No fim do terceiro trimestre, alunos que passaram o ano matando aulas começam a correr atrás do prejuízo.
– Agora a gente entra em todas as aulas. Tem que passar, né, senão o castigo pega. As professoras disseram que a gente tem chance de passar, então vamos tentar – sorri Giovana, integrante de um trio famoso pelo “turismo”.
Garantir a aprovação virou um mantra no novo currículo. O nome oficial dos exames adicionais para melhorar o desempenho dos estudantes é Plano Pedagógico Didático de Apoio (PPDA), mas na escola todos chamam de “a recuperação da recuperação”. Uma das consequências da reorganização do calendário foi a perda de conteúdos no terceiro trimestre. A história da Grécia Antiga, por exemplo, que normalmente consumiria um mês de aulas, com todo o seu legado sobre a democracia, os deuses, a organização social na pólis – acabou condensada em menos de 50 minutos de aula na turma 11F.
– Este ano foi absolutamente atípico. Mesmo com uma greve... por um milagre este é o ano que está acabando mais cedo desde que comecei. Se já era difícil vencer todo o conteúdo antes, neste ano ficou mais complicado – desabafou diante da classe o professor Milton, em 21 de novembro.
Três semanas depois, em 13 de dezembro, os professores se reúnem para os conselhos finais. O clima é de contrariedade. Professores reclamam de pressão por aprovações.
– Agora é na base da ameaça: se você não aprovar, vai ser processado – diz uma das participantes, descontente após uma divergência sobre um aluno com necessidades especiais de outra turma que foi aprovado pelo conselho.
A conselheira da 11F, Ana Xavier, garante que em relação à classe não houve maiores divergências. Dos 28 que concluíram o ano, 15 foram aprovados. Nove passaram com algum tipo de restrição e terão de fazer recuperações durante o próximo ano para progredirem. E quatro reprovaram. Um desses era famoso por não entregar trabalhos – nem os de recuperação. Outros dois eram contumazes gazeteiros. Em história, por exemplo, um dos reprovados faltou a 20 das 28 aulas. O outro só compareceu em dois dias.
– Essas reprovações são quase um abandono, uma evasão de alunos que continuam na escola – definiu o professor Milton, de história.
Mas reprovação agora não significa necessariamente repetir de ano. Pelo novo modelo de ensino, os repetentes poderão fazer atividades durante as férias – como provas ou trabalhos, conforme definido pelo professor – para buscar uma nova avaliação. Dois dias antes do recomeço das aulas em 2014, serão chamados para apresentar suas atividades e submetidos a uma “reclassificação” – a nova expressão cunhada para poder aprovar quem havia repetido.
– É uma exigência do Ensino Politécnico, que precisamos cumprir. Querem melhorar os índices de aprovação. O problema é que não estamos melhorando a qualidade do ensino para diminuir a reprovação... Só estão melhorando os índices de reprovação – preocupa-se o diretor do Julinho, Antonio Esperança.
Nem sempre foi assim. Fundada em 1900, como Gymnasio do Rio Grande do Sul, a instituição testemunhou diferentes fases do ensino. Esperança lembra com saudosismo que o Julinho já foi uma escola padrão, modelo “inclusive para as escolas particulares”, na década de 1940.
“Guria não entra, uniforme somente nas Casas Carvalho, as aulas começam às oito em ponto, depois ninguém pode entrar... A maior distinção da época era ser Juliano, tocar na banda do Colégio, carregando a bandeira na parada de Sete de Setembro”, registrou o ex-aluno Tatata Pimentel, no prefácio do livro Eu vivi esta história no Julinho (1900-2000). Os tempos mudaram, mas o diretor do Julinho acredita que a instituição se mantém como referência.
– Com todos os problemas, o que a gente faz aqui continua sendo o que norteia a educação pública no Estado – avalia o diretor, reconhecendo que o colégio hoje espelha uma crise.
Contando os dias para sua aposentadoria, depois de 22 anos no Julinho, a conselheira da 11F cumpria aliviada suas últimas tarefas, em dezembro. Poderia ter saído em setembro, mas preferiu esperar o fim das aulas para não deixar os alunos na mão. Apesar do cansaço e do salário achatado, Ana não se arrepende de ter escolhido o magistério. Diz que adora os alunos, “voltaria tudo de novo”. Mas, vendo tanto estudante fraco ser empurrado para frente, sai descrente quanto ao futuro.
– É uma hipocrisia, né... Por isso tô caindo fora – despediu-se.
Contraponto
O que diz o secretário estadual da educação, Jose Clovis de Azevedo:
Falta de professores
“A falta de professores na escola não é falta de professores no quadro. Geralmente, ocorrem faltas quando o professor entra em licença médica ou pede demissão. Mas uma escola com boa gestão procura resolver com redirecionamento de seus profissionais. Os contratos provocam muita instabilidade. Quando alguém sai, levamos 15, 20 dias para contratar outro. Hoje são 21 mil contratos, mas já nomeamos 8 mil professores. E temos mais 13 mil aprovados em concurso.”
Críticas ao Ensino Politécnico
“As resistências às mudanças podem ser ideologicamente mapeadas, geralmente vêm de setores ligados a partidos radicais de esquerda, ou de grupos conservadores. É um equívoco dizer que o governo quer maquiar os números, porque os índices de evasão e reprovação, mesmo tendo melhorado um pouco, ainda são muito ruins e depõem contra todos os que trabalham com educação, não só contra o governo. O objetivo do Ensino Politécnico é que o aluno aplique seus conhecimentos na vida real. E têm muitas correntes entusiasmadas.”
Pressão por aprovações
“Não mandamos aprovar alunos que não tenham capacidade. O que orientamos é que se ofereçam oportunidades permanentes para que o aluno possa ser desafiado a aprender. Mas quem decide é o professor. A escola existe para ensinar, não para reprovar.”