Há um contraste evidente entre as duas principais vocações econômicas de Florianópolis. O potencial turístico se apresenta imediatamente aos olhos dos moradores e dos milhares de visitantes que a Ilha de Santa Catarina recebe todos os anos. Enquanto isso, escondido em centros de inovação, o setor tecnológico representa a maior fonte de arrecadação do município, sem que essa pujança faça a capital do Estado viver o que produz. Fazer dos potenciais aliados e ser parceiro de ambas é desafio de quem for eleito para administrar a cidade em outubro.
A beleza das praias de Florianópolis fez do turismo uma vocação quase óbvia. Das rústicas cavalgadas do final do século 19 até os helicópteros, lanchas e automóveis de luxo que tomam conta das badaladas festas de Ano-Novo de Jurerê Internacional, Florianópolis desenvolveu sua vocação turística aos olhos do país e do mundo. Ainda assim, o setor se ressente de infraestrutura para receber o turista e das dificuldades para investir e explorar melhor o potencial que a natureza proporciona. Nesse ponto, o turismo náutico é o grande entrave.
– Temos um potencial imenso, talvez sem igual no Brasil. O que precisamos fazer é aproveitar as baías que temos aqui para turismo e esporte náutico. Mas está praticamente tudo por fazer – reclama Tarcísio Schmidt, do Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares da Capital.
O maior problema, destaca o dirigente da entidade, é a falta de segurança jurídica para investir – diante das restrições que são impostas por órgãos de controle, como o Ministério Público Federal.
– Às vezes duas ou três pessoas (dos órgãos) seguram e fica tudo parado. Nós precisamos nos mexer. E quem precisa se mexer? O governo, a prefeitura, nossos representantes em Brasília. Eles têm que tornar esta ilha um lugar verdadeiramente vocacionado ao turismo. Hoje, o potencial é infinitamente maior que a vocação. Vocação é ter vontade de fazer – completa Schmidt.
Para a entidade, o papel do próximo prefeito é articular com a União para que o município tenha a gestão plena da orla e pressionar bancadas parlamentares para que se criem regras claras sobre o que se pode fazer junto ao mar – a polêmica judicial renovada a cada verão sobre a demolição dos beach clubs em Jurerê Internacional é citada como exemplo de insegurança jurídica.
Também está nas mãos da prefeitura uma solução para reduzir a burocracia:
– Hoje as empresas em Florianópolis precisam de mais de cem dias para se formalizarem. A obtenção de alvarás e notas fiscais também é um processo bastante moroso. Uma linha muito importante é combater o comércio ilegal, porque quando ele prospera, desestimula o comércio legal – afirma o presidente da Associação Comercial e Industrial de Florianópolis (Acif), Sander DeMira.
A burocratização une as reivindicações dos setores turístico e tecnológico. A vocação de Florianópolis para a inovação e a tecnologia nasceu com a consolidação da Universidade Federal de Santa Catarina, especialmente pelo desempenho reconhecido nacionalmente de cursos como o de Engenharia Mecânica. Em 1986, surgiu a Associação Catarinense das Empresas de Telemática e Eletrônica (Acate, com os termos Telemática e Eletrônica atualmente substituídos por Tecnologia), responsável por instalar o Condomínio Industrial de Informática no mesmo ano. Outros centros de inovação surgiram nesse período, como o Sapiens Parque, e Florianópolis se consagrou como um dos principais expoentes do setor em todo o país – é líder entre os polos da região Sul e o terceiro nacional.
– Não somos um setor que tem muitos pedidos. A gente vai por nós mesmos. Brigamos é pela desburocratização das coisas. Mecanismos claros e objetivos para conseguir emitir alvarás e licenciamentos. Este prédio aqui (sede da Acate), por exemplo. Estamos aqui há dois anos e meio e não tem alvará. As empresas aqui têm dificuldades por isso – afirma Daniel Leipnitz, presidente da entidade.
