| 23/06/2010 04h42min
Faça um exercício de imaginação e tente se colocar por alguns momentos na pele de Dunga, o técnico da Seleção Brasileira.
Primeiro, você vai a uma Copa do Mundo como jogador, a Seleção faz fiasco e o Brasil inteiro põe a culpa sobre seus ombros. Mas não fica nisso. O fracasso passa a ser conhecido como “Era Você”. Então, na Copa seguinte, você está lá de novo e vira campeão. Não adianta.
O reconhecimento vai para outros, e você continua a ser visto como pouco mais do que um tosco. Mais de uma década depois, nova oportunidade. Você vira treinador da Seleção. Ganha a Copa América, conquista a Copa das Confederações, humilha a seleção argentina e dá show nas Eliminatórias.
Agora sim, pensa, virá a consagração. Mas pouco importam os resultados. Você continua levando paulada na imprensa. Quando chega a Copa, sabe que não tem saída. Não importa o que aconteça, nunca vai agradar. Se vencer, será apesar de você. Se perder, será por sua causa. Só por sua causa.
Isto é ser Dunga.
Agora pense no destempero de Dunga durante a sua já famosa entrevista do domingo. O Brasil havia vencido e nada indicava que algo pudesse azedar o clima festivo pós-jogo. Mas o tempo fechou. Aparentemente sem motivo, o treinador partiu para o confronto e desandou a murmurar impropérios contra um repórter. O exercício de se colocar no lugar do treinador talvez seja a melhor maneira de compreender o comportamento insólito, por mais que ele possa ser considerado injustificável. Dunga está tão acostumado a ser massacrado em entrevistas que basta ver diante de si um grupo de jornalistas para já ficar pronto para a briga.
— O Dunga é um traumatizado. Acostumado a levar bordoada, pensa que sempre vai ser atacado. Ele nem ouve mais. Criou um mecanismo automático de defesa. Já começa agredindo como forma de se defender. Está todo mundo tão contra o Dunga, que eu quase estou ficando do lado dele — observa o psicanalista Mário Corso.
Constatar isso não impede que Corso veja no treinador comportamentos “neuróticos” e “levemente paranoicos”, exemplificados pela entrevista do domingo e pelos mecanismos de defesa desenvolvidos pelo técnico. O psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, por sua vez, prefere diagnosticar o treinador como alguém com dificuldade de lidar com a rejeição. No fundo, acredita, tudo o que Dunga almeja é o amor dos brasileiros.
— Ele não superou 1990. Ainda traz a frustração de todos colocarem a culpa nele pela perda da Copa. O que ele deseja é ser aceito pela mídia e pelo país. Dunga acreditava que, com as vitórias, dariam-lhe razão. Não foi assim. Isso detona o comportamento agressivo — opina.
Um outro fator que poderia explicar a conflituosa relação do treinador com a imprensa, na interpretação do psicanalista Robson de Freitas Pereira, seria a insegurança. Por ter começado a carreira de técnico direto na Seleção, algo raro em se tratando do Brasil, Dunga pode estar se sentindo pressionado a confirmar sua capacidade.
— No fundo, do ponto de vista futebolístico, a Copa América e a classificação para a Copa são conquistas menores. As reações do Dunga podem ser porque ele ainda se sente inseguro como técnico – supõe Pereira.
Mas não é só Dunga quem deveria deitar no divã. Seria interessante que os brasileiros em geral e a imprensa em particular se apercebessem da desproporção de suas reações. Corso nota que os jornalistas não estão inocentes e que cometem uma distorção ao transformarem seu conflito com o técnico em notícia, quando sua missão seria a neutralidade. Também merece um exame psicanalítico o achincalhamento generalizado a que o técnico é submetido a cada derrota ou desempenho menos brilhante. Uma explicação possível para a rejeição seria o fato de Dunga representar, em termos de futebol, o oposto do que o brasileiro tem no seu imaginário.
— Um carioca ou um paulista olham para o Dunga e não se reconhecem. Para eles, não é o Brasil — diz Corso.
Mesmo que não gostem de Dunga, os torcedores têm uma razão de peso para tentar deixá-lo seguro e de bem com a vida. Cozac observa que o desequilíbrio emocional do comandante pode colocar em risco o sonho do Hexa.