| 25/08/2009 08h47min
Cinco décadas, um ano e três meses atrás, um grupo de brasileiros olhado com desconfiança, lutando contra aquilo que Nelson Rodrigues chamava de complexo de vira-latas, fez uma longa viagem até a Suécia, deslumbrou os europeus com o futebol e sua gloriosa miscigenação e apresentou o Brasil ao mundo. Fez um rei descer da tribuna e cumprimentar um a um aqueles homens perfilados no gramado do Estádio Rasunda, em Estocolmo. Foi o momento em que o Gustavo Adolfo, o rei, virou súdito. Nunca houve uma Seleção de futebol como aquela.
Cinco décadas, um ano e três meses depois, chega finalmente a Porto Alegre o documentário 1958 – O Ano em que o Mundo Descobriu o Brasil, do cineasta e torcedor José Carlos Asbeg, que tinha oito anos na época daquele título. É um filme que vai apresentar o Brasil aos brasileiros, como a Seleção fez antes ao revelar o país aos estrangeiros.
O filme entra em cartaz no CineBancários (General Câmara, 424, no Centro). Nesta terça, às 19h, será realizada uma exibição com entrada franca (mediante retirada de senhas a partir das 18h30min), seguida de um debate com a presença do diretor. A partir de amanhã, o tributo pode ser conferido em três sessões: 15h, 17h e 19h.
Para recontar a história que marcou sua memória de criança, Asbeg foi a sete países, conversou com ex-jogadores, recuperou imagens raras, gravou mais de 130 horas de entrevistas e ouviu até mesmo o depoimento das camareiras que trabalhavam no hotel da Seleção. Foi também a alguns países da América do Sul e ouviu os jogadores peruanos, contra os quais Didi eternizou nas Eliminatórias a chamada folha-seca – o chute em que a bola perde força ao chegar à goleira e cai na rede. O documentário mostra, principalmente, o momento em que o Brasil assumiu, por justiça, o lugar de Primeiro Mundo no futebol, que mantém desde lá.
É o momento para algumas descobertas fascinantes, especialmente para quem costuma diminuir a importância daquela equipe com o argumento discutível de que eram outros tempos no futebol. A todo momento se fala na importância dos alas no futebol moderno, certo? Pois bem, você verá Nílton Santos ultrapassar a marcação dos austríacos, chegar à área e, diante da saída do goleiro, dar um leve toque por cobertura para marcar um dos três gols da vitória brasileira. Era um ala, portanto, como poucos, já naquele tempo. Hoje muitos se deslumbram quando um destes alas bate lateral e coloca a bola na área, como se fosse um cruzamento. Djalma Santos fazia isso em 1958.
Quem ouve a todo momento que aquele não era um futebol competitivo verá Zagallo, um dos nossos atacantes, tirar de cabeça uma bola em cima do risco do gol da Seleção, quando o Brasil perdia por 1 a 0 para os suecos na final. Aliás, naquela época ele já atuava como um ponteiro recuado, fechando no meio-campo, bem como o chamado “futebol moderno” preconiza. Faltava marcação? O que dizer, então, do lance em que o centroavante Vavá marca um francês com tanta disposição, na intermediária brasileira, a ponto de machucar seriamente o adversário? A cena está no documentário, assim como um lançamento longo de Didi, quase incompreensível em um primeiro momento, para um espaço aparentemente vazio do ataque – até que surge Pelé, entrando pela esquerda na tela do cinema, para receber a bola. Sabem do que se tratava? Do chamado ponto futuro, a definição que só surgiria 20 anos depois nas teorias de futebol moderno lançadas por Cláudio Coutinho.
É um documentário imperdível não apenas para os iniciados no futebol. Você ouvirá estrangeiros, personagens daquela época que a equipe de Asbeg encontrou, falando com admiração sobre o Brasil, comovendo pelo orgulho que tiveram de ter participado daqueles momentos. Como o ídolo francês que confessa ter ficado parado ao ver Pelé dar um balãozinho dentro da área, antes de marcar um gol, com vontade de aplaudir a jogada. Pelé tinha apenas 17 anos quando começava a construir seu reinado.
Não há como passar incólume pelo documentário que revela as sutilezas e o fascínio da melhor Seleção de todos os tempos, a única que tinha um jogador de exceção em cada uma das 11 posições. Por isso, prepare-se: quando a última cena surgir na tela e as luzes do cinema forem ligadas, você vai sentir um orgulho danado daqueles brasileiros – e terá vontade de aplaudir. Não resista.
ZERO HORA