RICARDO WOLFFENBÜTTEL
Munição
do crime
roubos, mortes e tráfico de armas e drogas estão no rastro do contrabando de cigarros em Santa Catarina, um esquema milionário que financia quadrilhas no Estado
texto | PEDRO ROCKENBACH
noite de sexta-feira, 11 de agosto. Agentes da Receita e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) param um caminhão suspeito na BR-101, em Joinville. Abrem o baú, mas ao encontrar um monte de caixas de verduras, tomam um banho de água fria. Será que erraram o alvo?
– O baú frigorífico estava desligado, e a couve quase podre. A gente sabia que tinha alguma coisa ilícita ali. Não desistimos, levamos ao escâner do Porto de Navegantes e encontramos as caixas de cigarros camufladas na verdura – conta Pablo Medeiros, o homem da Receita Federal no flagrante.
Dentro daquelas caixas estava o produto de um crime que rende fortunas em dinheiro sujo, mata, explora pessoas e ajuda a engordar as estatísticas de furtos e roubos. Rastro de violência da nova mina de ouro do crime organizado: o contrabando de cigarro. Uma rede tão complexa que permite relacionar os negócios do presidente do Paraguai, dono de uma das maiores indústrias de tabaco do país vizinho, aos donos de boteco das periferias catarinenses.
Descobri isso depois de desconfiar de tantas apreensões em tão pouco tempo. Em 2016, foram confiscados 7,7 milhões de maços no Estado. É tanto cigarro, que se colocados em fila, daria para formar uma linha reta de Florianópolis a Moscou. E se você já achou muito, saiba que em 2017 já foram apreendidos 11 milhões de carteiras até o início de agosto – 42,8% a mais do que no ano passado. Dá 1,5 embalagem por habitante em Santa Catarina. É uma apreensão de cigarro a cada dois dias no Estado.
– Hoje, o contrabando de cigarro serve para sustentar o tráfico de drogas, de armas, lavar dinheiro. É um crime meio para esse fim. Os criminosos conseguem multiplicar um dólar por três. Uma excelente fonte de custeio para o crime organizado. Mas a sociedade ainda vê ele como um crime menor, acha que é o comerciante que vai lá buscar para vender e sustentar a família – adverte Fabrício Colombo, policial rodoviário federal.
Eu também pensava assim até caminhões e carretas bitrens começarem a cair cheios de cigarro paraguaio. Um, dois, três, quatro, cinco, seis em poucas semanas. Que enxurrada era essa? Mais de 20 em um ano. Dois no mesmo dia em Irani, no Oeste, em março. Somados, levavam meio milhão de maços.
O valor da carga? R$ 4 milhões. O modelo de um deles era uma novidade. Um caminhão silo, fabricado para o transporte de ração.
– Você imaginaria num primeiro momento que esse silo teria cigarro? – pergunta Mauro Batista Neto, auditor-fiscal da Receita Federal, em Joaçaba.
– Nem sonharia – respondi.
– E no caminhão bitrem, que tinha areia no fundo pra despistar o peso na balança?
– Também não!
– Então, isso traduz a sofisticação que o contrabando do cigarro está ganhando.
Essa minha desconfiança quanto ao avanço do cigarro pirata me acompanhava desde o início do ano. O que eu viria a descobrir depois, em três meses de apuração, foi realmente assustador. E o estopim para essa busca aconteceu em 18 de março de 2017. Na manhã daquele dia, por acaso, uma abordagem como tantas outras se tornaria a maior apreensão do produto contrabandeado já registrada em Santa Catarina.
O agente parou uma carreta vazia no posto da Polícia Rodoviária Federal em Biguaçu, na Grande Florianópolis. Era roubada. Além disso, encontrou R$ 12 mil em dinheiro na mão do caminhoneiro. Ele entregou o jogo. Era o pagamento pelo transporte de uma carga de cigarros do Paraguai que ele acabara de deixar em um depósito a poucos quilômetros dali, em São José, às margens da BR-101. Milhares de caixas empilhadas formavam paredes e torres enormes dentro do depósito. Um milhão e meio de maços avaliados em R$ 7 milhões. Mas quem está investindo tanto em cigarro?
