A doce vida de um foragido na Europa
ZH localiza em Portugal o ex-vice-cônsul Adelino Pinto, acusado de ter
dado um golpe de R$ 2,5 milhões na Arquidiocese de Porto Alegre.
No Brasil, ele poderia estar preso e condenado a 17 anos de prisão por estelionato, coação e corrupção de testemunha.
Mas, em Lisboa, para onde fugiu há quatro anos, o ex-vice-cônsul de Portugal em Porto Alegre Adelino D'Assunção Nobre de Melo Vera Cruz Pinto, 52 anos, não corre esse risco. Protegido por regras diplomáticas em sua pátria, goza do prazeres que o dinheiro propicia a um bon vivant na Europa.
Sem um pingo de constrangimento de ser reconhecido, mesmo com nome e fotografia na lista vermelha de procurados pela Interpol, Adelino, demitido por justa causa após o desvio de R$ 2,5 milhões da Arquidiocese da Igreja Católica em Porto Alegre, "bate ponto" todas as tardes, perto das 16h, no tradicional Café Nicola, há mais de dois séculos um ícone da cultura lusitana e uma das principais atrações turísticas no centro da capital portuguesa.
Foragido, Adelino Pinto figura na lista de procurados pela polícia internacional (Interpol) - Foto Reprodução
O ex-vice-cônsul ocupa uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage, cliente ilustre do Nicola nos remotos anos de 1790. Adelino bebe suco e água mineral e navega na internet pelo celular. Permanece ali por uma hora. Tem vezes em que aparece com uma loira cinquentona, e os dois ficam para jantar ou ouvir fado.
O café exala charme histórico e um certo ar de liberdade. Está localizado em frente à praça em homenagem a Dom Pedro IV, herói que salvou os portugueses da tirania do irmão. No Brasil, o personagem é conhecido como Dom Pedro I, aquele que gritou Independência ou Morte.
Foi neste cenário que Zero Hora localizou o fugitivo da justiça gaúcha às 17h40min do sábado, 7 de março.
Desconfiado, nos primeiros momentos, corria os olhos a todo instante na direção da porta do Café Nicola. Temia uma armadilha. Depois, descontraiu. Até sorriu quando lembrou de uma namorada que abandonou em Porto Alegre.
ZH conversou com o ex-cônsul português no Café Nicola, um dos mais tradicionais, no centro de Lisboa. Foto José Luis Costa
Amor e romances de cabeceira
A mulher, funcionária da Receita Federal, nove anos mais velha, tinha largado o marido para se jogar nos braços de Adelino quando ele, temendo ser preso, desapareceu, em 29 de março de 2011.
Os dois se conheceram no aeroporto Salgado filho, onde ele mais exercitava seu lado Don Juan com a língua afiada pelas leituras de cabeceira de "12 Leis Essenciais do Amor", "O Poder do charme – Como se Tornar uma Pessoa Interessante e Irresistível" e "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas.
Ah, era só uma amizade grande. E ela já estava separada do marido. As relações que tive até hoje na minha vida foram com pessoas completamente disponíveis – garantiu.
Verdade ou mentira, o certo é que não foi a primeira vez que ele deixou uma mulher a ver navios. Antes de vir para o Brasil, prometeu, em 2006, casamento com uma arquiteta de Cascais. Ela sem pais, sem filhos, solteira e sem jamais ter namorado aos 56 anos. Ele, 13 anos mais jovem, se dizia em busca de um novo amor.
Adelino convenceu a amada a lhe dar o equivalente a R$ 200 mil para comprar casa, carro – mesmo sem saber dirigir – até para viajar ao funeral de um irmão na noite de Natal, baleado em um incidente em Bagdá e sepultado em Londres. Depois, evaporou às vésperas de subir ao altar, com tudo pronto para a cerimônia. O veículo e a moradia a noiva nunca viu, e o familiar dele, vivo até hoje, jamais pisou na Inglaterra. A dívida é cobrada na Justiça.