A maior parte da pauta que o setor tecnológico quer apresentar aos candidatos a prefeito envolve interlocução. Segundo Leipnitz, muitas soluções que a cidade quer podem ser criadas pelas 900 empresas de inovação e tecnologia instaladas na cidade. Uma integração maior consolidaria a ideia de que Florianópolis é uma cidade de tecnologia e inovação.
– A gente é muito exportador, é uma pena. As muitas soluções que podemos dar para a cidade não estão espalhadas por aí. Desde a instalação de internet livre nas principais ruas, de um sistema de aluguel de bicicletas, até tecnologias para melhorar o trânsito, a saúde. As empresas aqui da cidade poderiam prover essas soluções – acredita.
A vocação de Itajaí como cidade portuária é tão emblemática que a torna um caso inédito no país. É o único município que tem a autorização da União para administrar seu porto – emparelhando a cidade de cerca de 200 mil habitantes a outros 10 Estados, inclusive Santa Catarina, que são responsáveis por tocar os demais 17 portos públicos delegados. É essa a condição única conquistada pelos itajaienses em 1998 que está no centro do desafio do próximo prefeito.
A delegação termina em 2023 sendo renovável por mais 25 anos. Entretanto, o desafio é maior do que a simples renovação dessa autorização. A Lei dos Portos sancionada em 2013, mudou a relação entre o governo federal e os portos delegados, levando para Brasília praticamente todas as decisões. Governos estaduais que administram portos – em Santa Catarina é o caso das unidades de Imbituba e São Francisco do Sul – estão mobilizados para alterar a lei e recuperar as condições de gerenciar, de fato, os portos pelos quais são responsáveis. É a luta da próxima administração.
– A constituição diz que é da União a competência sobre os portos. A lei de 2013, diz que o governo federal é o poder concedente, mas não qual órgão. O decreto que regulamentou disse que era a Secretaria de Portos, agora será o Ministério dos Transportes. O que se está lutando é para incluir “ou quem tem a delegação” – afirma o atual superintendente do porto, Antônio Ayres.
Embora busque reconquistar os direitos sobre a realização de projetos, editais, arrendamentos e outras medidas práticas, não é o órgão municipal que toca as atividades portuárias. A operação dos contêineres é arrendada à multinacional APM Terminals, cujo contrato de concessão expira junto com a delegação a Itajaí e que pleiteia a renovação antecipada para ampliar investimentos no porto. Antes da Lei de Portos de 2013, todo o processo poderia ser tocado pela autoridade portuária local para posterior aprovação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Nas regras em vigor, tudo é feito em Brasília.
– A marina de Itajaí foi o último contrato feito na lei anterior. Fizemos editais, licenciamentos. Agora todo o processo de montagem é feito em Brasília. Se fosse assim, não teria marina – acredita Ayres.
As amarras impostas aos portos delegados, a falta de recursos do governo federal para obras essenciais como a dragagem do porto e a reforma de dois dos quatro berços de atracação – que deveriam ter sido concluídas no primeiro semestre do ano passado e ainda se arrastam – fizeram com que Itajaí perdesse em competitividade em relação ao vizinho privado Portonave, de Navegantes. Além disso, por ser público, o Porto de Itajaí tem um regime de contratação de mão de obra diferenciado, por escala, considerado mais caro. Essa soma de fatores teve um efeito quase catastrófico em 2015, quando metade das linhas que utilizavam o porto itajaiense migraram para Navegantes, na outra margem do rio Itajaí-Açu.
Professor de Gestão Portuária e Logística na Univali e diretor-executivo do Órgão Gestor de Mão de Obra do Porto de Itajaí, Luciano Angel Rodriguez soma mais dois elementos para a crise: falta de influência política dos representantes locais e de diretrizes claras do município sobre sua relação com o porto.
- Na prática, nenhum administração teve uma gestão clara definida como atividade portuária. Vou mais longe, a forma como a prefeitura faz hoje, joga os munícipes contra o porto. Por exemplo, ao mesmo tempo que existe uma estrutura portuária decente, nossas ruas continuam iguais. A via portuária já foi parte da campanha de todos os candidatos. Cada um que vem, diz que vai completar - afirma Rodriguez.
