Depois dessas estripulias, Adelino foi mandado para o outro lado do Atlântico. Mergulhado em uma crise econômica, Portugal enxugava estruturas, e o consulado em Porto Alegre tinha sido rebaixado para a condição de vice-consulado. O governo de Lisboa economizava salários de um diplomata, ficando o escritório aos cuidados de um funcionário de menor escalão. Servidor do quadro técnico, formado em Relações Internacionais, Adelino desembarcou na Capital gaúcha como vice-cônsul em fevereiro de 2010.
O status inferior da representação lusa não diminuiu sua fleuma. Pelo contrário. Sentia-se cada vez mais importante, em reuniões com autoridades e em homenagens como a que recebeu do Tribunal de Contas do Estado, em agosto daquele ano.
Encantado com solenidades, Adelino se mantinha distante das comunidades portuguesas no RS, gerando descontentamentos. A relação azedou de vez quando desprezou patrícios e organizou, sem eles, a comemoração do 10 de Junho, o Dia de Portugal e de Camões, celebrados no Galpão Crioulo do Palácio Piratini.
O anfitrião ofereceu vinho e bacalhau a políticos e convidados importantes e até dançou com a então governadora Yeda Crusius. A festa custou R$ 10 mil, saídos do bolso de um novo amigo de Adelino, o economista Tirone Lemos Michelin, então ligado a uma loja maçônica.
No Rio Grande do Sul, Adelino costumava oferecer jantares regados a bacalhau, como o que organizou no galpão crioulo do Palácio Piratini. Foto: Divulgação/Palácio Piratini
Michelin auxiliava Adelino, obstinado em estreitar relações entre gaúchos e portugueses. Foram a Lisboa, Porto, Coimbra e Évora. Depois, peregrinaram por 80 cidades. Adelino estava "sempre duro", e tudo foi pago por Michelin. Ele acreditava nas boas intenções de Adelino, declarou à polícia. Juntos, visitaram prefeituras, universidades e empresas. Adelino ofereceu convênios em educação, transporte fluvial, engenharia florestal, monitoramento de presos, saneamento, silvicultura e até de voos diretos de Portugal para Serra e o Litoral.
Ele não demonstrava afinidade com o que dizia e não convenceu ninguém. Tudo era muito confuso.
Percebi que a parceria não tinha muita consistência – comentou, à época, o então prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi.
A única proposta que agradou foi acertada com a Arquidiocese da Igreja Católica na Capital, que planejava reformar paróquias e ganharia R$ 12 milhões do governo português. Após meses de negociações por telefone e-mails, em dezembro, Adelino convidou o padre Inácio, o irmão dele, padre Francisco, e o bispo de Montenegro, dom Paulo de Conto para irem a Lisboa assinar a papelada e buscar o dinheiro.
A viagem seria bancada por uma ONG belga que intermediava o repasse da verba. Mas, na última hora, a entidade não conseguiu as reservas. Adelino pediu aos padres para comprar as passagens. Depois, seriam ressarcidos.
Em Lisboa, Adelino sumiu por três dias. Quando reapareceu, deu dois conselhos aos padres: não falar com religiosos portugueses, eles poderiam também querer dinheiro para as igrejas deles, e que ficassem longe da embaixada do Brasil, pois o responsável era de uma religião pentecostal e poderia tentar estragar o negócio.
A reunião para acertar o convênio ocorreu em uma sala da imponente Basílica da Estrela, a primeira Igreja Sagrado Coração de Jesus no mundo, paróquia-mãe da Igreja Católica nas colônias portuguesas, edificada em 1779. O encontro seria ali porque a ONG belga não tinha escritório em Portugal.
Acordo foi negociado em uma sala da imponente Basílica da Estrela, a primeira Igreja Sagrado Coração de Jesus no mundo. Foto: José Luis Costa
Os padres foram recebidos pela tal diretora da entidade, que se apresentou como Teresa Falcão e Cunha, mas não mostrou nenhum documento. A mulher demonstrava simpatia, mas, ao mesmo tempo, parecia tentar esconder o rosto com uma estranha peruca e óculos escuros.
Para liberar os R$ 12 milhões, ela exigia uma contrapartida. Os padres se assustaram. Voltaram para Porto Alegre dispostos a abortar o negócio. Mas Adelino, insistente, dizia que era uma chance imperdível e que também se empenharia em conseguir dinheiro emprestado. Acabou convencendo os padres a depositar R$ 2,5 milhões na conta bancária pessoal dele – porque o vice-consulado teria problemas com CNPJ.
O acordo foi selado em cartório, com Adelino garantindo que não tocaria no dinheiro.
Trecho do depoimento de padres da Arquidiocese de Porto Alegre, que acusa o ex-vice-cônsul de golpe. Foto: Reprodução.
Não vou jogar fora minha carreira por alguns reais – exclamou ao assinar a escritura.
Quatro dias depois da transferência dos R$ 2,5 milhões para a conta dele no Banco do Brasil, Adelino remeteu R$ 1,8 milhão para sua outra conta, no Banco Bilbao Vizcaya, em Lisboa.
Por alguns dias escondeu-se dos padres no Hotel Sheraton, em Porto Alegre, se saciou em churrascarias, comprou em shoppings, lojas de eletrônicos, artigos de surfe, fez massagens e se embelezou no Hugo Beauty. Somente em um dia gastou R$ 1,3 mil em cosméticos.
Viajou a Portugal levando na mala o restante do dinheiro para Teresa Falcão e Cunha. Depois, foi para o Rio de janeiro, onde fez novos saques. Repassou R$ 200 mil para uma conta aberta por Maria Anunciação, mãe dos filhos, em uma agência do Banco do Brasil, no Leblon. A família curtiu férias na Cidade Maravilhosa.
Após duas semanas sumido, Adelino telefonou para a arquidiocese, prometendo que a doação seria encaminhada em breve. Dizia que estava em viagem de trabalho no Paraguai e no Uruguai, mas o identificador de chamadas mostrava ligações vindas da Europa.
Sem a doação e sem o próprio dinheiro, os padres procuraram a Polícia Civil. Pressionado, Adelino voltou a Porto Alegre. Na tentativa de se livrar do escândalo, "pagou" parte da dívida com cheques sem fundos.
Encurralado, ameaçou o bispo dom Paulo de Conto. Em seguida, tentou um acordo com o então arcebispo dom Dadeus Grings: se o religioso anulasse o registro policial, Adelino devolveria R$ 50 mil no ato e R$ 500 mil por ano. De quebra, ainda prometeu que pagaria uma viagem para dom Dadeus ir ao Vaticano, onde, por influência dele, Adelino, o arcebispo seria promovido a cardeal. Nada foi aceito, e Adelino fugiu para Portugal.
Em agosto de 2011, a Justiça decretou a prisão preventiva do ex-vice-consul, demitido por justa causa, dias depois. Uma inspeção geral diplomática e consular concluiu que "se tratava de um funcionário totalmente desajustado às funções a que foi nomeado, que agia com desrespeito às hierarquias e como um franco-atirador, afetando fortemente a imagem do Estado português". O governo cobra dele valores pagos a título de auxílio-moradia. O Ministério Público investiga a conduta criminal de Adelino, mas depende de cooperação com o Brasil para levar o caso adiante.
Ele é uma pessoa estranha a nós. Nada tem a ver com a postura e educação do povo português – lamenta um integrante da comunidade lusa no Estado.