Adelino costuma se sentar a uma mesa no meio do salão, próxima da estátua do poeta arcadista Manuel du Bocage. Foto: José Luis Costa
Adelino chegou ao Café Nicola vestindo roupas de grifes hispânicas – calça jeans da estilista venezuelana Carolina Herrera e camisa social do costureiro espanhol Pedro del Hierro.
Sempre usei roupas de marca. Já tive 150 camisas sociais e 350 pares de meias, todas bordadas com as iniciais AP (Adelino Pinto) – gabou-se.
Grande parte do figurino ele perdeu – centenas de camisas e de gravatas, 18 ternos e 15 pares de sapatos novos – quando escapou, às pressas, de Porto Alegre só com a roupa do corpo. As vestes ficaram em um apartamento de três quartos na Rua Miguel Tostes, bairro Moinhos de Vento, onde viveu por quatro meses. Tinha pago R$ 25 mil de aluguel adiantado por um ano, mas não com o seu dinheiro.
O apartamento em Porto Alegre
O vice-cônsul conseguira R$ 133 mil emprestados com o padre Luís Inácio Ledur, então administrador da Arquidiocese da Capital. O religioso se sensibilizou com lamúrias de Adelino, inconsolável por não ter onde morar e pelos apuros financeiros que dizia enfrentar o vice-consulado.
Apesar de mobiliado e em ótimo estado, o apartamento não agradou. Adelino mandou arrancar o carpete e colocar um novo, espalhou quatro TVs de 42 polegadas pelas peças e lavadora de roupas, de louças e um microondas entre a cozinha e despensa. Tudo ficou para atrás, inclusive a dívida com o padre que tinha fé em reaver os reais arrecadados com amigos. Afinal, até fugir, Adelino era representante do governo de Portugal, que doaria R$ 12 milhões para reformas de igrejas de origem lusa no Estado. A promessa estava estampada no site da embaixada portuguesa.
O desfalque no guarda-roupa não abalou Adelino. Já foi visto em Lisboa desfilando ternos completos da conceituada alfaiataria Rosa & Teixeira. O conjunto, incluindo sapatos, custa R$ 9 mil.
Adelino não esconde o gosto pelo que é caro e por frequentar ambientes refinados. Além do Nicola, é freguês da pastelaria Garrett, no badalado balneário de Cascais, e cliente do El Corte Inglês, um megashopping de origem espanhola chamado pelos lisboetas de armazém, especializado em artigos de luxo.
No ano passado, o ex-vice-cônsul era todo sorrisos ao lado de uma loira no camarote do torneio internacional de tênis, em Estoril, competição da Associação de Tenistas Profissionais.
Adelino conta que nunca mais saiu do país. Não tem carro no nome dele e diz usar "transporte público, "porque a linha de metrô é muito boa". É difícil acreditar nele, porque só é visto andando de táxi. No caso dos trens, é a pura verdade.
Adelino perdeu o emprego, mas não a pose. Quando era assessor especial do protocolo do governo português passava dias inteiros na sala VIP do aeroporto de Lisboa, recepcionando autoridades estrangeiras.
Dali, por várias vezes partiu em viagens oficiais pelos quatro cantos da Europa. Mas, agora, sabe que, se botar os pés além da fronteira, será preso e extraditado para o Brasil.
Mesmo sem ter o que fazer, segue o hábito de zanzar pelas áreas de embarque. Meses atrás vibrava, assistindo a um jogo do Benfica em uma cafeteria.
Como uma pessoa vive assim, todo esse tempo, sem trabalhar? Só pode ter muito dinheiro – comenta um conhecido, ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Adelino jura que não ficou com um centavo sequer dos R$ 2,5 milhões da arquidiocese. Alega também ser uma vítima e que o dinheiro foi parar na conta de Teresa Falcão e Cunha, uma misteriosa mulher que ninguém sabe quem é, diretora de uma ONG da Bélgica que nem ele sabe se existe.
O ex-vice-cônsul diz sobreviver de bicos e morar de favor em uma peça. Não declara imposto de renda desde 2011, quando foi demitido por justa causa e, possivelmente, não aplicou a bolada em instituições financeiras oficiais. Entre 2013 e 2014, movimentou apenas o equivalente a R$ 24 mil em dois bancos.
