Era uma noite sombria em Genebra, na Suíça, mais precisamente 16 de junho de 1816. Apesar de ser verão, as cinzas de um vulcão em erupção na Indonésia haviam chegado à Europa, deixando as temperaturas baixas e o clima chuvoso. Para passar o tempo, um grupo de intelectuais ingleses resolve aceitar o desafio de seu anfitrião, o poeta Lord Byron, e escrever histórias assustadoras. Alguns logo desistem, mas a jovem Mary Godwin (hoje conhecida pelo nome de casada, Mary Shelley), 18 anos, cria aquela que se tornaria uma das mais cultuadas obras de horror todos os tempos, dando origem a centenas de releituras: Frankenstein.
O livro, entretanto, vai bem além do rótulo de terror que permeia o imaginário popular. Para o jornalista bento-gonçalvense José Martim Estefanon, 36 anos, fã incondiciocional da obra, Frankenstein — Ou o Prometeu Moderno (nome completo da obra) pode ser considerado "uma das histórias mais originais da literatura universal", trazendo elementos filosóficos e se aparentando mais ao drama.
— Geralmente o livro é associado ao terror, por isso há um certo pré-conceito e ele não costuma aparecer no panteão das grandes obras — analisa.
Entretanto, acrescenta, Frankenstein cumpre bem a função dos grandes clássicos, de levantar questões existenciais:
— Ele traz uma grande reflexão sobre nós, sobre as fases da vida, as primeiras vezes, a comunicação com o mundo, as relações afetivas. Ele nos provoca: quem tu é, de onde veio, para onde irá? — enumera Estefanon.
Não se trata apenas da opinião de quem gosta da história. Embora não costume ser estudado nos cursos de Letras por não ser considerado uma obra canônica (e talvez pelo preconceito), há diversos artigos, livros e mesmo teses analisando as diferentes facetas desse que é o mais conhecido livro da escritora inglesa. Num dos capítulos de Olhares sobre Frankenstein: Literatura, Educação e Cinema, Armando Rui Guimarães defende que "Frankenstein é um romance que toca e aflora muitos assuntos e questões que não transparecem numa primeira leitura". Entre eles, cita, como o jornalista, os questionamentos de quem somos e do que podemos ser.
Outro aspecto da história, que hoje muitas vezes não é percebido, é o da ficção científica: afinal, a criatura construída pelo Dr. Victor Frankenstein com pedaços roubados de cadáveres só ganha vida graças a uma descaga elétrica. A eletricidade era algo novo para a época, e seu conceito influenciou na construção da trama. Também foi fonte de inspiração, conforme a biografia Mary Shelley — A Jovem e o Monstro, de Cathy Bernheim, a evolução geral das ciências que ocorria naquele início do século 19.
No ambiente no qual convivia a escritora, filha de um filósofo e de uma escritora feminista e na época amante do poeta Percy Shelley (com quem se casaria ainda antes da publicação do livro), eram muito discutidas, por exemplo, as teses de Erasmus Darwin, avô de Charles Darwin, e de fisiologistas alemães, sobre a possibilidade de criar vida. Não à toa, ao ser desafiada por Byron, ela resolveu escrever sobre esse tema, e sobre as possíveis consequências de tal realização.