| 03/04/2005 16h48min
Sufocada durante o pontificado de João Paulo II, a Teologia da Libertação pode agora estar prestes a ganhar novo impulso nos países pobres ou em desenvolvimento, como o Brasil, com a eventual eleição de um papa menos centralizador e mais aberto às chamadas pluralidades regionais da Igreja, dizem bispos brasileiros identificados com a doutrina.
– Há uma força latente nas igrejas e nas comunidades que ficou um pouco em compasso de espera nestes anos e que agora pode ganhar força novamente – avalia o presidente da Comissão Pastoral da Terra, o bispo dom Tomás Balduíno, religioso ligado À luta pela terra e reforma agrária.
Vista com extrema cautela pela Santa Sé, a Teologia da Libertação assimilou a seu discurso abordagens marxistas sobre questões sociais e se enraizou entre fiéis de regiões carentes do Brasil, Uruguai, Peru e de outros países sul-americanos, e também pela América Central, sobretudo em El Salvador, África e Ásia. Mas diante da posição do Vaticano, os membros da Igreja – aqueles que estavam mais ligados à autoridade eclesial – se retraíram e aos poucos os leigos assumiram a teologia.
– Agora, tudo indica que cessando a presença de um papa que concentrava poder em torno de si haverá a possibilidade da emergência da força das igrejas e isso vai fortalecer a expressão das identidades plurais do mundo, entre elas a Teologia da Libertação. Uma Igreja é a do Brasil e a do Uruguai, por exemplo; outra é a da Europa e dos Estados Unidos – disse dom Tomás.
A resistência de João Paulo II e de sua cúria à doutrina forjada entre os anos de 1960 e 1970 na América Latina talvez tenha tido origem na própria experiência de Karol Wojtyla em sua Polônia natal sob o regime comunista soviético, governo que mais tarde, já no Vaticano, ele ajudaria a derrubar.
– João Paulo, como polonês que viveu sob o império vermelho, tinha oposição visceral a tudo o que pudesse parecer com o marxismo. E isso é compreensível. O fato é que ele não se sentia bem com a Teologia da Libertação, com as comunidades eclesiais de base, com os avanços propostos. Ele fez muitos gestos de conciliação em seu pontificado, mas foi duro com a Teologia da Libertação e com os mais progressistas – afirmou o bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), o espanhol D. Pedro Casaldáliga, 77 anos.
O Vaticano chegou a emitir dois documentos sobre a Teologia da Libertação. O primeiro, recheado de críticas; o segundo um pouco mais brando, com menção, inclusive a pontos positivos da doutrina. Um papa que não tenha as mesmas resistências de ordem pessoal de Wojtyla a uma abordagem da fé que flerte com marxismo poderia, em tese, alargar o caminho para a retomada da Teologia da Libertação, concorda Casaldáglia, que lembra porém que parte importante da resistência do Vaticano a essa doutrina vinha dos conselheiros mais próximos do papa, como o cardeal alemão Joseph Hatzinger.
Seja qual for a origem da resistência à Teologia da Libertação por parte do pontificado de João Paulo II, o fato, dizem os bispos brasileiros, é que a Igreja adotou uma postura de cautela não tanto ao viés marxista ou não-marxista, mas sim ao viés social. E assim refluiu mais para a sua estrutura eclesial do que para as realidades do mundo, diz D. Tomáz.
Mas passados de 30 anos de sua criação, teria ainda Teologia da Libertação algo a ensinar nos dias atuais? Os dois bispos têm quase a mesma resposta: dizem que a "concentração de renda" e a "negação aos direitos fundamentais" para minorias geram uma opressão semelhante quela gerada pelo colonialismo, especialmente sobre as populações mais carentes.
– A Teologia da Libertação é justamente a sistematização do olhar de fé sobre essa realidade – defende o presidente da Pastoral da Terra.
As informações são da agência Reuters.
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