Feira do Livro de Santa Maria propõe que leitores usem a imaginação para sair do preto e branco
Livre para escrever
Foi quando o menino estava no segundo ano que os pais perceberam que ele tinha talento e jeito para a escrita. A sensibilidade e a percepção já eram visíveis logo que ele foi alfabetizado. Para incentivá-lo, Lisianne presenteava João Pedro com um livro novo a cada semana. A leitura se tornou um hobby, e a produção autoral fluiu, principalmente, porque os pais o deixavam livre para
compor conforme quisesse.
E já que a produção literária corre no sangue da família, a criação do livro do menino foi um projeto que envolveu os três. O pai ficou responsável pela edição, e a mãe, pelas ilustrações. Já a criatividade de João Pedro rolou solta. Foram três anos de “confusão” até o livro ficar pronto, como descreve o autor. Mas a função toda valeu a pena. Vários amigos, colegas e familiares participaram do lançamento que, segundo João Pedro, foi um sucesso.
Quanto ao próximo livro, ele afirma que ainda não sabe quando será lançado. A rotina escolar puxada tem tomado bastante tempo, o que faz com que ele escreva menos. Mesmo assim, o menino pretende seguir produzindo. Aliás, ele prevê que a escrita seja sempre sua aliada, mesmo se não for de forma profissional. Ele cogita a carreira de escritor, mas ser advogado ou jogador de futebol também está dentro dos planos.
São muitos os motivos que podem justificar a escrita fluída de João Pedro Santos. Uma delas é a quantidade de livros que o menino de 12 anos já leu durante sua curta vida. A outra vem da genética. O pai, Pedro Brum Santos, é professor de Letras e Literatura na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e já foi patrono da Feira do Livro da cidade. Já a mãe, Lisianne Gonçalves, leciona as mesmas disciplinas em uma escola, além de ter formação em Artes. A combinação não poderia ter outro resultado: o menino já lançou o seu primeiro livro, recheado de
crônicas, contos e fábulas.
O Vida de Criança tem 59 páginas e leva no nome a explicação do seu conteúdo. João Pedro escreve sobre o cotidiano, inspirado no que vive, vê e sente. Seus cachorros, Teca, Tobi e Minie formam um capítulo da obra. Outro, intitulado Pesadelo, traz até um poema sobre o que o adolescente sentiu depois da tragédia na boate Kiss. A sensibilidade e o vocabulário vasto ficam evidentes na primeira criação literária do pequeno escritor.
Toda essa criatividade não é à toa. Lisianne conta que, logo depois de alfabetizado, o menino já tinha retirado mais de 180 livros da biblioteca da escola. Esses, somados às obras que os pais compram para João Pedro, somam centenas de compilações lidas. O menino explica que seu livro favorito é Clarissa, do Erico Verissimo, mas que a ficção também o agrada.
– Me inspiro no meu pai para escrever. Todo mundo diz que eu tenho facilidade, então, fui criando as histórias na minha imaginação. No decorrer do tempo, eu fui escrevendo sempre que tinha vontade, mas não imaginava que faria um livro – explica o escritor.
Um grupo de alunos do Colégio Marista Santa Maria escreveu o seu primeiro livro no ano passado, aos 4 anos. Ou melhor, eles criaram a história de seu primeiro livro. E a obra é um motivo de bastante orgulho para os pequenos. Quando a equipe do MIX foi à sala de aula das crianças para entender melhor o projeto que originou as criações, os alunos estavam prontos para a hora do lanche que, naquele dia, ocorreria no jardim da escola. Apesar de estarem ansiosos pelo passeio, poder falar sobre suas produções fez com que todos corressem em direção aos seus livros para poder mostrá-los à equipe. A turma, liderada pela professora Nara Jensen, guarda com carinho o resultado do projeto Contadores de História.
– Nós queremos desenvolver, nos alunos, o gosto pela boa leitura, estimular a criatividade, ampliando as possibilidades de comunicação e expressão. E também é uma forma que a escola tem para tentar aproximar a leitura da família – explica a professora Nara.
Mesmo que os pequenos ainda não saibam ler nem escrever, a ideia é estimular a criatividade desde cedo. Por isso, no ano passado, os pequenos criaram, em sala de aula, o começo de uma saga. Seus personagens preferidos, como o lobo e a bruxa, ganharam vida em uma aventura. Eles definiram o início da história e, depois, cada um dos alunos levou o texto para casa. Junto com a família, eles criaram o título e o final do conto, dando um toque pessoal à criação. As palavras tomaram forma em vários blocos de tecido, confeccionados pela “profe” Nara. Então, cada uma das crianças ilustrou sua própria obra. Enfim, o livro estava pronto, com direito a lançamento e tarde de autógrafos para as famílias.
A pequena Milena Vey, 5 anos, conta que o processo todo foi muito divertido.
