Iberê Camargo nasce em Restinga Seca (RS), aos 18 de novembro. Filho de ferroviários, passa a infância acompanhando a família em suas mudanças por cidades como Erechim, Canela, Santa Maria, Cacequi e Jaguari. As memórias da infância interiorana marcarão profundamente o artista e serão evocadas constantemente ao longo de sua vida.
Vivendo em Santa Maria com a avó, estuda desenho e pintura na Escola de Artes e Ofícios com Frederico Lobe e Salvador Parlagreco. Ao se desentender com o professor de letras, abandona a escola e tem sua iniciante carreira artística interrompida. Muda-se para um colégio, mas acaba também por desistir dos estudos e vai morar com os pais em Boca do Monte, localidade de Santa Maria pouco povoada que será lembrada nos textos memorialísticos que escreverá perto do fim da vida. A melancolia das paisagens e do horizonte pampiano dessa região aparecerá recorrentemente em suas pinturas.
Trabalhando como desenhista técnico, muda-se para Porto Alegre, onde é empregado na Secretaria de Obras Públicas do Estado. Volta a estudar, desta vez no curso de Técnica de Arquitetura do Instituto de Belas Artes, mas não conclui. Em 1939, conhece a artista e professora Maria Coussirat, com quem se casará em novembro do mesmo ano. Ela será sua grande incentivadora e companheira de vida. Em 1940, Iberê divide ateliê com Vasco Prado e passa a fazer pinturas de paisagem às margens do riacho que passava pela região da Cidade Baixa.
Incomodado com o ambiente provinciano de Porto Alegre, planeja partir para o centro do país. Consegue apresentar uma exposição individual no Palácio do Governo e ganha uma bolsa de estudos do Estado. Chega ao Rio de Janeiro em 31 de agosto, mesmo dia em que o Brasil entra na II Guerra. Na então capital do país, o casal conhece lugares frequentados por artistas e intelectuais como o Café Vermelhinho e se integra a um meio mais cosmopolita. Por meio de Augusto Meyer, Iberê conhece Candido Portinari. O interesse pela vertente expressionista o aproxima de Oswaldo Goeldi. "Dentro do Mato" (imagem), sua primeira pintura a ganhar maior reconhecimento, chama atenção pelo ritmo e pelo gestual das pinceladas largas.
Iberê passa a se dedicar integralmente à pintura. Como bolsista do Estado no Rio, entra na Escola Nacional de Belas Artes, mas a abandona por discordar dos métodos de ensino e da visão de arte acadêmica. Passa então a frequentar as aulas de Alberto da Veiga Guignard e integra o grupo que levará o nome do mestre mineiro. A primeira exposição coletiva, com os trabalhos de viés moderno, causa polêmica: é desmontada após protestos de estudantes e logo remontada pela Associação Brasileira de Imprensa. Iberê participa de exposições e salões e recebe influências de Lasar Segall e Maurice Utrillo.
No Salão Nacional de Belas Artes, ganha o prêmio de viagem à Europa pela tela "Lapa" (imagem), em que retrata uma paisagem urbana do bairro carioca de forma melancólica, com suas vielas silenciosas e despovoadas. O casal Camargo parte então para uma temporada de dois anos e meio no Exterior que marcará um divisor na obra de Iberê. Em Roma, Iberê estuda pintura com Giorgio De Chirico, afresco com Achille Funi e gravura com Carlo Alberto Petrucci. Em Paris, tem lições de André Lhote e frequenta o Louvre para estudar os grandes mestres modernos copiando suas obras.
No fim do ano, o casal retorna ao Brasil e se estabelece no Rio. Iberê volta pintar paisagens urbanas, desta vez em Santa Teresa, e passa a dar aulas. Eduardo Sued é um de seus alunos. Em 1951, é convidado para a 1ª Bienal Internacional de São Paulo. Nos anos seguintes, será um grande incentivador da gravura, chegando a escrever um livro que se torna referencial. É por volta de 1953 que começa sua conhecida luta pela diminuição das taxas para importação de tintas. A mobilização envolve outros artistas que, em protesto, apresentam obras em preto e branco no 3º Salão de Arte Moderna, em 1954, causando repercussão dentro e fora do país.
Por conta de uma hérnia de disco, Iberê deixa de sair às ruas com seu cavalete e passa a pintar em seu ateliê. Esse fato marcará uma ruptura em sua obra: ele abandona o tema das paisagens e passa a se dedicar às naturezas-mortas. No começo, faz pinturas de garrafas e objetos em cima de mesas, ecoando influências de Giorgio Morandi. As pinturas de Iberê começam a ficar dramáticas, com cores mais soturnas como com azuis, roxos e ocres.
Iberê introduz em suas obras os carretéis de costura, objeto resgatado da infância que se tornará uma espécie de obsessão em suas pinturas e gravuras até o final dos anos 1970. Para muitos críticos, é o momento em que ele oferece uma contribuição pessoal e original para arte moderna. Iberê segue dando aulas e tem como alunos e assistentes dois jovens que depois serão nomes referenciais da arte brasileira: Carlos Vergara e Carlos Zilio. Em 1959, apresenta em Washington exposição intermediada pelo escritor Erico Verissimo.