– O dinheiro não é exclusividade das facções. Grandes empresários estão trabalhando na introdução do cigarro. Hoje o volume é muito grande para ser de pessoas que não têm poder econômico – enfatiza Daltro Cardozo, o chefe da Receita Federal em Santa Catarina.
Conversei com um contrabandista da Grande Florianópolis que não quis dar nomes, mas detalhou quem financia as cargas.
– Donos de construtoras, de mercados, de bares. Tem muita gente que hoje tem 20, 30 imóveis, uma fortuna toda levantada com o cigarro paraguaio.
Sensação de impunidade
Encontrei em Campos Novos, no Meio-Oeste, um dos exemplos mais recentes do poderio econômico do cigarro. Em fevereiro, Edenilson Martinelli, um jovem de 28 anos, foi preso em um furgão abarrotado do produto. No pátio da casa dele, mais três carros cheios. A Polícia Militar invadiu o local.
– Encontramos R$ 150 mil em dinheiro, arma, munição, radiocomunicadores, além de livros para registro da venda do contrabando, dinheiro e cheques. Uma mansão com piscina, deck, barzinhos, geladeiras cheias das bebidas mais caras, os melhores equipamentos eletrônicos. Ele começou com veículos pequenos e, em pouco tempo, já estava puxando caminhão bitrem e entregando em cidades aqui do Meio-Oeste, do Litoral, do Vale do Itajaí e até no Rio Grande do Sul – descreve o capitão da Polícia Militar Rodrigo Pedroso.
A fiança para o Edenilson responder em liberdade foi de R$ 100 mil, paga sem nenhum problema. Bati três vezes na portão dele para tentar ouvi-lo. Na primeira, não estava. Na segunda, uma amiga apareceu dizendo que não sabia dele. Na terceira, ele entrou correndo ao ver nosso carro chegando. E lá ficou.
Subindo mais ao Oeste, cheguei ao nome de Ofrásio Melo, 32 anos, o Saci. Quase se matou no Centro de Chapecó há três anos ao fugir da polícia. Perdeu o controle na direção de uma Chevrolet Captiva roubada que havia comprado por R$ 8 mil.
– Capotei ao desviar de uma mulher – lembra.
Era a terceira vez que ele caía por contrabando de cigarro. No hospital em que ficou internado, tinha até escolta da polícia para evitar um resgate. Ofrásio é apontado pelo Ministério Público Federal como líder de umas das maiores quadrilhas de cigarreiros da região. Nasceu e vive hoje em Nonoai, vizinha gaúcha de Chapecó. Lá descobri que era conhecido por outro apelido, o Perna. Perna ou Saci, fato é que o rapaz perdeu o membro esquerdo em um acidente na adolescência.
Eu não tinha o endereço de Ofrásio. Mas Nonoai é pequena e todo mundo conhece o filho do segundo vereador mais votado nas últimas eleições. Só a mãe e o irmão estavam em casa. Apresentei-me junto com o meu colega cinegrafista Fabiano Souza. Expliquei por que viemos de tão longe e o que queríamos. Vinte minutos de conversa que podem ser resumidos em duas frases: “não sei. Não vi.”
Notei que o irmão batia fotos nossas enquanto fingia usar o celular. Saberia mais tarde que a foto foi encaminhada junto com a placa do carro. Então, o Ofrásio apareceu, num Ford Fiesta com mais três homens. Só ele desceu.
O cinegrafista me disse que ouviu um barulho de metal batendo em metal no carro, enquanto eu conversava com ele. Não reparei. Não sei dizer o que era. Saci topou dar a versão dele.
– Não sou chefe de nada. Quando eu trabalhava (no contrabando), era só o motorista. Eu não trabalho mais. Ganhava R$ 700 por viagem.
– Uma das vezes em que você foi preso, estava sem cigarro. O que aconteceu? – pergunto
– Tinha uma barreira (da polícia). Daí acharam o rádio que era de fazer o serviço de batedor (monitorar a estrada para a passagem da carga). Eu tava de carona, porque não tenho carteira, né.
Difícil acreditar que alguém seria contratado para a função de motorista sem habilitação, mesmo se tratando de um esquema criminoso. Mas foi o que ele garantiu.
