Ao Pé da Letra
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GRAFORRÉIA XILARMÔNICA - AMIGO PUNK
"Amigo Punk lida com coisas abstratas. Eu não sei o que é uma coxilha até hoje, e isso não faz diferença para o entendimento da letra", garante Marcelo Birck.
Veja Marcelo, Frank Jorge e Alexandre Birck comentando o contexto de surgimento e as referências de Amigo Punk
Registrada pela primeira vez na fita demo Com Amor, Muito Carinho (1988), Amigo Punk foi imortalizada ao ser lançada no disco de estreia tardio da Graforréia Xilarmônica, Coisa de Louco II (1995). O causo absurdo de um punk atravessando a Osvaldo Aranha a cavalo, com uma chinoca na garupa, é entoado em rodas de violão e homenageado por bandas de rock como o clássico do rock gaúcho que é, apesar de ser uma milonga. "O pessoal do nativismo em geral curte, não se sente ofendido", assegura o guitarrista Marcelo Birck, coautor da canção ao lado de Frank Jorge.
Amigo punk
Escute este meu desabafo
Que a esta altura da manhã
Já não importa o nosso bafo
Pega a chinoca, monta no cavalo
E desbrava esta coxilha
E entra no Parque Farroupilha
Amanhecia e tu chegavas em casa com asa
A tua mãe dá bom dia
E se prepara pra marcar
O gado com o ferro em brasa
E não importa se não tem lata de cola
Eu quero agora é sestear nos meus pelego
Com meu cavalo galopando campo afora
O meu destino é Woodstock, mas eu chego
Aonde eu ouço a voz da cordeona
Já escuto o gaiteiro puxando o fole
Vai animando a gauderiada no bolicho
Alexandre Birck: Quanto a gente estava no selo Banguela, eu queria que a música de trabalho, o clipe, fosse Amigo Punk. E aí houve uma resistência porque, 'ah, é coisa muito regionalizada, o pessoal não vai entender o que é china'. Entrou Você Foi Embora, muito por causa do refrão, que falava 'ô-ô-ô-ô'.
Marcelo Birck: Como todo repertório da Graforréia, Amigo Punk lida com coisas abstratas. Eu não sei o que é uma coxilha até hoje, e isso não faz diferença para o entendimento da letra. Eram palavras que eu sabia que eram associadas a determinado contexto. Essa é uma frase que eu comecei e o Frank Jorge completou. Quando eu coloquei coxilha, não pensei na relação.
Alexandre: Acho que a Graforreia não tem o comprometimento de contar uma história. "Amigo Punk" tem isso. Daqui a pouco tu está atravessando a Osvaldo Aranha de cavalo e chinoca. Ela não tem um cenário. É uma colagem de um monte de cenários.
Marcelo: Praticamente nada da Graforreia tem narrativa. Tudo é um agregado de referências colocadas num mesmo contexto, que as pessoas podem projetar narrativa se quiserem. O termo técnico para isso é parataxe, que é um recurso poético onde não há subordinação. Tanto que até hoje a gente se complica, porque tem coisas que podem ser trocadas de lugar sem menor perda. Em Amigo Punk, a galera projetou muito. Frank: Para nós essa imagem não faz mais muito sentido hoje, mas na época fazia.
Marcelo: O "com asa" não tinha na demo.
Alexandre: Isso aí o Frank começou a botar de improviso nos shows. Volta e meia ele falava o 'com asa' e acabou se incorporando.
Marcelo: E "asa" eu fui descobrir recentemente que é um termo que só se usa no RS. No resto do Brasil é "cecê".
Frank: Tem uma situação de "amanhecia e tu chegavas em casa", algumas cenas com as quais as pessoas podem se identificar.
Birck: Tipo chegar em casa com a mãe marcando o gado (risos), isso faz parte da vida de todo mundo.
Frank: (risos) As pessoas acabam fazendo projeções. Tem uma questão metafórica, do cara chegando em casa e sendo cobrado pela mãe, obviamente.
Birck: A gente vive num mundo onde tudo está fora de contextos, então misturar contextos é um velho recurso, bem eficiente.
Marcelo Birck: "Meu destino é Woodstock, mas eu chego" é a coisa mais fora de contexto que se possa pensar.
O Frank que frequentava a Osvaldo Aranha e deu a ideia da coisa do punk, em homenagem ao Lola (bar que reunia os punks na avenida)