Ele defende que seja criada uma secretaria que articule todas atividades ligadas ao setor náutico em Itajaí. Desde a atividade portuária até o turismo, passando pelas questões de mobilidade que envolve toda a chamada “economia do mar”. De todas as cidades portuárias brasileiras, apenas Santos tem uma estrutura semelhante. Além disso, aponta a necessidade de ampliação da área portuária, em parceria com a APM, e a construção de vias de acesso exclusivo ao porto.
- Pseudolalia é quando você mente e passa a acreditar na mentira. É o que nós sofremos. Imaginamos que o nosso porto continua cinco estrelas. Três já foram. Quando a gente chega em um ponto bom quando chegamos, os outros copiam.
Uma vocação nata e alicerçada na história da cidade. Outra que despontou nas últimas décadas e que está às vésperas de um salto de qualidade. Entrelançado passado, presente e futuro, um planejamento que reúne sociedade civil e poder público. Focada na vocação têxtil e na tecnologia, Blumenau tem dois pedidos singelos à próxima administração: que mantenha o planejamento construído a várias mãos e que não atrapalhe.
Foi a indústria têxtil que colocou Blumenau e o próprio Vale do Itajaí no mapa brasileiro e ainda é seu principal motor econômico. Embora tenha enfrentado crises pela dificuldade em competir com países asiáticos que baseiam sua cadeia produtiva na mão de obra barata, a indústria olha para o futuro com apostas na qualidade e na aliança com a tecnologia. A grosso modo, as principais dificuldades enfrentadas pelo setor têxtil ultrapassam o que pode ajudar um prefeito, mas sua atuação tem peso estratégico e político.
– A capacidade do prefeito em si é limitada. Ele não vai mudar o mercado, resolver o problema do câmbio, do juro. Mas ele também não pode atrapalhar. Queremos que o próximo prefeito siga o que foi definido – afirma Ulrich Kuhn, presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex).
Ele se refere especialmente ao Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico Municipal de Blumenau (Pedem Blumenau). O estudo foi feito pelo poder público em parceria com entidades como o Sebrae, com apoio do Conselho Municipal de Desenvolvimento Econômico e Social da cidade, responsável por garantir que o projeto seja maior que os mandatos dos eventuais prefeitos. Para o setor têxtil, o Pedem apresenta, em linhas gerais, a necessidade de que Blumenau e a região sejam uma grife nacional para o setor, especialmente pelo diferencial de design e moda, mas também por processos inovadores e sustentáveis. Um dos eixos dessa transformação é a construção de um centro de inovação em parceria com o Senai, especializado na cadeia têxtil.
Se para a velha indústria em transformação a caneta do prefeito serve mais como batuta, no caso da tecnologia as ações podem ser mais efetivas. A vocação de Blumenau para o setor tecnológico surgiu em busca de soluções para a indústria existente.
– Ela nasce em 1970 quando dois estudantes de administração fazem um estágio na Alemanha e percebem que as indústrias estão informatizando os processos de gestão. Eles voltam e criam a Cetil, que se tornaria a segunda maior empresa de processamento de dados da América Latina. Tinha mais computador em Blumenau do que na Argentina – lembra o professor Marcos Mattedi, coordenador do curso de pós-graduação em Desenvolvimento Regional da Furb.
Dessa experiência surge o curso de Informática da Furb, o terceiro mais antigo do país, e experiências de empresas de software.
– O forte é tecnologia da informação. São muitas empresas de gestão de hotéis, gestão de restaurantes, de hospitais, de pet shops. É muito focado em gestão. A gente quer transformar a cidade pensando de forma mais inovadora – aponta Charles Schwanke, diretor-executivo da Associação Comercial de Blumenau (Acib).
O centro de inovação vai garantir um salto na tecnologia da cidade. Será construído pelo governo do Estado dentro do projeto que instalará 13 unidades em Santa Catarina – apenas o de Lages está pronto. A estimativa é de que o blumenauense esteja concluído no primeiro semestre do ano que vem. Dentro do planejamento estadual que determinará vocações próprias e complementares aos centros de inovação, caberá ao de Blumenau o desenvolvimento de empresas com foco justamente nas vocaçãos existentes – têxtil e tecnologia da informação –, somando-se a elas a área de energias renováveis. O plano é ambicioso e prevê a transformação do bairro onde será instalado o centro.
