Mesmo nas manhãs em que a cortina aberta revelar o céu mais cinzento, Simone Jaehn terá na primeira caneca de café do dia um motivo para lembrar que a esperança nunca morre, ainda que por vezes se esconda como o sol. Esse, afinal, é o inverno em que a caxiense de 33 anos pôde voltar a sentir na boca a satisfação de degustar a bebida preferida, um prazer desses tão banais que chega a quase ser esquecido, mas que seus rins disfuncionais a restringiram por nove anos. O primeiro gole a descer quentinho pela garganta após o transplante bem-sucedido foi uma sensação que sua voz ainda embarga para descrever.
O destino deu a Simone todas as chances para desistir. A insuficiência renal crônica foi constatada aos 16 anos, quando as portas da vida adulta mal se abriam, mas logo pareciam querer fechar. A primeira tentativa de transplante de rim, órgão que recebeu da mãe, deu errado por conta de uma trombose na artéria renal. Sem que o sangue pudesse chegar ao rim, ele secou e foi retirado. Era 2006. Naquele mesmo ano, começou a hemodiálise com apenas 30% da atividade renal. Em 2008, quando recebeu o segundo transplante, o órgão chegou a durar 11 meses em seu corpo, até ser rejeitado. Simone precisou voltar então para a rotina de hemodiálise e à fila de espera. Sem poder ingerir mais do que 300 ml de líquido por dia, por não poder produzir urina, havia dias em que chorava de sede. Nessas ocasiões, colocava uma pedra de gelo na boca para amenizar.
No bairro Reolon, Denize Cardoso perdeu o emprego por conta da crise e por três anos se dedicou a fazer cursos, mas não recebeu uma oportunidade de trabalho sequer. Neste inverno, foi contratada para ser auxiliar de cozinha em um projeto social para crianças do bairro.
O terceiro transplante foi no fim de março deste ano. Desta vez, o corpo tem reagido bem, e a vida entrou em uma esfera positiva que a faz acreditar que nada dará errado. O namorado — companheiro com quem divide algumas felicidades que a nova fase permitiu, desde sair para tomar um suco ou café, ou mesmo conhecer Canela e Gramado, algo que a rotina de hemodiálise três vezes por semana não permitia — tornou-se marido em abril. O melhor inverno da vida de Simone só chegou porque ela nunca pensou em desistir. Essa premissa ela tenta transmitir aos pacientes de hemodiálise que hoje ajuda a atender, como um amigo que há 23 anos aguarda pelo rim compatível.