O dinheiro da Igreja Católica pode ter ido parar nos cassinos portugueses, como o Estoril. Foto: José Luis Costa
Embora negue, Adelino é fascinado por jogatina, e é possível que parte do dinheiro dos padres gaúchos rodopiou por roletas ou se embaralhou em carteados nos suntuosos cassinos de Lisboa e de Estoril, onde veículos Ferrari e Mercedes congestionam os estacionamentos. Os euros vão parar no bolso do império de Stanley Ho, um magnata do jogo de Macau, ex-colônia portuguesa na Ásia. No apartamento do ex-vice-cônsul, em Porto Alegre, a polícia encontrou 280 bilhetes de Megasena, Lotomania, Loteria Federal e de jogo do bicho.
A gênese do golpe
Em 2011, Teresa Monteiro, com cerca de 60 anos, também funcionária do governo português, enviou uma carta à Justiça gaúcha, tentando livrar a pele do ex-namorado. Garantia que Adelino era santo na história e que o golpe nos padres tinha sido planejado por ela e pela outra Teresa, da tal ONG belga. Escreveu que o dinheiro foi usado para pagar dívidas milionários em Cassinos da Espanha.
Localizada por ZH em Charneca de Caparica, no entorno de Lisboa, Teresa Monteiro, evitou falar pessoalmente com ZH. Mas, por telefone, deu a entender que tinha sido forçada a redigir a carta, e o conteúdo, uma falácia.
É uma história triste que quero esquecer. Nunca vi essa Teresa Falcão e Cunha. Não vejo esse senhor (Adelino) há muito tempo e não pretendo vê-lo pelo resto da minha vida – desabafou, antes de pedir licença e desligar o celular.
Adelino é considerado a ovelha desgarrada da família. Um tio, já falecido, foi testemunha de acusação contra ele em um processo judicial. Um primo, professor universitário, não pode nem ouvir falar em seu nome. Procurado por telefone por ZH, o professor cortou o assunto de imediato e não atendeu mais aos chamados.
Natural de Moçambique, Adelino é o quarto de uma família de sete filhos de uma dona de casa e de um bancário que migraram para Portugal, em 1977, fugindo da guerra civil. A família se instalou em um modesto apartamento na Rua Dom João de Castro, em Almada, uma comunidade dormitório na Grande Lisboa, na margem oposta do Rio Tejo.
Ali, vivem parentes do ex-vice-cônsul até hoje. É a moradia de Adelino registrada nos documentos da Justiça brasileira, mas ele raramente aparece lá.
Sabemos pouco dele. É uma pessoa distante – garantiu um dos irmãos.
No térreo do prédio funciona o acanhado restaurante O Chico, frequentado esporadicamente pela família. Mas Adelino nunca pisou lá, um lucal humilde demais para o nível do ex-vice-cônsul.
Ele é narcisista – completa o irmão.
Adelino tem outros dois endereços, mas vizinhos não lembram de vê-lo. Um deles fica na Rua João da Silva Vitoriano, em Póvoa de Santa Iria, também na periferia da Capital, onde vivem os dois filhos dele e a ex-companheira Maria da Anunciação Cabral Figueiredo. A mulher não atendeu ZH. Por telefone, identificou-se como Maria do Carmo. Disse que Maria Anunciação era a irmã dela e morava na França havia anos. Não é o que parece. Anunciação foi nomeada inspetora de jogos do Instituto do Turismo de Portugal, conforme o Diário da República de 3 de junho de 2014.
No cadastro do Ministério das Finanças, Adelino consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa. No último piso do velho prédio, possivelmente construído há mais de 200 anos, chove intimações para o ex-vice-cônsul. Todas são devolvidas, porque ninguém o conhece.
O ex-vice-cônsul consta como morador de uma pensão no terceiro andar da Rua Ivens, na região do Chiado, centro de Lisboa I
Adelino tem ainda uma propriedade de férias, em uma área de terra de 2,4 mil metros quadrados, em Penalva do Castelo, localidade rural perto de Viseu, no norte do país. Em 2009, quando já era processado pelo golpe na ex-noiva de Cascais, ele transferiu a posse do imóvel para Maria Anunciação, mãe de seus filhos. Sobre a família, é curto e grosso:
Não falo.
