| 02/09/2009 03h15min
Ao qualificarem suas condutas ao volante, motoristas se dizem pacientes, respeitadores e pouco agressivos. Ao analisarem os demais motoristas, porém, eles asseguram que a maioria é agressiva, impaciente ou muito impaciente.
Como num espelho distorcido, a maioria dos porto-alegrenses reconhece problemas no trânsito, identifica culpados, propõe soluções, mas é incapaz de reconhecer sua responsabilidade.
Em vídeo, um teste sobre a educação dos motoristas no trânsito da Capital
Os dados fazem parte de uma pesquisa inédita, encomendada pela Empresa de Pública de Transportes e Circulação (EPTC), destinada a aferir o que pedestres e condutores pensam e como definem o
trânsito na cidade.
Ao responder “Como se classifica ao volante”,
57% se disseram paciente e 18,3% muito pacientes. Nas ruas, sabe-se que paciência é virtude em extinção. A realidade vem à tona na questão seguinte do estudo. À vontade para qualificar o comportamento alheio, os resultados se invertem quando os entrevistados são instados a falar dos outros: 24,2% são definidos como muito impacientes e 45% como impacientes.
As visões distorcidas revelam-se a cada novo item da pesquisa que ouviu 1.012 pessoas. De todos os consultados, por exemplo, 74,2% afirmaram parar o veículo sempre antes da faixa e 17,4% garantem frear quando um pedestre precisa atravessar. É como se a civilidade típica dos uruguaios – para ficar apenas no exemplo da latino-americano – fizesse parte do cotidiano dos gaúchos.
Ao serem questionados sobre o motivo pelo qual as faixas de segurança estão em desuso, 38,6% atribuem a facilidade de cruzar vias em qualquer lugar e 26,7% ressaltam a falta de conscientização dos pedestres. Apenas 6,9% culpam os
motoristas.
– A pesquisa demonstra
o seguinte: eu sou um bom cidadão, um bom motorista, respeitador das normas de segurança. A culpa para o trânsito ser ruim é dos outros – interpreta Luiz Afonso Senna, diretor-presidente da EPTC, que irá lançar nos próximos dias uma campanha disposta a mudar a cultura do trânsito.
As revelações da amostra não surpreendem o psicanalista Mário Corso.
– As pessoas reconhecem que há problemas, mas não o enxergam como um problema coletivo. Acham que são problemas dos outros, que não lhes dizem respeito – diz Corso.
Com milhares de horas dedicadas ao divã, Corso acredita que o ato de colocar a chave na ignição e dar a partida pode ser revelador:
– O trânsito é uma das formas mais interessantes de analisar comportamentos. Tu te revelas dirigindo. Eu tenho amigas psicanalistas, doces, queridas, gentis, mas se transformam quando pegam o carro.
Responsável por uma revolução de civilidade no trânsito do Distrito Federal, o
senador e ex-governador Cristovam Buarque (PDT) acredita que
qualquer campanha educativa bem-sucedida deve ser voltada para as “pessoas normais”.
– Não adianta reprimir apenas os cretinos, aqueles que bebem e vão para a estrada. Temos de voltar os trabalhos para as pessoas sérias, que quebram regras todos os dias cometendo pequenos deslizes – ensina Cristovam, que acumula no currículo o cargo de ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB).
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