– A gente gostaria que o próximo prefeito olhasse com carinho o projeto do distrito de inovação. O que se fez em Barcelona foi a reconversão de um bairro industrial têxtil. Aqui, a Itoupava Seca também foi um bairro importante nos anos 1930 e 1940. Depois as empresas foram saindo e ele ficou parado no tempo. A gente pensou em colocar o centro de inovação lá para que as ideias que sejam construídas lá, habitem a região – diz o presidente da Acib.
Neste cenário, cabe ao município ser parceiro nos estudos que envolvem o zoneamento da região. Outras demandas do setor são programas específicos de incentivo à indústria da tecnologia e uma parceria mais clara no planejamento estratégico para o setor.
– Da tríplice hélice que a gente fala, formada por empresas, governos e instituições de ensino, a pá da prefeitura é a que menos tem ventilado. Não acompanha os movimentos que temos, com vários coletivos de jovens superengajados em fazer acontecer uma cidade melhor para as pessoas, uma cidade que respire inovação e criatividade – avalia o diretor da Acib.
–Joinville não é uma cidade industrial, é uma cidade operária. As pessoas têm a cultura do trabalho.
A declaração do diretor-presidente do condomínio empresarial Perini Business Park, Marcelo Hack, não nega a evidente vocação de Joinville, a indústria, mas foca no espírito que fez a cidade se tornar a mais rica de Santa Catarina. Até o fim dos anos 1950, ela nem aparecia entre as mais populosas do Estado. A virada veio na década seguinte, impulsionada pela indústria metalmecânica, especialmente a Fundição Tupy.
Com muito trabalho, a indústria de Joinville alcançou o atual patamar em que representa, sozinha, cerca de 10% de toda a arrecadação de ICMS, imposto que é a principal fonte de recursos do governo estadual. São 2,1 mil indústrias que empregam cerca de 70 mil pessoas.
A vocação industrial, que já aparecia nos primórdios com o setor têxtil, vai para além do metalmecânico. A cidade é favorecida pela localização e pelo investimento em qualificação de mão de obra, especialmente por parte da iniciativa privada.
– São cinco portos num raio de 150 quilômetros, considerando Paranaguá. Temos a BR-101 duplicada até São Paulo. Qualquer empresa que se instalar aqui consegue despachar seus produtos. Qual é o gargalo? É dentro do município. Quem resolve vir pra Joinville precisa aceitar esse gargalo. Mas outras questões acabam sendo mais importantes para a tomada da decisão. Ter uma mão de obra técnica formada de boa qualidade é uma vantagem competitiva enorme para nossa cidade – afirma Hack.
Esse contexto fez de Joinville uma cidade reconhecida pela força das empresas que nela nasceram ou se instalaram.
– No metalmecânico, temos líderes nacionais, que é a fundição Tupy, a Embraco, que é líder mundial, o caso da Schulz, tem no setor de plástico empresas líderes também que é o caso da Tigre, mas tem a Krona, Amanco – afirma o presidente da Associação Empresarial de Joinville (ACIJ), Moacir Thomazi.
Tamanha pujança faz com que os desafios da indústria estejam acima das competências da prefeitura. Nesse contexto, o papel do futuro gestor é ser aliado junto a outras esferas políticas, especialmente para que obras de infraestrutura saiam do papel – caso das duplicações da vizinha BR-280 até São Francisco do Sul e da Rua Dona Francisca, que corta o distrito industrial localizado no norte da cidade e o liga à BR-101. Um olhar especial para a infraestrutura do próprio distrito industrial também está nas mãos da próxima administração.
– Aqui, além do Perini, temos Whirpool, Embraco, Schulz, Döhler, duas universidades, o caminho para o aeroporto. Isso deveria ser uma malha viária em que pudéssemos ligar essas pessoas com facilidade – afirma Marcelo Hack.