O ex-vice-cônsul demonstra ansiedade em aparecer, ser uma figura pública conhecida. Em setembro foi flagrado por fotógrafos e cinegrafistas abraçado a António Costa. Era uma comemoração do atual presidente da Câmara de Lisboa (similar a prefeito), escolhido líder do Partido Socialista, representante da sigla nas eleições deste ano para primeiro-ministro.
A divulgação das imagens, lembrando o passado de Adelino, constrangeu Costa, candidato mais cotado para vencer o pleito. Logo o político tratou de dizer que não conhecia o ex-vice-cônsul, justificando que recebeu cumprimentos iguais aos de outros simpatizantes. Adelino se manteve altivo:
Minha popularidade é maior do que a do Cristiano Ronaldo – comentou entre conhecidos.
Questionado sobre o caso, tem agora um nova versão, catastrofista. Fala de si na terceira pessoa:
Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra. Adelino aparecer onde está uma pessoa candidata a primeiro-ministro é o país da morte. Hoje, infelizmente, estar ao pé do Adelino, é quase estar ao pé de alguém que tem lepra.
Mas o certo é que a fama o envaidece. Não importa se falam bem ou mal dele. No Café Nicola, tirou do bolso o celular, acessou o YouTube e fez questão de mostrar um vídeo com histórias escabrosas sobre ele e dois ex-colegas no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Sob o título "Os ladrões de Portugal", o documentário conta que Adelino, enquanto trabalhou no aeroporto de Lisboa, falseava horas extras suficientes para pagar 10 funcionários mais competentes do que ele. Entre outras barbaridades, sangrava os cofres públicos autorizando despesas com carros, restaurantes e hotéis de luxo para representantes de ex-colônias africanas em visitas a Portugal. Ao final do vídeo, Adelino, com um indisfarçável sorriso no canto da boca, disse que tudo era mentira.
Como foi o golpe
Depois dessas estripulias, Adelino foi mandado para o outro lado do Atlântico. Mergulhado em uma crise econômica, Portugal enxugava estruturas, e o consulado em Porto Alegre tinha sido rebaixado para a condição de vice-consulado. O governo de Lisboa economizava salários de um diplomata, ficando o escritório aos cuidados de um funcionário de menor escalão. Servidor do quadro técnico, formado em Relações Internacionais, Adelino desembarcou na Capital gaúcha como vice-cônsul em fevereiro de 2010.
O status inferior da representação lusa não diminuiu sua fleuma. Pelo contrário. Sentia-se cada vez mais importante, em reuniões com autoridades e em homenagens como a que recebeu do Tribunal de Contas do Estado, em agosto daquele ano.
Encantado com solenidades, Adelino se mantinha distante das comunidades portuguesas no RS, gerando descontentamentos. A relação azedou de vez quando desprezou patrícios e organizou, sem eles, a comemoração do 10 de Junho, o Dia de Portugal e de Camões, celebrados no Galpão Crioulo do Palácio Piratini.
O anfitrião ofereceu vinho e bacalhau a políticos e convidados importantes e até dançou com a então governadora Yeda Crusius. A festa custou R$ 10 mil, saídos do bolso de um novo amigo de Adelino, o economista Tirone Lemos Michelin, então ligado a uma loja maçônica.
No Rio Grande do Sul, Adelino costumava oferecer jantares regados a bacalhau, como o que organizou no galpão crioulo do Palácio Piratini. Foto: Divulgação/Palácio Piratini
Michelin auxiliava Adelino, obstinado em estreitar relações entre gaúchos e portugueses. Foram a Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Depois, peregrinaram por 80 cidades. Adelino estava "sempre duro", e tudo foi pago por Michelin. Ele acreditava nas boas intenções de Adelino, declarou à polícia. Juntos, visitaram prefeituras, universidades e empresas. Adelino ofereceu convênios em educação, transporte fluvial, engenharia florestal, monitoramento de presos, saneamento, silvicultura e até de voos diretos de Portugal para Serra e o Litoral.
