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 | 13/06/2006 19h56min

Um outro olhar sobre a estréia do Brasil

Idosos deficientes visuais falam sobre o jogo contra a Croácia

Tudo pronto. Enir dos Santos, Waldemar, Osvaldo Ferraz, João Correia, Náuria Silveira, Creusa Freitas e Cláudio Silveira, fanáticos por futebol, estão totalmente ligados na partida de estréia do Brasil na Copa do Mundo de 2006, contra a Croácia. São torcedores especiais. Cegos, eles contam apenas com o som para captar a emoção do jogo. Moradores da Casa Lar do Cego Idoso, eles se perfilaram na sala, toda enfeitada com balões, faixas e bandeiras do Brasil, para acompanhar o jogo.

Com a bola rolando, alguns decidiram se soltar mais. Emitiram opiniões, se empolgaram. Afinal, dentro de campo, o Brasil de Ronaldinho e companhia não apresentava um bom futebol.

Tesourinha, Abigail, Falcão são alguns dos nomes presentes na memória de Enir dos Santos Silveira, de 75 anos. Colorada, ela acompanha o time do coração pelo rádio e se declara fã de Tinga. Ao falar de Copa do Mundo, afirmou que sempre havia uma festa na sua casa quando o Brasil entrava em campo:

– Acompanhei um monte (de Copas). De quatro em quatro anos a turma se reunia lá em casa. Eu ainda enxergava e vinham meus filhos (ela tem sete), meu marido. Era um carnaval – contou Enir.

No meio do jogo, ao ouvir o nome do técnico brasileiro, Enir percebeu a impaciência pela demora do gol:

– O cabelo do Parreira deve tá em pé! – declarou antes de Kaká marcar.

Cafu, Kaká são alguns dos ídolos de Enir Silveira na Seleção. Ronaldinho? Não, ela prefere o Nazário:

– Gosto mais do carioca porque é mais humano – revelou. Mas aos 37 minutos do primeiro tempo ela reclamou da ausência do Fenômeno na partida:

– Cadê o Nazário que não falam dele?

Waldemar, 58 anos, foi o primeiro a reclamar da lentidão da equipe.

– Parece que eles não conseguem sair da marcação. Tá fraco esse time. Tem que mudar.

Kaká, Ronaldinho, Ronaldo e Adriano trocavam passes, procuravam os espaços. A Croácia não cedia. Ao mesmo tempo, no espaço contíguo ao salão em que estava o aparelho de TV, as enfermeiras também não relaxavam um instante. Remédios, curativos, carinho e atenção todo o tempo aos idosos. De vez em quando, elas espiavam a TV. De canto de olho.

Eles estavam tensos, ouvidos atentos à narração. O jogo estava complicado. O primeiro tempo se encaminhava para o fim quando o colorado João Correia, 75 anos, conhecido entre os amigos como Chocolate, discorria sobre o time de Parreira.

– Eles são bons jogadores. É só ter calma.

– Tá brabo! – exclamou Osvaldo Ferraz, 75 anos.

Cinco segundos depois, o narrador entoou a voz, aumentou a respiração e ficou ofegante. Kaká avançou, preparou o chute e, de perna esquerda, disparou. Chocolate completou, antes do grito eufórico do locutor.

– Essa já tá lá dentro.

Dito e feito.

– Agora vai uns três – completou Osvaldo.

Gremista, que acompanhou o Tricolor no Uruguai no primeiro jogo da final da Libertadores de 1983 contra o Peñarol, Osvaldo confia no Brasil e aponta o autor do primeiro gol verde-amarelo no Mundial como o melhor da equipe de Parreira:

– Para mim é o Kaká, é o que joga mais – disse Ferraz.

Ele falou que seria um sonho assistir à final da Copa entre Brasil e Argentina. Segundo Chocolate, passado o nervosismo da estréia, a equipe iria se ajeitar.

Náuria Silveira, fã ardorosa do Sport Club Internacional, só deixou o seu quarto no intervalo. Preferiu torcer de forma reservada. Diz conhecer todos os esquemas táticos e as posições de todos os jogadores da Seleção. Recentemente realizou um sonho. Esteve no Beira-Rio para conhecer os ídolos Fernandão, Jorge Wagner e Rafael Sobis. Disse ter ficado emocionada e surpresa.

– Quando a gente escuta, faz uma idéia do jogador, mas quando os conheci, vi que eram totalmente diferentes.

Sobre o técnico Abel Braga, poucas palavras:

– Ele não enxerga o jogo.

Desde o início da Copa, ela não larga o radinho de pilha. Escuta todos os jogos com atenção total e cuida a entonação, a emoção transmitida pelo locutor. Ela chegou a sonhar com a estréia do Brasil. Não dormiu na noite anterior.

– Sou fã do Ronaldo, o Fenômeno, acho que tem que deixar ele em paz, tranqüilo, para mostrar o seu futebol – arrematou.

Sua companheira de quarto, a carioca Creusa Freitas, 75 anos, é uma especialista da bola. Saiu logo disparando:

– Parreira tem que mudar os jogadores, tirar o Ronaldo. Estou achando que nossos jogadores não têm espaço para jogar, estão bem marcados – disse Creusa.

Com a tabela da Copa na mão – Creusa não é deficiente visual –, ela ficou desapontada com o Japão e com a França. Sobre o melhor do mundo, ela foi categórica:

– Achei que o Ronaldinho seria um novo Garrincha, mas pelo jeito...

Ainda no intervalo, Cláudio Silveira, de 73 anos, reclamou da atuação do Brasil:

– Está ruim. Tem que trocar o Ronaldo, esse gordo, pelo Robinho – destacou. – No Brasil, bom mesmo é o Kaká. Tenho muito medo da Itália, mas nesse campeonato não time ruim.

Após a estréia contra a Croácia, o temor de Cláudio ganha força, uma vez que a Azzurra pode ser a nossa adversária nas oitavas-de-final.

ANA ACKER E RODRIGO CELENTE
 
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