| 11/06/2009 05h00min
Quando ouviu os estampidos dos tiros que vinham da rua, Janete gritou a certeza de uma desgraça pressentida: – É o Ariel.
Correu para a porta da casa e viu o filho caído de bruços na rua de chão batido. O garoto de 14 anos agonizava. Ariel Vieira Costa iria morrer, logo depois, no colo da mãe. Foi executado com seis tiros de revólver calibre 38, a 50 metros de casa, na Rua E da vila Nova Guaíba, por volta das 18h45min de terça-feira. O guri se negara a pagar R$ 5 por uma pedra de crack a outros dois adolescentes, um de 15 e o outro de 16 anos.
Janete Saionara Vieira Costa, 40 anos, pressentia que o filho não viveria muito. Outras mães da vila, na periferia de Guaíba, têm o mesmo pressentimento. Ontem à tarde, deitada numa cama, Janete recebia o consolo da vizinhança. De mães que perderam filhos para o crack, alguns já mortos, outros morrendo aos poucos. Choravam juntas mais uma morte. Pressentiam outras, ali e fora dali, por toda parte:
– O crack não
tomou conta só desta vila, tomou
conta do Brasil – chorava Janete.
Ariel e outro irmão moravam na casa de madeira de uma peça com o padrasto, Marco Antônio dos Santos Bernardes, 40 anos, catador de lixo para reciclagem. Janete, desempregada, mora na vila Bom Retiro desde que se separou de Marco Antônio há oito meses. Na terça-feira, apareceu na Nova Guaíba para ver os filhos. No final da tarde, ouviram os gritos de Ariel:
– Pai, me acode.
Marco Antônio e Janete saltaram e ouviram os tiros. Saíram em socorro de Ariel e cruzaram por dois adolescentes com os rostos encobertos por capuzes do moletom. Janete puxou o filho para o colo. Viu que Ariel tinha três buracos de tiros na cabeça, mais um na boca, outro no peito. Um vizinho passava com um Chevette. Entraram no carro. Janete implorava:
– Acorda, meu filho.
Ariel morreu nos braços da mãe quando era levado para o Hospital Regional de Guaíba. Janete sabe o que aconteceu antes dos tiros. O filho
deveria pagar R$ 5 por uma pedra de crack que recebera dos
adolescentes. Pegou a pedra e fugiu. Decidiu voltar para a rua e foi morto. Consumia crack desde os 10 anos. Parou de estudar na 3ª série. Janete chegou a acorrentá-lo a uma cama. Foi internado quatro vezes na Clínica São José, em Porto Alegre. Depois de uma das internações, ficou um mês sem consumir a droga. Janete, mãe de outros cinco filhos, conta:
– Ele ficou gordo, bonito.
Nos últimos dias, costumava voltar para casa de madrugada:
– Estava quase couro e osso.
Dormia na mesma cama com o padrasto. Ajudava a catar latinhas. Furtava roupas e utensílios da casa para comprar crack. Não era agressivo. Era quietão, mas divertido, alegre. Janete conta que ele sabia fazer contas, que desenhava bem, que se dava com todo mundo. Na parede, um pouco acima da cabeça da mãe que fala do filho, uma imagem pequena, plastificada, do anjo Gabriel, o protetor das crianças.
Tem crianças de 12 anos consumindo crack na
vila
As mães que visitam Janete falam dos filhos, dos filhos
dos vizinhos, de amigos, de conhecidos. As crianças estão desprotegidas na Nova Guaíba. Tem criança de 12 anos consumindo crack na vila em que até pouco tempo a maior queixa era o fedor que sai das valas de esgoto. Uma mãe chora, sentada na cama:
– Perdi meu filho de 26 anos, morto com 26 tiros. Ele dizia: eu vendo drogas para os meus filhos terem o que comer.
O filho foi assassinado em abril do ano passado. A avó cuida agora de seis netos de outra filha viciada em crack:
– Os quatro que mataram meu filho também já foram mortos.
Outra mãe diz que o cunhado foi morto por traficantes. Um vizinho indica na rua:
– Aqui mataram um, ali mataram outro. Matam num canto e largam no outro. Aquele beco todo tem sangue.
Outro diz:
– Me criei aqui, mas o crack vai destruir esta vila. Penso em ir embora.
Janete quer ficar ao lado do ex-companheiro até ver os assassinos de
Ariel na prisão. Não há para onde fugir. Pensa nas mães das vilas de pobres e das vilas de
ricos:
– Peço a Deus que elas cuidem os filhinhos delas dentro de casa.
No final da tarde de ontem, pouco antes do enterro do filho no Cemitério Municipal de Guaíba, Janete teve uma crise de epilepsia e foi internada no Hospital Regional. Um dos jovens suspeitos do assassinato foi levado ontem pelo pai ao delegado Thomás Cléber Pereira. Ele e o outro que o acompanhava serão apresentados à polícia formalmente por um advogado amanhã, quando Pereira espera saber quem puxou o gatilho. Os dois são moradores de bairros vizinhos. São “aviões” do tráfico, usados pelos traficantes para fazer a distribuição das drogas no varejo. Levam o crack, os maus pressentimentos e a morte à Nova Guaíba.
Saiba mais sobre o crack e como buscar ajuda.
Janete pressentia que o filho não viveria muito, a exemplo de outros meninos da Nova Guaíba
Foto:
Fernando Gomes