Ele não demonstrava afinidade com o que dizia e não convenceu ninguém. Tudo era muito confuso.
Percebi que a parceria não tinha muita consistência – comentou, à época, o então prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi.
A única proposta que agradou foi acertada com a Arquidiocese da Igreja Católica na Capital, que planejava reformar paróquias e ganharia R$ 12 milhões do governo português. Após meses de negociações por telefone e-mails, em dezembro, Adelino convidou o padre Inácio, o irmão dele, padre Francisco, e o bispo de Montenegro, dom Paulo de Conto para irem a Lisboa assinar a papelada e buscar o dinheiro.
A viagem seria bancada por uma ONG belga que intermediava o repasse da verba. Mas, na última hora, a entidade não conseguiu as reservas. Adelino pediu aos padres para comprar as passagens. Depois, seriam ressarcidos.
Em Lisboa, Adelino sumiu por três dias. Quando reapareceu, deu dois conselhos aos padres: não falar com religiosos portugueses, eles poderiam também querer dinheiro para as igrejas deles, e que ficassem longe da embaixada do Brasil, pois o responsável era de uma religião pentecostal e poderia tentar estragar o negócio.
A reunião para acertar o convênio ocorreu em uma sala da imponente Basílica da Estrela, a primeira Igreja Sagrado Coração de Jesus no mundo, paróquia-mãe da Igreja Católica nas colônias portuguesas, edificada em 1779. O encontro seria ali porque a ONG belga não tinha escritório em Portugal.
Acordo foi negociado em uma sala da imponente Basílica da Estrela, a primeira Igreja Sagrado Coração de Jesus no mundo. Foto: José Luis Costa
Os padres foram recebidos pela tal diretora da entidade, que se apresentou como Teresa Falcão e Cunha, mas não mostrou nenhum documento. A mulher demonstrava simpatia, mas, ao mesmo tempo, parecia tentar esconder o rosto com uma estranha peruca e óculos escuros.
Para liberar os R$ 12 milhões, ela exigia uma contrapartida. Os padres se assustaram. Voltaram para Porto Alegre dispostos a abortar o negócio. Mas Adelino, insistente, dizia que era uma chance imperdível e que também se empenharia em conseguir dinheiro emprestado. Acabou convencendo os padres a depositar R$ 2,5 milhões na conta bancária pessoal dele – porque o vice-consulado teria problemas com CNPJ.
O acordo foi selado em cartório, com Adelino garantindo que não tocaria no dinheiro.
Trecho do depoimento de padres da Arquidiocese de Porto Alegre, que acusa o ex-vice-cônsul de golpe. Foto: Reprodução.
Não vou jogar fora minha carreira por alguns reais – exclamou ao assinar a escritura.
Quatro dias depois da transferência dos R$ 2,5 milhões para a conta dele no Banco do Brasil, Adelino remeteu R$ 1,8 milhão para sua outra conta, no Banco Bilbao Vizcaya, em Lisboa.
Por alguns dias escondeu-se dos padres no Hotel Sheraton, em Porto Alegre, se saciou em churrascarias, comprou em shoppings, lojas de eletrônicos, artigos de surfe, fez massagens e se embelezou no Hugo Beauty. Somente em um dia gastou R$ 1,3 mil em cosméticos.
Viajou a Portugal levando na mala o restante do dinheiro para Teresa Falcão e Cunha. Depois, foi para o Rio de janeiro, onde fez novos saques. Repassou R$ 200 mil para uma conta aberta por Maria Anunciação, mãe dos filhos, em uma agência do Banco do Brasil, no Leblon. A família curtiu férias na Cidade Maravilhosa.
Após duas semanas sumido, Adelino telefonou para a arquidiocese, prometendo que a doação seria encaminhada em breve. Dizia que estava em viagem de trabalho no Paraguai e no Uruguai, mas o identificador de chamadas mostrava ligações vindas da Europa.
