| 03/12/2007 05h49min
As duas últimas horas que o Corinthians passou na Série A do Campeonato Brasileiro, ontem, foram vividas, de corpo presente, na tarde ensolarada de Porto Alegre, mas, de alma, em pelo menos mais quatro Estados do país. Porque tudo estava entrelaçado, nessa última rodada, e a tudo todos acompanharam com os olhos vagando pelo gramado e os ouvidos presos nos fones dos rádios de pilha.
A prova desse dramático entrecruzamento ocorreu aos 14 minutos do primeiro tempo da partida do Olímpico. O técnico Nelsinho Baptista chamou o volante Vampeta até a linha lateral do gramado e gritou:
— Avisa os jogadores do Grêmio que está dois a zero para o Cruzeiro!
Vampeta atendeu de pronto. Correu até o meia Tcheco, na intermediária, e informou-o a respeito do resultado do jogo que transcorria a 1.712 quilômetros ao Norte, em Belo Horizonte. Aquele placar (Cruzeiro 2x0 América) classificava o time mineiro e tirava o Grêmio da Libertadores do ano que vem. Ou seja: de
nada adiantava o Grêmio derrotar o
Corinthians, como estava derrotando por 1 a 0: o máximo que a equipe gaúcha conseguiria era a classificação para a Sul-Americana.
A manobra do treinador corintiano deu certo. A partir daquele momento, o Grêmio desanimou, a ponto de irritar sua sempre empolgada torcida. A diferença de comportamento dos jogadores antes e depois desse episódio ficou evidente. O Grêmio havia começado o jogo no ritmo usual que emprega no Olímpico e que lhe proporcionou as grandes vitórias em 2007: com força, com concentração e com a agressividade dos cânticos que a Geral entoa na arquibancada de pedra que se ergue atrás da goleira.
Já no primeiro minuto, Bustos cobrou uma falta do bico esquerdo da área, Jonas cabeceou e fez 1 a 0. O atacante entusiasmou-se de tal maneira na comemoração, que tirou a camisa, bateu no peito nu, foi festejar na pista atlética. O árbitro Alício Pena Junior colheu a camisa do gramado e devolveu-a ao jogador. Jonas a vestiu, para, vestido, receber o amarelo.
Com aquela
combinação de resultados, o Grêmio se classificaria para a Libertadores. Classificado esteve durante 47 segundos — aí o Cruzeiro marcou o seu primeiro gol. Os torcedores ainda tinham alguma esperança porque, em São Paulo, a 1.109 quilômetros seguindo pela linha da Mata Atlântica, o Palmeiras perdia para o Atlético Mineiro. Mas a alegria já não era mais a mesma. Aos 11 minutos, quem vibrou foi a outra torcida, a do Corinthians, que ouviu pelo rádio a transmissão do gol que o Inter fez no Goiás, num estádio a 1.847 quilômetros, no coração do Brasil.
O Grêmio continuou dominando a partida, enquanto a notícia do segundo gol do Cruzeiro se espalhava entre os jogadores e lhes arrefecia o ânimo. Aos 29 minutos, os gremistas pularam de alegria no Olímpico. Não por algo que estivesse acontecendo em campo, mas pelo que ouviram dos narradores de rádio: o Goiás acabava de fazer 1 a 1, em Goiânia. A vibração dos torcedores do Grêmio durou exatos 20 segundos, até que Carlos Alberto foi à linha de
fundo, cruzou e
Clodoaldo empatou.
O Corinthians estava salvo. Até porque no Rio, subindo 1.553 quilômetros pela orla do oceano, o Paraná perdia para o Vasco. Mas o problema do Corinthians era o próprio Corinthians, dono de um time, no mínimo, inoperante. E eis aí toda a tragédia desses 20 milhões de amantes do clube do Parque São Jorge, o clube que já teve Roberto Rivellino a envergar a sua camisa 10 e o doutor Sócrates com a 8, o clube que, em dois anos, movimentou R$ 300 milhões na contratação de jogadores, o clube que é alvo da paixão de um de cada quatro paulistanos: o Corinthians não tinha forças para vencer.
Não havia, no meio-campo do Corinthians, nenhum jogador com condições técnicas de infiltrar uma bola pelo meio da zaga adversária, progredir a drible área adentro ou chutar com alguma precisão. E o ataque era ainda pior. O centroavante Clodoaldo exerce um futebol primário e do atacante Lulinha pode-se esperar tudo, menos o gol. O Corinthians estava órfão de futebol. O
Grêmio, de empenho. Aos 38
minutos, os gremistas pediam:
— Queremos raça!
Raça não havia. Havia clima de fim de ano. De despedida. Mano Menezes fazia seu último jogo. Sandro Goiano também deve se aposentar em 2008. E a maior referência técnica do time, Tcheco, confirmou que vai embora. Ao sair de campo, aos 31 minutos, foi aplaudido pela torcida e, emocionado, devolveu-lhe o aplauso.
— É uma despedida, Tcheco? — perguntou-lhe um repórter.
— Infelizmente, sim.
— Vai para a Arábia?
— Sim.
Tcheco entrou no túnel beijando o distintivo. Em campo, espraiava-se a pasmaceira. Agastada com seu time, a torcida chegou a vaiar alguns lances, mas logo se distraiu com a desgraça do Corinthians. Festejou o segundo gol do Goiás, gritou "olé" quando o Grêmio tocou a bola aos 40 minutos e "ão, ão, ão, segunda divisão", assim que o destino do segundo clube de maior torcida do país estava selado.
A bela tarde da primavera porto-alegrense terminou como raros domingos de futebol nessa cidade.
Terminou sem vencedores, sem sorrisos. Terminou triste.
Técnico Nelsinho tentou desanimar jogadores do Grêmio com aviso sobre vitória do Cruzeiro
Foto:
Ricardo Duarte
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