Embora o peso da indústria na economia da cidade tenha um impacto tão grande quanto suas marcas, a indústria joinvilense também vive um momento de transformação – e isso não pode passar despercebidamente pela próxima administração. Desde 2014, o Ministério do Trabalho constata uma inversão no setor que emprega na cidade. Com 72 mil postos, o setor de serviços ultrapassou a indústria. Mais do que uma nova vocação, o fato registra uma tendência de terceirização e de crescimento dos serviços que atendem à própria indústria.
– Quando nascemos, tínhamos uma vocação exclusivamente industrial. No passar dos anos, fomos vendo que a indústria precisa do serviço que complementa sua operação. Não é todo mundo que quer ter contabilidade, que se preocupa com recursos humanos, limpeza e manutenção. Aqui dentro do Perini tem o contador, o advogado, empresa de recrutamento e seleção, contabilidade, escola de inglês, despachante aduaneiro. A indústria não vive sem o serviço – afirma o diretor-presidente da Perini Business Park, Marcelo Hack.
Outra transformação é a consolidação do setor de tecnologia. Sócio de uma empresa fabricante de robôs, o empresário José Rizzo é um condôminos do Perini e defende que a cidade ajuste o olhar para esse novo setor.
– É importante que Joinville, além de manter base industrial importante se volte cada vez mais pra área de tecnologia, quando a gente fala de tecnologia a gente está falando da internet industrial, da robótica, de um conteúdo de software maior. A gente já tem bons exemplos nesse sentido na cidade, mas precisa amplificar – diz Hack.
Mais do que uma vocação, o agronegócio é o motor que fez de Chapecó o quarto maior parque industrial de Santa Catarina. Polo econômico do Oeste do Estado, a cidade supera os mais de 500 quilômetros que a afastam da capital Florianópolis e dos principais portos catarinenses com a força das empresas que nasceram chapecoenses e que hoje não têm limites, divisas ou fronteiras – 30% da produção de aves e suínos é exportada.
O combustível que alimenta esta vocação é também o maior problema enfrentado pela indústria do agronegócio de Chapecó: o milho. A escassez, as dificuldades para trazer o grão para o Oeste do Estado e o preço do produto, que é vital para a alimentação dos animais, têm encarecido a produção e dado dor de cabeça para criadores e empresários. Deste tripé, o que mais preocupa é garantir a chegada do milho à região. Santa Catarina produz hoje 3 milhões de toneladas anuais do grão, equivalente à metade do que demanda a agroindústria da região. O que falta vem de cada vez mais longe.
O problema não é recente. Em 2010, o então candidato à Presidência José Serra (PSDB) era sabatinado na Federação das Indústrias de SC (Fiesc), quando o empresário Mario Lanzsnaster, presidente da cooperativa Aurora, levantou-se para se queixar que a ausência de uma ferrovia ligando norte e sul do país fazia com que pagasse R$ 8 por um quilo de milho e outros R$ 18 para trazê-lo de Mato Grosso a Chapecó. Passados seis anos, Lanznaster garante que o cenário piorou. A alta do preço do grão no mercado nacional faz com que a indústria precise buscar o grão de ainda mais longe.
– Trouxemos há poucos dias da Argentina, de navio. E agora estamos fazendo movimento para trazer mais milho da Argentina e até dos Estados Unidos, se preciso. Existe milho no Brasil, mas o governo não controla a saída e chega na hora, não tem para ninguém – afirma o empresário, apontando que o quilo do grão americano custa cerca de R$ 34, enquanto o brasileiro sai por R$ 47.
A saída para o problema é logística. Ainda em fase de projeto no governo federal, a sonhada Ferrovia Norte-Sul é uma miragem. A realidade atende pelas não duplicadas BRs 282 e 470, que fazem a ligação com os portos do Litoral Norte do Estado. Caberá ao próximo prefeito pressionar para que as obras saiam do papel e evitem o estrangulamento do motor de uma das principais economias do Estado.
