Calor que se compare ao do fogão a lenha, só mesmo o calor humano. Ou haveria outra explicação para que toda casa aquecida por um fogão tenha na cozinha a verdadeira sala de estar? É ao redor do fogo e disputando o assento sobre o caixote da lenha, que muitas famílias ainda se reúnem para se esquentar e desfrutar da boa companhia, especialmente dos mais velhos, normalmente os responsáveis por manter em plena atividade o objeto mais importante da casa
Nos domingos em que os Frare se reúnem para o demorado almoço que emenda o café da tarde na casa do nonos Laurindo e Gema, no interior de Flores da Cunha, o fogão a lenha acende as melhores recordações afetivas de cada membro das três gerações da família. De pequenas tragédias a anedotas rememoradas com risadas gostosas, cada episódio reforça um vínculo que pode parecer banal, mas quantas famílias imersas na correria dos grandes centros conseguem manter laços tão fortes quanto os núcleos que resistem nas menores comunidades? Na sociedade em que nada mais é feito para durar, o casal de velhinhos ao redor do fogão é o retrato vivo que antecipa uma saudade.
Uma casa sem ‘fogon’, Laurindo diz com o sotaque dos descendentes de italianos, é fria. Não no sentido térmico, e sim do acolhimento.
Primeira filha do casal, Maria Antonieta, 59, não esquece de quando o marido, Edvaldo, começou a frequentar a casa na época em que eram jovens namorados, 40 anos atrás. Edvaldo se compadecia de ver a futura sogra cozinhar no fogão a lenha e a presenteou com um exemplar a gás, que nunca foi usado. É chacota até hoje, assim como o dia em que Laurindo manuseava um garrafão de 42 litros de graspa no sótão, sem perceber que o recipiente estava furado, e o líquido escorria para o andar de baixo, provocando labaredas acima do fogão. Enquanto o genro corria até o Fusca para buscar o extintor de incêndio, Laurindo ignorava os gritos que vinham do andar de baixo para tentar salvar o que pudesse da bebida.