Energia | 22/03/2011 18h05min
Brahma Chellaney é professor de Estudos Estratégicos para Pesquisa Política em Nova Delhi e autor de vários livros, entre eles Água: Novo Campo de Batalha da Ásia (Georgetown University Press, 2011)
Os problemas com a planta de energia nuclear em Fukushima - e em outros reatores - no Japão foram um grande baque para a indústria nuclear global - um cartel poderoso de menos de uma dúzia de empresas de propriedade ou orientação estatal que estiveram alardeando um renascimento dessa energia.
Mas os riscos que reatores perto do mar, como os de Fukushima, enfrentam frente a desastres naturais são bem conhecidos. Na verdade, eles tornaram-se evidentes quando o tsunami no Oceano Índico, em dezembro de 2004, inundou o segundo maior complexo nuclear na Índia, fechando a estação Madras de energia.
Muitas plantas energéticas estão localizadas em áreas costeiras porque fazem um uso altamente intensivo de água. Desastres como tempestades, furacões e tsunamis, mais comuns devido à mudança climática, também causarão aumento nos níveis do oceano, tornando os reatores costeiros ainda mais vulneráveis.
Por exemplo, muitas plantas na costa da Grã-Bretanha estão apenas alguns metros acima do nível do mar. Em 1992, o furacão Andrew causou danos significativos na planta de energia nuclear Turkey Point, em Biscayne Bay, na Flórida, mas, felizmente, não afetou nenhum sistema crítico.
Todos os geradores, inclusive os de gás e de carvão, demandam muitos recursos hídricos. Mas plantas nucleares demandam ainda mais. Reatores light-water (LWRs, na sigla em inglês) como os de Fukushima, que usam água como resfriador primário, produzem a maior parte da energia nuclear no mundo. As enormes quantidades do recurso que os LWRs consomem para operar tornam-se um jorro de água quente, bombeado de volta para rios, lagos e oceanos.
Dado que o aquecimento global traz um aumento nas temperaturas médias mundiais e no nível dos oceanos, reatores no interior dos países serão cada vez mais afetados pela falta de água.
Durante a onda de calor recorde de 2003, na França, operações em 17 reatores nucleares comerciais tiveram de ser diminuídas ou canceladas pelo aumento de temperatura em rios e lagos. O reator espanhol de Santa María de Garoña foi fechado por uma semana em julho de 2006 depois do registro de altas temperaturas no Rio Ebro.
Paradoxalmente, então, as exatas condições que tornavam impossível o serviço completo da indústria nuclear durante 2003 e 2006 na Europa criaram um pico de demanda de eletricidade, devido ao maior uso do ar-condicionado.
De fato, durante a onda de calor de 2003, a Électricité de France, que opera 58 reatores - a maioria em rios ecologicamente sensíveis, como o Loire - foi compelida a comprar energia de países vizinhos. A estatal EDF, que normalmente exporta energia, acabou pagando 10 vezes o preço normal, o que incorreu em um custo financeiro de 300 milhões de euros.
Da mesma forma, embora a onda de calor europeia em 2006 tenha sido menos intensa, problemas com água e calor forçaram Alemanha, Espanha e França a parar as operações em algumas plantas e reduzi-las em outras.
A França gosta de destacar sua indústria nuclear, que abastece o país com 78% de sua eletricidade. Mas a intensidade da água nas plantas é tanta que a EDF retira mais de 19 bilhões de metros cúbicos do recurso por ano de rios e lagos, aproximadamente a metade do consumo de água potável na França.
A escassez desse líquido é um desafio internacional crescente, e a grande maioria dos países não está em posição de aprovar sistemas de energia que consumam tanta água.
Plantas nucleares localizadas perto do mar não enfrentam problemas similares em clima quente, pois a água do oceano não aquece tão rapidamente quanto a de lagos e de rios.
E, por dependerem da água do mar, não causam escassez de água potável. Mas, como mostraram os reatores japoneses, plantas costeiras de energia nuclear confrontam perigos mais sérios.
Quando ocorreu o tsunami do Oceano Índico, o núcleo do reator de Madras poderia ser mantido desligado seguramente, pois os sistemas elétricos haviam sido engenhosamente instalados em um solo mais alto do que a própria planta. E, ao contrário de Fukushima, que sofreu impacto direto, Madras estava bem longe do epicentro do terremoto que desencadeou o tsunami.
O dilema central da energia nuclear em um mundo cada vez mais carente de água é que é um consumidor do recurso. E, décadas depois de Lewis L. Strauss, diretor da Agência de Energia Atômica dos Estados Unidos, ter afirmado que essa energia se tornaria "barata demais para medir", a indústria nuclear em todo o lugar ainda subsiste graças a subsídios generosos do governo.
Enquanto o apelo diminuiu consideravelmente no Ocidente, têm crescido entre os chamados "novatos nucleares", que trazem consigo novos desafios, incluindo preocupação com a proliferação de armas nucleares. Além disso, com quase dois quintos da população do mundo vivendo há cem quilômetros de uma linha costeira, encontrar locais apropriados para o início ou para a expansão de um programa de energia nuclear não é mais uma tarefa fácil.
Fukushima provavelmente dissolverá o apelo da energia nuclear do mesmo modo que o fez o acidente na planta de Three Mile Island, na Pensilvânia, em 1979, ou o derretimento do reator de Chernobyl em 1986. Se o legado desses incidentes é um guia confiável, entretanto, os defensores da energia nuclear eventualmente retornarão.
Tradução: Fernanda Grabauska
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