Sem a doação e sem o próprio dinheiro, os padres procuraram a Polícia Civil. Pressionado, Adelino voltou a Porto Alegre. Na tentativa de se livrar do escândalo, "pagou" parte da dívida com cheques sem fundos.
Encurralado, ameaçou o bispo dom Paulo de Conto. Em seguida, tentou um acordo com o então arcebispo dom Dadeus Grings: se o religioso anulasse o registro policial, Adelino devolveria R$ 50 mil no ato e R$ 500 mil por ano. De quebra, ainda prometeu que pagaria uma viagem para dom Dadeus ir ao Vaticano, onde, por influência dele, Adelino, o arcebispo seria promovido a cardeal. Nada foi aceito, e Adelino fugiu para Portugal.
Em agosto de 2011, a Justiça decretou a prisão preventiva do ex-vice-consul, demitido por justa causa, dias depois. Uma inspeção geral diplomática e consular concluiu que "se tratava de um funcionário totalmente desajustado às funções a que foi nomeado, que agia com desrespeito às hierarquias e como um franco-atirador, afetando fortemente a imagem do Estado português". O governo cobra dele valores pagos a título de auxílio-moradia. O Ministério Público investiga a conduta criminal de Adelino, mas depende de cooperação com o Brasil para levar o caso adiante.
Ele é uma pessoa estranha a nós. Nada tem a ver com a postura e educação do povo português – lamenta um integrante da comunidade lusa no Estado.
Adelino costuma circular tranquilamente pela praça, onde está localizada uma imagem a Dom Pedro IV (no Brasil, Dom Pedro I). Foto: José Luis Costa
Ao sair do encontro com ZH na Café Nicola, Adelino fez questão de pagar a água mineral que bebeu. Descruzou as pernas e caminhou com peito estufado pelo coração de Lisboa. Passou por um policial a pé e perguntou como é o Presídio Central de Porto Alegre. A resposta foi a pior possível. Ele retrucou:
Aqui, o Sócrates (José) está em preso em Évora, muito bem instalado. Falo com ele seguidamente pelo telefone, somos amigos.
Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, está preso preventivamente desde novembro, suspeito de envolvimento em um suposto esquema de lavagem de dinheiro, corrupção e de fraude fiscal.
Em seguida, Adelino chegou à elegante Avenida Liberdade, uma espécie de Champs-Élysées em Lisboa. A via de 1,1 quilômetro de extensão, 90 metros de largura, 11 pistas, separadas por dois canteiros ornamentados com árvores e bancos de praça. Abriga o que há de mais chique na cidade. Cinema, bancos e butiques estrangeiras como Prada, Armani, Louis Vuitton, frequentada por brasileiros endinheirados e comerciantes de diamantes angolanos, onde desembolsam o equivalente a R$ 25 mil por um relógio de pulso Bulgari.
O ex-vice-cônsul se despede da reportagem de ZH em frente ao hotel NH Liberdade. Foto: José Luis Costa.
Adelino se despediu da reportagem em frente ao Hotel NH – uma das 400 filiais da rede espanhola –, anexo ao luxuoso prédio da Gucci. E revelou uma nova versão sobre sua condição financeira e da sua moradia:
Quem me ajuda é uma condessa da Itália. Às vezes ela aparece aqui com o Berlusconi (Silvio Berlusconi, ex-primeiro ministro italiano). Moro aqui no oitavo andar.
É mais uma das bravatas de Adelino. Uma placa na portaria do prédio da Gucci mostrava que o edifício tem sete pavimentos, todos de escritórios. Questionado sobre o "engano" ele respondeu sem pestanejar:
Ah, é que tem um quarto no piso superior – desconversou, antes de sumir pela calçada da Liberdade.
Adelino tinha aceitado um novo encontro com ZH para a tarde seguinte, mas não apareceu. E, por telefone, lançou outras das suas:
Mandei uma carta para o Papa, pedindo ajuda para encerrar este caso. Querem que eu volte para Moçambique e me candidate a presidente da república.
Quem vai acreditar?




Texto: José Luis Costa
Edição: Rodrigo Lopes
Design e programação: Michel Fontes