Ainda assim, Ofrásio não pode reclamar. Nem todos têm a mesma sorte que ele. Pouco provável que alguém sairia vivo daquele carro destruído na fuga em 2014. Muitos ficam pelo caminho. Pesquisei por acidentes com veículos transportando cigarros paraguaios. Há muitos. Mortes, quase 30. Encontrei várias famílias vítimas diretas do contrabando. Uma delas é a de Núncio Tozzato, 87 anos. Um senhor que fazia planos para o futuro, vivia um novo romance há quatro anos. Na manhã de 18 de fevereiro deste ano, saiu de casa para buscar uma santinha no sítio.
– Eu disse pra ele: “cuida com a BR e me traz limão.” Mas não deu nem meia hora, ele faleceu – diz Candinha Possamai , companheira de seu Núncio.
Ele foi atingido em cheio por um cigarreiro em fuga, na BR-277, em Céu Azul, no Paraná. Valtuir Borges da Silva, de 24 anos, dirigia a caminhonete forrada de cigarros que provocou o acidente. Está solto, respondendo em liberdade. Duas semanas antes de matar Núncio, já havia sido preso e solto após pagar fiança. O crime: contrabando de cigarro.
A sensação de impunidade é um dos catalisadores desse tipo de crime. A pena para contrabando vai de dois a cinco anos de cadeia. Mas ninguém fica preso. Paga fiança e acaba solto. E isso faz do cigarro quase uma versão aprimorada do tráfico de drogas. Alta lucratividade, baixo risco.
– Se eu trouxer a droga, eu já sento na mesa do juiz com 10 anos de cadeia, porque é tráfico internacional. E o cigarro é mixaria, três, quatro meses no máximo. Já fui preso sete vezes. O maior tempo que fiquei na cadeia foram seis meses. A única coisa que eu perdia era a mercadoria, a liberdade não. E o produto, eu conseguia fácil de novo – revela o contrabandista da Grande Florianópolis.
Hoje, 70% de todos os produtos contrabandeados do Paraguai são cigarros. Calcula-se que
45,2 bilhões de cigarros foram trazidos ilegalmente para o Brasil no ano passado. Isso faz do país o maior mercado desse tipo de mercadoria ilegal, seguido pelas Filipinas, com 36,3 bilhões, e a Índia, com 23,9 bilhões.
– Todo esse comércio está deixando um rastro de destruição em todo território nacional. Não é só financeiro, mas pelas vítimas do contrabando. Os acidentes de estrada, a cooptação de jovens nessas áreas de fronteira, a logística que traz pro tráfico de drogas e armas, o roubo de veículos.
De cada 10 veículos apreendidos com cigarros, sete são roubados. Há quadrilhas que atuam exclusivamente para abastecer a frota dos cigarreiros. Isso faz com que pessoas que nunca fumaram, nunca andaram fora da linha, sejam afetadas por esse comércio clandestino. Em maio, um caminhão foi apreendido pela Receita e pela Polícia Militar com 400 mil maços em São Bento do Sul. O veículo fora roubado em Lagoa Vermelha (RS). Fui atrás dos donos. Receberam de mim a notícia do caminhão encontrado. A alegria do casal foi tanta que recebi a alcunha de anjo.
– A gente estava atrás dele faz tempo. Era o nosso meio de sobrevivência, nosso sustento. Foi uma vida de economia para comprarmos o nosso próprio caminhão, ainda estávamos pagando. Com essa notícia, agora acho que poderei voltar a dormir sem remédios – desabafa a dona do veículo, que prefere o anonimato.
RECEITA FEDERAL, DIVULGAÇÃO
Hecho en Paraguay
Esse rastro de crimes tem ponto de partida: o Paraguai, onde a indústria tabagista movimenta R$ 6 bilhões por ano.
O próprio presidente, Horácio Cartes, é o dono da maior fábrica de cigarros do país. Estima-se que 50% de todo o cigarro que acaba sendo contrabandeado para o Brasil sai da Tabacalera Del Este, a fábrica de Cartes. Ele costuma dizer que só produz os cigarros.
O que é feito com eles depois, não é responsabilidade dele. Simples assim. Passei na frente da fábrica por curiosidade em Hernandárias, vizinha à Ciudad del Leste. O complexo de Cartes fica a quatro quilômetros do Lago de Itaipu, por onde passa a maior parte do contrabando. Fui orientado a não descer para fazer imagens. A Tabacalera parece uma fortaleza. Muitas câmeras e seguranças armados com fuzil em torres de vigilância.