Outra solução seria aumentar a produção do milho em SC. O Estado criou um programa de incentivo ao produtor rural que opte pelo grão, ainda em fase inicial. A dificuldade maior é superar as vantagens que a soja dá ao produtor – que tem dado maior segurança, com menos risco. O incentivo ao milho seria ter visão estratégica.
– Sempre digo que onde tem milho tem frango e suíno. Comprávamos milho do Paraná, que ficou muito esperto. É grande plantador de milho, mas hoje está transformando milho em frango, competindo conosco. SC era o maior produtor nacional de frango. Não é mais, é o Paraná. Era o maior exportador, perdemos para o Paraná também – afirma Lanznaster, que é cético quanto ao potencial catarinense de ampliar a produção do grão.
Como acontece nas cidades em que a indústria ganha tamanha dimensão, os problemas acabam ficando acima do que a caneta de prefeito pode resolver. Mesmo assim, não faltam desafios para a próxima administração em relação à vocação da cidade. Especialmente o cuidado com as estradas vicinais que ligam as propriedades rurais à indústria. Além disso, é preciso viabilizar as obras do Contorno Viário Oeste, que tiraria o trânsito pesado do centro.
– Que o prefeito faça o papel de uma prefeitura: estradas, bueiros e pontes. Que tenha acesso às propriedades rurais e suporte à agricultura familiar – afirma Lanznaster.
Também está nas mãos do prefeito outra questão que ajuda – indiretamente – a vocação principal da cidade. Chapecó vem consolidado seu setor de tecnologia e vive a expectativa de um salto com a implantação do Centro de Inovação, com obras a cargo do governo estadual, e de um condomínio empresarial a ser administrado pela Associação Polo Tecnológico do Oeste de SC (Deatec). Para este último, uma espécie de Sapiens Parque do Oeste, a prefeitura deve entrar com o terreno. As empresas que se instalarem custearão as obras – o projeto e o plano de negócios foram bancados pela estatal Codesc.
– Hoje temos 80 empresas vinculadas à Deatec, que empregam cerca de 4 mil pessoas e respondem por 15% da arrecadação do município. Metade dessas empresas atende diretamente ao agronegócio. Digo que não é uma nova matriz econômica. É uma matriz complementar à vocação da nossa região – afirma Cesar Bortolini, presidente da entidade.
Liderar a pressão por grandes obras, cuidar bem do próprio quintal e apostar no futuro. Além desses três grandes desafios, existe um quarto item na agenda do futuro prefeito ou prefeita de Chapecó. Posicionar-se diante da mudança de perfil das empresas que nasceram chapecoenses e que hoje fazem parte de grandes grupos nacionais com sedes longe do Oeste catarinense.
Lages vivia um momento único em sua história na década de 1950. O auge da indústria madeireira fazia dela a mais rica e mais populosa cidade de Santa Catarina. A família Ramos dava as cartas políticas na região, disputava o poder no Estado e havia chegado à Presidência da República por dois meses com Nereu Ramos, morto em um acidente aéreo em 1958.
A exploração desenfreada da araucária nativa não só colocou arriscou a vocação natural da região para a indústria madeireira, mas deu início à decadência apenas uma década após o auge vivido pela cidade.
– A decadência veio nos anos 1970 e tirou o foco da madeira. Na época, o madeireiro não investiu em Lages. Acabou a madeira, foram para o Mato Grosso, para o Norte. Tiraram nossa riqueza e foram investir em outro lugar. Não foram todos, mas a grande maioria – relembra Sadi Montemezzo, presidente da Associação Empresarial de Lages (Acil).
Foi um período em que Lages ficou para trás, ultrapassada por cidades, que desenvolveram seus parques industriais, como Joinville, e pelo Vale do Itajaí. Hoje, a principal cidade da Serra catarinense tem a nona maior população e a 13a economia do Estado. Um cenário que busca reverter com a diversificação das atividades e com o resgate da própria vocação madeireira.