Mesmo baseado no Rio, Iberê continua vindo ao Estado para ministrar cursos e palestras. Em novembro de 1960, comanda o debate que ficaria célebre pela expressão "marasmo cultural" que usou para se referir a Porto Alegre. Nomes como Erico Verissimo, Xico Stockinger, Waldeny Elias, Regina Silveira, Paulo Peres e Ênio Lippmann participam do encontro no Teatro Equipe. Iberê faz severas críticas a artistas e intelectuais locais refratários à arte moderna. As acaloradas manifestações repercutirão na imprensa gaúcha. As aulas que Iberê ministra prepararão terreno para a criação do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre.
Reverenciado como grande artista no Brasil, Iberê passa a ganhar alguma projeção fora do país. Na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, de 1961, recebe o prêmio de pintura pelas telas "Fiada de Carreteis 1, 2, 3, 4 e 5". No ano seguinte, é convidado para representar o país na Bienal de Veneza ao lado de Alfredo Volpi, Ivan Serpa, Rubem Valentim e Lygia Clark. Iberê mostra séries de pinturas e gravuras com os carretéis. Na 7ª Bienal de SP, em 1963, ganha uma sala especial. A década marcaria um novo momento na obra de Iberê, com as séries chamadas Núcleos e Estruturas Dinâmicas.
Os carreteis, inicialmente estáticos e repousados sobre mesas, passam a se movimentar no espaço da tela. Gradualmente, Iberê passa a organizá-los em arranjos dinâmicos que logo começam a se desmanchar até explodirem na abstração que marcará seus trabalhos nos anos seguintes, como em "Núcleo em Expansão" (imagem). Em 1966, em plena fase abstrata, Iberê é convidado a pintar um grande painel para a Organização Mundial de Saúde em Genebra, na Suíça.
Engajado pelo caráter social da arte, Iberê dá aulas de pintura para detentos em Porto Alegre. No ano seguinte, obras suas são adquiridas pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Em 1971, é homenageado com sala especial na 11ª Bienal Internacional de São Paulo.
Depois da fase abstrata dos anos 1960, a obra de Iberê parece retomar certa ordem. Os carretéis que haviam explodido agora reaparecem em trabalhos que chamam atenção pelas grossas camadas de tinta acumuladas sobre a tela. Alguns críticos veem na fase desta década um sentido escultórico nas pinturas. Iberê usa grande quantidade de tinta modelando e criando sobreposições de camadas. Na image, "Vórtice 1" (1973).
Em 5 de dezembro, ocorre o fato que "mudaria o rumo" da vida de Iberê. Acompanhado de sua secretária, ele sai do ateliê no Rio à procura de cartões de Natal. Envolve-se em um desentendimento na rua e é agredido. Caído no chão, Iberê, que tinha porte de arma, puxa o revólver e dá dois disparos no homem, que morre. Na prisão, Iberê faz desenhos do cotidiano do cárcere. Permanece detido até 30 de janeiro, quando é absolvido por legítima defesa. Diante da repercussão, Iberê e Maria resolvem deixar o Rio e voltar a Porto Alegre.
O episódio e o retorno ao Estado gerarão uma nova etapa na obra, com o retorno à figuração e telas em grandes em grandes formatos. Em Porto Alegre, Iberê passa a ser reverenciado por uma nova geração, que, após uma década de prevalência da arte conceitual, protagoniza o que ficou conhecido nos anos 1980 como retorno da pintura. Em 1984, os 70 anos de Iberê são celebrados com ampla retrospectiva no Margs e lançamento de livro sobre sua vida e obra. O ano de 1986 será especial pela compra do terreno no bairro Nonoai, em Porto Alegre, onde Iberê construirá a casa-ateliê em que seguirá até o fim da vida.
Ao longo dos anos 1980, as figuras perplexas e atônitas de suas telas dramáticas dão lugar a novos personagens, agora em movimento: os ciclistas, essas figuras que pedalam sem rumo. Quando voltou a Porto Alegre, Iberê começou a passear no Parque da Redenção. Foi onde ele observou os ciclistas que levou para suas telas e se tornaram grande marca de sua obra ao lado dos carretéis. Em 1988, é lançado o livro No Andar do Tempo, que reúne textos memorialísticos recentes e contos escritos em italiano nos anos 1950. Na imagem, a tela Ciclistas (1989).
O drama das pinturas de Iberê ganha dimensão existencial. Figuras nuas, obesas, desfiguradas e um tanto fantasmagóricas passam a habitar suas pinturas. Primeiramente, elas estão sentadas. A seguir, despencam e ficam estiradas sobre o chão, à frente de paisagens solitárias e horizontes desolados. A sensação de brevidade da vida e de proximidade da morte aponta essa dimensão trágica na pintura de Iberê em séries como "As Idiotas", "Tudo Te É Falso e Inútil", "Crepúsculo da Boca do Monte" e "No Vento e Na Terra" (imagem).
Em 31 de julho, Iberê finaliza sua última pintura, "Solidão". No leito de morte, após longa batalha contra o câncer de pulmão, convoca a imprensa para uma derradeira entrevista. Seu raciocínio já está afetado pela doença. Iberê dispara para todos os lados, critica o racionalismo da arte contemporânea e diz que a pintura é exclusivamente emoção. Morre em 8 de agosto, aos 79 anos. O acervo de mais de 5 mil obras guardado pela mulher Maria dá origem à Fundação Iberê Camargo em 1995, cujo prédio à beira do Guaíba seria inaugurado em 2008.