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 | 09/03/2008 03h25min

Arilson: "O jogador engana a si mesmo"

Há duas semana, o meia recomeçou jogando pelo São Luiz, de Ijuí

Carlos Guilherme Ferreira  |  carlos.ferreira@zerohora.com.br

Ex-campeão da América, ex-campeão da Copa do Brasil e ex-campeão gaúcho, o meia Arilson só não admite uma alcunha: a de ex-jogador.

Aos 34 anos, ele usa como pedra fundamental para o recomeço no São Luiz, de Ijuí, a sua trajetória marcada por bons momentos e outros, nem tanto. E, ao olhar para o passado, mistura orgulho pelos títulos e arrependimento pelos erros de conduta que o taxaram como jogador-problema.

- O mal que fiz foi para mim mesmo - afirma, entre um gole e outro de água mineral à mesa de um confortável café no centro de Ijuí, no noroeste do Estado, onde conversou na quarta-feira com ZH.

Por esse mal, entenda-se o conjunto da obra de alguém que viu o estrelato escorrer por entre os dedos. Revelado nas categorias de base do Esportivo, Arilson abandonou a rotina humilde de engraxate, vendedor de picolés e estudante em Bento Gonçalves para jogar no Grêmio em 1993. Com menos de dois anos de Olímpico, viu-se titular e campeão da América. A essa altura, faltou alguém que o orientasse. Condiz com a opinião de Luiz Carlos Silveira Martins, vice de futebol gremista naquela época.

- Ele sempre foi correto. Mas precisava de atenção e carinho - lembra o dirigente.

Como o próprio Arilson diz, a fama veio rápida e o dinheiro, fácil. Acontece que essa combinação foi fatal para frear o desenvolvimento da carreira. Jovem, famoso e com uma conta bancária polpuda, ele não soube impor limites.

O dinheiro, perdeu grande parte dele ajudando muita gente. Várias vezes tirou do bolso R$ 5 mil e até R$ 10 mil para emprestar a conhecidos e desconhecidos. Nem sempre obteve o retorno. Para um deles, chegou a comprar uma casa.

Em 1998, no Palmeiras, ajudou uma pessoa que foi a São Paulo para uma operação de sua mulher. O homem tinha apenas o dinheiro da cirurgia e procurou Arilson para ajudá-lo. Eles nem se conheciam e, mesmo assim, o jogador emprestou-lhe uma quantia. Mais tarde, entre 2002 e 2003, Arilson treinava sozinho no Parque Marinha, em Porto Alegre. Estava correndo quando foi chamado por um casal que lhe pediu desculpas pela interrupção.

- Lembra aquele senhor que te pediu dinheiro em São Paulo para a cirurgia da mulher?

- Lembro, claro - respondeu Arilson.

- Sou eu. E esta é a mulher que tu ajudaste a salvar - completou.

Um de seus maiores arrependimentos é com relação à fuga da concentração da Seleção Brasileira durante a disputa do Pré-Olímpico na Argentina, em 1996. Inconformado com a reserva, Arilson tornou-se naquele ano um dos raros jogadores do mundo que escapou de sua seleção.

Nada disso, afirma, seria repetido hoje. Como já garantiu tantas vezes, diz que aprendeu a lição. Prova disso é que ele fala em jogar mais três anos e depois tentará começar como empresário ou treinador. O Arilson técnico, pelo menos, não cairia em papo-furado de jogador:

- O cara vai ter que ser muito malandro. Tudo o que ele pensar em fazer, eu já fiz.

A declaração até pode ser confundida com auto-suficiência, mas a verdade é que o meia tem mesmo autoridade em matéria de indisciplina. Sabe como funcionam os desvios no vestiário. É exatamente o que passa pela cabeça do festeiro.

- Ele pensa que está enganando (o técnico e o dirigente). Mas engana a si mesmo - diz ele.

