O Calor do Inverno #7: O caminho do ouvido à alma

Durante a estação mais fria do ano, série do Pioneiro irá apresentar 10 histórias para aquecer a alma.


Publicao em 6 de agosto de 2016

Texto

Andrei Andrade

andrei.andrade@pioneiro.com

Imagens

Roni Rigon

Felipe Nyland

Angela Pimentel, divulgação


Infografia

Guilherme Ferrari

O Calor do Inverno #7:

O caminho do ouvido à alma

Escutar a música que faz recordar de uma passagem feliz da vida é ter saudade de quem um dia fomos. Ao contrário da memória objetiva que a fotografia e o vídeo oferecem, o som permite viajar por lembranças imaginadas de nossas melhores épocas. No recolhimento das noites mais frias, a melancolia se combate melhor com o afago da música preferida a nos dizer que qualquer dor passará. A música é uma amiga que se oferece para dividir o peso da existência que carregamos sozinhos sobre os ombros.

Trabalhadores noturnos e solitários como vigilantes, plantonistas de farmácia e motoristas são parte do público que na Serra tem Edson de Souza, 43 anos, como um amigo que os transportam de volta a momentos felizes com um simples toque no play. No inverno, atesta o radialista, sua audiência é mais sensível e solidária. Não é raro que um ouvinte ofereça uma música aos colegas de profissão que estão trabalhando na noite fria, como se fosse uma boa xícara de café para esquentar. Na noite mais gelada deste ano, em que os termômetros marcavam 0ºC na região, o radialista descumpriu o próprio protocolo ao atender um ouvinte que insistia em fazer repetidas ligações a cobrar para o programa. Era um pai que foi até um orelhão para pedir uma música em homenagem à filha, aniversariante. O ouvinte pediu ainda 10 minutos até que ela fosse tocada, para que tivesse tempo de voltar para casa e gravar. A música era Camila, da banda Nenhum de Nós, que a menina gostava por ter o seu nome.



O Calor do Inverno #5: O vinho, de Platão a Salvati

No inverno, atesta o radialista, sua audiência é mais sensível e solidária. Não é raro que um ouvinte ofereça uma música aos colegas de profissão que estão trabalhando na noite fria, como se fosse uma boa xícara de café para esquentar.



Terapeuta das ondas curtas, Edson verifica na cumplicidade que o rádio possibilita ter com os ouvintes que a música é o alívio certeiro após um dia estressante. No programa Linha Direta, que preenche as noites da Spaço FM, a musicoterapia de Edson atende por Músicas da Minha Vida. É o nome de um quadro dedicado a seleções feitas pelo público, com canções que marcaram suas trajetórias. As listas chegam carregadas de nostalgia: aquela que marcou uma viagem inesquecível; a que tocava no primeiro beijo com a amada; a preferida de um ente que faleceu; até mesmo a ligação com um objeto marcante, como a fita k-7 do cantor Amado Batista que recentemente uma ouvinte disse ter sido o primeiro presente que recebeu.

É no inverno que a música melhor aproxima artista e público. Quando compôs a milonga Manhã Fria, a pianista caxiense Esmeralda Frizzo, 41, não imaginava que a inspiração que sentiu ao olhar pela janela um amanhecer nublado lhe daria o carro-chefe do repertório do Ária Trio, conjunto em que responde pelas teclas. A composição emociona plateias e rende elogios como o de uma fã que, certa vez, na saída de um show, confessou à autora que o som a remetia à manhã que sucede a uma noite quente de amor.

Manhã Fria é um tema instrumental. Onde não há letra, considera Esmeralda, o ouvinte é livre para viajar em sua própria emoção. É semelhante a uma reação que impressiona o radialista Edson de Souza, de quantos ouvintes dizem se emocionar com letras cantadas em outro idioma, apesar de não entenderem uma palavra sequer. É o poder misterioso dessa energia provocada por vibrações percebidas como sons, que, quando ritmados, viram música capaz de provocar sensações diversas. Ela inspira e até cura. No verão, convida ao movimento. No inverno, à contemplação nostálgica. Assim como a vida, oscila entre tons maiores e menores. E tem um profundo respeito às raízes, como a pessoa que não esquece de onde veio e por onde passou.