– Na minha história, a bruxa estava só sonhando com o lobo, porque nem existia lobo naquela época. Foi só um pesadelo – explica a miniautora.
Mesmo um ano depois da criação, o livro ainda é parte constante da vida dos pequenos. Segundo eles, quando recebem uma visita em casa, a obra é exibida com o mesmo carinho com o qual foi feita. Orgulho e amor que asseguram: o grande objetivo do projeto foi cumprido com sucesso.
De olho no futuro
A professora explica que os reflexos da criação de histórias e da oralidade serão sentidos lá na frente, quando os alunos precisarem fazer a redação para ingressar no Ensino Superior, ou nos momentos em que falar em público for necessário. E esse estímulo é ainda mais importante quando parte da família. Segundo Nara, a família do pequeno Gael Robinson, 5 anos, costuma investir em livros para o pequeno. Ela conta que, em uma aula, ele contou toda a história de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, depois que os pais leram a obra para ele em casa.
Além de desenvolver o projeto Contadores de História, a escola também recebe autores na sala de aula. Nos encontros, eles contam como é a carreira de escritor. A professora explica que, por vezes, a escrita feita de forma profissional parece impossível para os pequenos. Então, a ideia é mostrar aos alunos que é possível, sim, produzir o próprio livro. A experiência dos profissionais, aliada aos momentos de criação em sala de aula, podem ser o empurrão necessário para que vários escritores em potencial descubram o seu talento em infinitas possibilidades.
A Feira do Livro de Santa Maria fará um novo convite àqueles que passarem pela Praça Saldanha Marinho a partir deste sábado. Você será chamado para liberar a imaginação e expandir os horizontes enquanto folheia páginas e páginas de histórias. Será convidado a visitar terras distantes, conhecer romances e lutar em guerras sem sair do lugar. E o slogan do evento, “Pinte a Vida na Companhia de um Livro”, dá a dica de como você pode fazer isso.
A campanha desse ano surge para resgatar as histórias escritas. Isso porque, em 2015, os livros mais vendidos da feira foram os de colorir. Para desestressar, muitas pessoas buscaram alento nos desenhos e nos lápis de cor. Agora, a ideia é deixar a imaginação fluir e relaxar acompanhado de um bom enredo. E, para tornar tudo mais colorido, a imaginação entra em cena. Afinal, quem nunca desenhou na mente os rostos de personagens, não conseguiu sentir os cheiros descritos ou viu-se encorporado a guerras e batalhas travadas nas obras literárias?
Para muitos, essas viagens proporcionadas pela literatura servem como uma passagem para outros mundos. São momentos em que é possível desligar-se dos problemas e da rotina. A outros, serve de inspiração para criações próprias, já que não tem nada melhor do que conhecer histórias incríveis para poder escrever as suas.
A seguir, você será guiado por personagens reais que, com ajuda da criatividade, encontraram na leitura e na escrita uma passagem secreta para lugares fantásticos.
Duas viagens por mês, no mínimo
A magia de um livro está na pluralidade de sensações que ele oferece. Além da possibilidade de viajar por novos mundos, a experiência fica ainda mais gostosa com o cheiro do papel recém impresso, ou o aroma de poeira (aquele que toma conta ao folhearmos um livro antigo, guardado há tempos). Para a advogada Roberta Dozza Gerzson, além dessa experiência olfativa, poder rabiscar nas páginas as suas próprias ideias e considerações completa a experiência. E é justamente essa combinação de possibilidades que não a deixa desgrudar das obras físicas, ao contrário de render-se aos digitais.
Roberta acredita que a paixão pelas palavra escritas foi herdada do pai. Viajante, ele tinha o costume de comprar livros nas rodoviárias por onde passava. As obras foram herdadas por ela, mas o gosto pela literatura demorou um pouco a despertar. Na infância, foi com Monteiro Lobato que a advogada fez suas primeiras viagens imaginativas. A adolescência foi marcada por um hiato, com poucas obras. Apesar disso, ela lembra que Machado de Assis foi um autor marcante nesse período. Agora, adulta, ela lê, no mínimo, dois livros por mês. Normalmente, uma terceira leitura é escolhida para ser uma companhia duradoura, estendendo-se por um maior
período de tempo.
– Me considero uma aprendiz do ler. É como se a alfabetização pudesse se estender pela vida. Gostaria de ser uma leitora mais rápida, mas acontece que eu preciso de tempo para digerir o dizer do outro. Um bom escritor tem a capacidade de, com uma frase, expandir o meu mundo. E essa troca precisa ser honesta – explica Roberta.
Roberta Dozza Gerzson é advogada e aficionada por livros. Ela tem o costume de ler, pelo menos, duas obras literárias a cada mês
Paixão compartilhada
Em 2014, a advogada encontrou um grupo de pessoas para dividir aquilo que tanto gostava de fazer: Roberta juntou-se ao Clube de Leitura Athenados, da Livraria Athena. Nos encontros, os participantes combinam qual livro irão ler e, posteriormente, encontram-se novamente para falar sobre a obra, conhecer e acrescentar novas percepções sobre literatura. Os encontros, abertos ao público, são mediados por Bruna Luzzi.