Arilson passou por isso. Se já treinou em time da Bundesliga, o Kaiserslautern, e recebeu salário de sonho, algo em torno de US$ 50 mil, hoje trabalha no acanhado estádio 19 de Outubro, tenta vaga de titular no São Luiz e ganha como atleta de Gauchão. Não que isso o impeça de vislumbrar bons rendimentos e clubes maiores. Para depois do campeonato regional, ele já dispõe de propostas do futebol árabe e da Série B do Brasileirão.

- Se eu estiver bem, jogo no Inter e no Grêmio com 34 anos - arrisca-se.

Em 2005, uma lesão quase o aposentou. Ficou desanimado, mas não parou. Decidiu continuar a carreira porque queria dar essa "alegria aos filhos". E isso ele conta como exemplo de força de vontade. A confiança de Arilson vem da habilidade. Meia combativo, no treino do São Luiz, na quarta-feira, combinou bons lançamentos com lances em que prendia a bola e fazia firulas. Com tanta facilidade técnica, Arilson não se revela humilde numa auto-avaliação e diz que hoje existem poucos meias como ele.

Manejo parecido surge na hora de falar de temas espinhosos. Em uma hora de conversa com ZH, Arilson jamais demonstrou irritação ou fugiu de qualquer assunto. Nem mesmo quando indagado a respeito de consumo de álcool. Calmo, apenas negou, categórico:

- Nunca tive problemas, não.

Assim foi também quando comentou, por iniciativa própria, o constrangimento do último dia 29 em Ijuí, quando policiais foram ao treino e o levaram à delegacia, devido a desentendimento sobre a pensão alimentícia da ex-mulher, que vive em Bento Gonçalves. Como já havia um acordo, acabou tudo bem.

Talvez a tranqüilidade de Arilson seja decorrente do seu jeito simples. Em meio à entrevista, interrompeu uma resposta para dar atenção a um menino de rua que se aproximou da mesa e pediu-lhe uns trocados:

- Fica com a água - disse-lhe o jogador, entregando-lhe a garrafa de água mineral.

Pouco antes, a fim de comprovar o estilo humilde, apontara para os próprios chinelos, combinados com camiseta, bermuda e boné que escondia o cabelo raspado, fruto da calvície.

Pai de um menino, de 11 anos e de uma menina de nove (do atual casamento), conta ter boa situação financeira. Dirige um EcoSport azul impecável, dá carona para os companheiros depois do batente e mora em um apartamento cedido pelo São Luiz, como acontece com outros atletas do clube. São quitinetes mobiliadas nas quais, do essencial, falta apenas aparelho de TV.

Em Ijuí há duas semanas, vindo do Cidade Azul, de Tubarão (SC), Arilson vai se entrosando com os companheiros. Todos o elogiam, dos dirigentes ao massagista José Grüber, 66 anos, dono orgulhoso de um mural com recortes de jornal e uma solitária foto da atriz Karina Bacchi.

É nesse ambiente simples que Arilson vive. Aliás, ainda não recebeu apelido, como revela o lateral-esquerdo Alex Albert:

- Estamos pensando em alguma coisa para ele.

Sempre que pode Arilson viaja 402 quilômetros para rever a família, que continua morando em Porto Alegre. Mas ele também recebe visitas em Ijuí: na quarta-feira, esperava o goleiro Danrlei, amigo e ex-parceiro de Grêmio. Iriam jantar juntos. No círculo de amizades, figuram outros veteranos, como Dinho, Carlos Miguel, Paulo Nunes, Fabiano Souza, André Döring. É comum encontrarem-se na Capital para fazer jogos festivos ou para simplesmente colocar o papo em dia.

No fim das contas, Arilson se considera feliz e está satisfeito com a vida. Só acha que, por vezes, faltam-lhe com respeito ao condená-lo pelo que não fez:

- Tenho onde morar, meu carro, emprego, saúde. Sou um vencedor. Deus foi muito bom para mim.


 

Carlinhos Rodrigues, BD / 

Com Fabiano, o grande amigo fora do campo e então adversário
Foto:  Carlinhos Rodrigues, BD  / 


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