O setor renasceu graças ao reflorestamento baseado nas árvores de pínus, poupando o que resta da floresta nativa. Com isso, garante 25% dos empregos industriais na cidade e uma cadeia de serviços que trabalha em função das madeireiras. São 224 empresas que somam um faturamento anual de R$ 1,6 bilhão por ano.
– As madeireiras foram obrigadas a reflorestar para repor as árvores nativas. Com isso, surgiu um ativo florestal. Depois chegou a Klabin, que veio plantar pínus. Em cima dessa floresta plantada a gente começou a explorar e a região voltou a ser uma das principais do Brasil novamente – explica José César Feldhaus, presidente do Sindicato das Indústrias de Serrarias, Carpintarias e Tanoarias de Lages (Sindimadeira).
Enquanto a indústria madeireira se reerguia, Lages diversificava sua economia. A vocação agropecuária naturalmente existente pelo tamanho do município – o maior do Estado em área, com 2,6 mil quilômetros quadrados – desembocou na indústria de alimentos. As gigantes JBS e Ambev têm fábricas na cidade e são responsáveis por metade do ICMS que o governo estadual arrecada em Lages.
A principal demanda é logística. Geograficamente privilegiada pela posição central no Estado, Lages precisa de estradas. Hoje, o escoamento da produção é feito pelas BRs 116 e 470, alcançando os portos do litoral norte de SC e, por via rodoviária, São Paulo.
– Nosso principal problema é rodovia. Como o agronegócio está fortalecendo cada vez mais, precisamos de escoamento – acredita Montemezzo.
O dirigente empresarial destaca que a recente retomada dos voos comerciais do aeroporto de Lages para São Paulo já produziu efeitos benéficos para a economia local. Embora as grandes obras de infraestrutura sejam de responsabilidade dos governos estadual e federal, o exemplo do aeroporto municipal é o tipo de parceria entre o setor produtivo e a prefeitura que ele almeja da próxima administração municipal.
Se os caminhos físicos para o desenvolvimento continuam sem soluções no horizonte, outra via se apresenta para potencializar as vocações de Lages: a tecnologia. A cidade serrana é a primeira a ter concluído um dos 13 centros de inovação planejados pelo governo estadual e que estão sendo viabilizados em parceria com as prefeituras e entidades empresariais. Pronto, o prédio que deu origem ao Órion Parque Tecnológico ainda aguarda a conclusão dos editais que definirão quais empresas vão se instalar no local. A ideia é que a inovação gerada na unidade tenha forte ligação com as indústrias da madeira e do agronegócio.
– Estamos fazendo planejamento para os próximos dois, cinco e 10 anos. O que percebemos é que existe uma potencial vocação regional que é a parte da biotecnologia. Até pela busca de um diferencial dos demais centros. Temos uma característica regional, cultural e também da universidade, com esse foco – avalia Klaiton Camargo do Souza, diretor-executivo do Órion Parque Tecnológico.
Uma coisa é certa, Lages seguirá sua natureza, aliada à tecnologia.
– Estamos em um tempo antigo ainda. Com a questão tecnológica, vamos transformar a qualidade da madeira desde o plantio, do manejo dessa madeira reflorestada, do corte e da industrialização. Por isso é extremamente importante o centro tecnológico em Lages para a madeira –acredita o presidente da Acil.
Duas vocações fizeram de Criciúma a principal cidade do Sul de Santa Catarina: o carvão e a cerâmica. A primeira, praticamente esgotada, está marcada na história e na origem do município. Consolidada nos anos 1970, a indústria da cerâmica viveu dificuldades nas últimas décadas, mas buscou a tecnologia e a inovação para revigorar-se. O prefeito eleito em outubro terá como uma de suas missões ser aliado dessa transformação.
Embora não seja o setor industrial que mais gera empregos na cidade, a cerâmica é responsável por 20% da arrecadação. Gera 4,7 mil empregos diretos em 127 empresas, número superado pelos cerca de 6 mil da indústria têxtil, esta, no entanto, com 699 estabelecimentos. Os números mostram a força de uma indústria consolidada.