De forma paralela, Roberta e mais quatro amigas resolveram criar o próprio clube. É um projeto longo, com vários encontros, para discutir o famoso Ulysses, de James Joyce.
– Recentemente, terminei de ler Um Teto Todo Seu, da Virginia Woolf, e adorei. Mas sei que todo leitor acha seus próprios livros, já que existe uma variedade de escritores, e as pessoas têm uma maior facilidade de acesso e de compra. É apenas uma questão de querer – opina a advogada.
Com a experiência de uma leitora voraz, Roberta recomenda os seus preferidos. A lista tem a norte-americana Harper Lee, com o consagrado O Sol é Para Todos, e A Revolução dos Bichos, do inglês George Orwell. Quanto a um escritor, foi difícil apontar apenas um favorito. Do imortal Saramago, a advogada acredita que qualquer obra pode fornecer ao leitor uma viagem incrível.
– Por que leio? Seria o mesmo que perguntar por que respiro: é necessário. A palavra texto vem do latim, significa “tecido”. E, para a colcha de retalhos da minha vida, vou tecendo os significados com o uso das palavra. Precisamos sempre e cada vez mais de seres vivos pensantes – finaliza Roberta.
Autores logo cedo....
Leitura que colore a VIDA
Gael Robinson (acima) e Milena Vey (foto abaixo) são dois dos alunos do Colégio Marista Santa Maria que produziram seus próprios livros. Feitas de pano, as obras contam a história do lobo e da bruxa
Talento e prazer de ler e escrever
Minie é uma das cachorrinhas que serve de inspiração para que João Pedro escreva suas histórias
Logo depois de alfabetizado, o pequeno autor já tinha lido mais de 200 livros. Parte deles estão na sua coleção
No espírito da proposta da Feira do Livro 2016, todas as edições do “Diário 2” e do MIX até 8 de maio trarão um capítulo do conto “O Velho que Roubava Livros”, que o escritor Athos Ronaldo Miralha da Cunha criou exclusivamente para nossos leitores
Muito antes de Markus Zusak lançar o livro A Menina que Roubava Livros, eu já era velho e já roubava livros nas feiras de Santa Maria e em algumas da região. Eu estaria fazendo um plágio escrevendo sobre roubo de livros? Pode ser que sim, afinal, tudo se copia. Mas eu não estou me importando com isso. Admiro a Lei de Lavoisier que diz: “na natureza nada se cria, nada se perde e tudo se transforma”. Então, eu não tenho nada a ver com a menina do escritor australiano.
Eu moro num desses prédios velhos da Avenida Rio Branco. Estou lá desde os tempos em que Santa Maria era um efervescente centro ferroviário. Faz tempo, mas ainda ouço, nas minhas noites de insônia, os apitos dos trens.
E o que faz um velho celibatário nessa cidade de estudantes? Todos os dias venho para a Praça Saldanha Marinho. Essa é a minha rotina. Compro o jornal e leio, sentado em um dos bancos próximos ao coreto. Vem de longe essa vida, dos tempos em que havia tartarugas no chafariz e ainda não havia o “buraco do Behr”. Após a leitura, repasso para algum amigo da velha guarda, parceiro de ócio na praça. Tenho o hábito de não carregar lixo para casa e jornal é um antro de traças.
A praça é o destino dos velhos... e das pombas. Um refúgio para a solidão, um alento para o convívio. Aqui todos me conhecem. Poucos sabem o meu nome e eu também sei o nome de poucos. Eduardo é um dos que conheço e chamo pelo nome. Uma vez por semana, eu faço uma graxa. Eduardo me põe em dia com os acontecimentos dos frequentadores mais populares do centro. Eu era freguês do Paulinho, sempre comprava um bilhete de loteria dele. Hoje sou freguês de Eduardo. Nesse momento, ouço as duas batidinhas na caixa. É o engraxate pedindo para eu colocar o outro pé para dar seguimento ao lustro.
Isso foi o que sobrou para preencher a vida de um antigo bon vivant da cidade. Recordar... recordar... e contar as minhas peripécias na Feira do Livro. Adoro livro, adoro a Feira do Livro. Então, tudo o que eu contar vai se passar aqui na praça ou vai envolver livros. Ah! Eu não me apresentei: meu nome é Odracir.
Agora vou começar a leitura de um livro que roubei na feira de Caçapava do Sul no ano passado, A Ninfa Inconstante de
Guillermo Cabrera Infante.
Sobre a Feira
Confira os lançamentos, a programação do Livro Livre e do Espaço Cultural Infantil para esse final de semana