. Veste-se com um protagonismo próprio dos personagens que por ali vão e vêm: a calça jeans pespontada e o cashmere gola V azul-marinho combinado ao blazer índigo com riscas de giz denunciam um conhecimento de moda nada peculiar a jogadores de futebol. Após temporada de quatro anos na Alemanha, defendendo as cores amarela e preta do Borussia Dortmund, Tinga se transformou em um jogador de futebol pouco comum por aqui. E ele sabe disso.
É por essa razão que as três páginas de papel fotográfico sobre a mesa do bistrô apresentam um estudo da empresa de marketing e licenciamento esportivo SportSponsor sobre a marca Tinga. O projeto à espera do Ok definitivo tem por fim licenciar o nome do jogador e emprestá-lo a produtos que sejam de seu interesse – a moda inclui-se nessa concepção. A ideia é toda de Tinga, e ele aprova o que vê.
Empresas de vários setores também começam a gostar da possibilidade de se associarem a esse filão. Tinga é um caso raro de jogador de futebol gaúcho que agrada a gremistas e colorados. Não provoca ranço, nem rancor, pelo contrário.
– Nossas pesquisas têm mostrado que o nome Tinga está ligado à garra, raça, doação e simplicidade – enumera Diogo Bitencourt, sócio da SportSponsor. – Ele nunca passou a ideia de fazer corpo mole, seja com a camiseta do Inter ou do Grêmio. Por isso, é tão bem aceito nas duas torcidas.
A criação da grife Tinga é o vértice mais visível de uma transformação radical. Esse Tinga, agora fluente em alemão, não é mais aquele que daqui partiu em 2006.
– Sou muito melhor – garante ele. – Gosto bem mais de quem eu me tornei do que de quem eu era quando fui embora. E falo de coração.
A confissão abrange questões físicas e comportamentais. Do código alemão de conduta, ele incorporou no cotidiano duas características que julga fundamentais para se sentir tão feliz: objetividade e pontualidade.
– Hoje, eu sou um cara que, acertando ou errando, vou direto ao ponto – define-se, entre um gole e outro de água aromatizada com limão. – Comigo, não tem rodeios ou meias-palavras. O que eu gosto eu digo, e o que não gosto, também.
A pontualidade é exercida sem esforço.
– Eu não era nada pontual – reconhece. – Pior: eu simplesmente não enxergava que a pontualidade é um diferencial básico para o trabalho. Pontualidade é sinônimo de profissionalismo e pode significar o sucesso, ou não, de um contrato.
– O amadurecimento dele é gritante – reitera a mulher do jogador, Milene Nascimento, a primeira e única namorada de Tinga, mãe de seus dois filhos, Davids, 7 anos, e Daniel, 3. – O grau de responsabilidade que Tinga adquiriu na Alemanha não tem precedente.
“D&G é o Dogão do Gordo da Restinga”
Os dreadlocks de Tinga também não têm precedentes e são motivo de um orgulho inflamado. Contribuem para essa nova imagem fashion que ele quer transmitir. Nada têm de fake.
– Mas tem de tudo aqui, né? Tem cola, tem linha... Já teve até chiclete de uva que eu mascava todo santo dia e usava pedacinhos para colar as pontas que se abriam. Não tem um único dia que não me perguntem sobre meus dreads. São um sucesso. E é cabelo meu. É dread legítimo.
Foi um dread criado por ele em 2007, em época de férias em Porto Alegre. Tinga não aguentava mais as trancinhas se desfazendo a cada 10 dias e se dispôs a passar das 14h às 22h de uma tarde gelada de julho sentado na cadeira de uma cabeleireira no centro da cidade explicando por onde ela tinha que costurar com linha e agulha os fios e onde era o ponto exato de dar o nó.
A manutenção do penteado é outra novela e exige que ele vá ao cabeleireiro duas vezes por semana para lavar a cabeça com um xampú de menta importado da Alemanha. A sensação de refrescância do couro cabeludo é tão, mas tão forte que a proprietária do salão chega a queimar as mãos na água quente, enquanto ele pede, de olhos fechados: “Esquenta mais a água, Lucia!”. O ritual é precedido de mais meia hora, no mínimo, no secador.
– Mas tem que ser, né? Tu conheces o cheiro de um dread mal cuidado? Tu não ias aguentar ficar aqui do meu lado, não.
O guarda-roupa de Tinga também não é mais o mesmo. E só uma pessoa com tino para moda é capaz de criar figurinos ecléticos, sem apelar para a predição de jogadores de futebol para duas grifes queridinhas do meio: Louis Vuitton e Armani Exchange.
– Eu, hein? Tô fora! É feio demais. Detesto ostentação. Tinha um colega na Alemanha que adorava comprar aquelas camisetas da Dolce & Gabbana com o D e o G bem grandes estampados no peito. Dolce & Gabbana? D e G para mim é o Dogão do Gordo lá da Restinga.
A mala veio abarrotada de peças garimpadas em lojas especializadas em fast-fashion, e Tinga se nega a pagar o preço cobrado pelas roupas no Brasil. Julga caras demais.
– Nunca esqueço de onde eu vim e o valor das coisas. Respeito o dinheiro e não abuso. A gente vale pelo que é e não pelo que tem.
No mês que vem, Milene embarca para a Alemanha e, a pedido do marido, trará novidades da estação. Não tem perigo de ele não gostar.
– Ela conhece meu estilo e, quando vê alguma coisa muito diferente, já sabe que é a minha cara. Agora, a minha nova cara – sorri.
Que seja bem-vinda.
ZERO HORA