– Criciúma hoje não extrai um quilo de carvão. Está concentrado nos municípios dos arredores. A cerâmica se transformou em um dos pilares da economia da cidade. Temos um faturamento anual de R$ 2,5 bilhões – explica Enio Coan, diretor-técnico do Sindicato da Indústria Cerâmica (Sindiceram).
A cerâmica começa a se consolidar no município no final dos anos 1950 e foi a principal responsável por um salto no desenvolvimento criciumense. Até então, o polo regional do Sul do Estado era Tubarão, quarta maior população do Estado, com Criciúma em oitavo. Duas décadas depois, os criciumenses tomaram o posto.
A década de 2000 trouxe dificuldades para o setor cerâmico e isso teve impacto na economia da cidade. A aposta para retomar o desenvolvimento foi na qualidade do produto – especialmente na variedade de formatos e estampas.
– Saímos de um período de depressão, com queda de exportação, 10 anos atrás, e isso afetou muito as empresas da região. A saída foi resgatar o perfil pioneiro, o perfil inovador das empresas, se valendo da experiência e do nível de qualidade diferenciado. Nosso produto exerce uma função de revestimento, estrutural nas moradias, mas tornou-se também um produto de decoração – explica Otmar Josef Müller, diretor Industrial da Elaine, uma das mais tradicionais do setor.
Essa busca por tecnologia e inovação fez da Icon referência na produção de equipamentos para a indústria da cerâmica. A empresa nasceu em 1972, inicialmente focada em fazer a manutenção de equipamentos para a Cecrisa – até então, técnicos italianos precisavam ser chamados para consertar as máquinas. O pulo do gato, no final da década, foi realizar parceria com empresas italianas para trazer para Criciúma o sistema que automatizou a produção, chamado de linha contínua. Hoje, a Icon produz moldes, estamparias e equipamentos que atendem a 65% do mercado nacional de cerâmica e tem uma filial na Argentina.
– A Icon entra com toda a parte de desenvolvimento de produto para conseguir materializar as ideias do cliente final. Por isso estamos em busca de constante atualização tecnológica. Hoje todas cerâmicas brasileiras a gente tem um pé lá dentro, às vezes dois – afirma Alexandre Freitas, gerente da empresa.
O diagnóstico de que a indústria cerâmica precisa apostar em tecnologia e qualidade é consensual entre empresas e entidades.
– O caminho da cerâmica é pesquisa. Vai ter que partir pra uma fase de pesquisa de material, de produto e design. Tem uma cerâmica aqui na nossa região que há oito anos não aumenta a produção. No entanto, o faturamento dela já aumentou 150% porque trabalhou fortemente a questão de design e de material –exemplifica César Smielevski, presidente da Associação Empresarial de Criciúma (Acic).
Dentro desse cenário, a próxima administração terá dois papéis importantes. No contexto local, incentivar o desenvolvimento do plano tecnológico no município, especialmente aquele que traga soluções para a indústria consolidada. Além disso, precisa ser um líder na pressão para que saiam do papel obras de infraestrutura que amenizem a distância de Criciúma dos grandes mercados consumidores. A duplicação quase completa do trecho sul da BR-101 melhorou as condições para escoamento da cerâmica, mas existe expectativa em relação ao Porto de Imbituba.
– O porto de Imbituba é uma briga das associações empresariais. Ele está trabalhando, mas não está sendo explorado em sua totalidade. O potencial dele é bem maior – afirma César Smielevski, presidente da Acic.
Para ampliar esse potencial, a Acic sonha com uma ferrovia ligando Lages a Imbituba, o que também aproximaria Criciúma da BR-116, outro importante corredor de escoamento. São tarefas maiores que vão além do orçamento de qualquer município, o que não significa que o prefeito possa abrir mão de liderar o processo.
– De fato, o prefeito, do ponto de vista econômico é limitado. Não pode fazer muita coisa. Mas o maestro de uma orquestra só tem duas baquetas. Não tem um equipamento caríssimo, só duas baquetas. Se ele tem limitações financeiras, pode servir como um fator promocional do rumo a ser seguido. Alguém que lidere – acredita Smielevski.