– É um grande desafio que ele vai ter como presidente. Ser dono da Tabacalera e combater o contrabando. O Paraguai precisa se reinventar, precisa se por como país – diz Luciano Stremel, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras.
Na lógica econômica, são impostos que explicam o potencial do cigarro. No Paraguai, a tributação é de apenas 16%. No Brasil, 80%. Assim, o maço sai do Paraguai por R$ 0,40 para ser vendido a R$ 3 ao consumidor. Já o preço do cigarro brasileiro fica, em média, a R$ 7. Estudos apontam que, hoje, 45% do mercado catarinense sejam de cigarros contrabandeados. Já foram apreendidas 27 marcas diferentes no Estado. Proporcionalmente ao número de habitantes, perdemos apenas para o Mato Grosso do Sul e o Paraná, em número de apreensões. Em números absolutos, somos o quarto, ficando atrás do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo.
São cerca de 30 fábricas, não se sabe exatamente quantas, em operação no Paraguai. Juntas, produzem quase 7 bilhões de maços por ano. Disso, 5% abastece o mercado interno. Outros 5% são vendidos através de exportações declaradas. O resto some sem deixar vestígio para países da Américas do Sul e Central. No Brasil, o cigarro paraguaio é proibido. Por isso, o crime vai além da sonegação de impostos. Contrabandear cigarro também é contra a saúde pública.
– O cigarro por si só já é ruim. Esse cigarro paraguaio, pelo jeito que ele é feito, o controle de qualidade não existe. Então, é um cigarro de péssima qualidade. A gente já fez pesquisas em que já foram encontradas até fezes humanas e de rato. Você está fumando um lixo – alerta Pablo Medeiros, analista tributário da Receita Federal.
Fui a Ciudad del Leste, o paraíso do contrabando na América do Sul. A cidade fica às margens do Rio Paraná e hospeda uma das cabeceiras da famosa Ponte da Amizade. Do lado brasileiro, está Foz do Iguaçu. Caminhando pela multidão de sacoleiros, descobri que levar cigarro ilegalmente para Santa Catarina é moleza. E não estou falando de meia dúzia de pacotes. Falo de centenas de caixas, um caminhão cheio. Basta ter dinheiro. Tudo funciona como uma grande empresa.
– Paga 30% aqui, deposita na conta do patrão. Uma conta brasileira para não levantar suspeita. Quando a carga chegar lá, paga o resto. Não precisa vir até aqui. A gente tem quem leve. Sai um caminhão por semana.
A pessoa que explica é um operador do esquema. Apresentou-se como Pedro. Conversamos no meio do trânsito caótico de Ciudad del Leste. Diz que sai por R$ 500 a caixa com 500 maços, já com a entrega em Santa Catarina. Exige a encomenda de pelo menos 20 para fechar negócio. E ainda oferece mais.
– Cigarro, droga, arma. A gente entrega tudo lá.
Pergunto sobre a garantia de entrega, se realmente vai chegar. Falo que tenho receio de perder o dinheiro.
– Amigo, isso aqui é Paraguai. Ou dá certo ou então morre. Ninguém tá aqui pra te enrolar. Se queres fechar negócio, a gente fecha. Se não, tranquilo.
Claro, não fechei negócio. Mas rodando pela cidade você mapeia rapidinho como as coisas funcionam. Uma vez feito o negócio, centenas de vans velhas, caindo aos pedaços, buscam as mercadorias em lojas e depósitos na região central da cidade. Em seguida, elas partem para algum porto clandestino às margens do rio Paraná. Esses portos são controlados por grupos diferentes de contrabandistas. Gente da própria polícia paraguaia domina parte desses pontos. É cobrada uma taxa de US$ 8 por caixa para ser feita a travessia. Ela acontece à noite.
– A gente tinha médias antigas aqui da passagem de 40 mil caixas numa única noite. Com a implantação da base da polícia marítima da Polícia Federal perto da ponte, há um ano meio, esse número caiu bastante. Hoje, 80% do que passa aqui são cigarros. Com esse aperto da repressão, muitas fábricas migraram para regiões mais ao Norte, perto de Guaíra, onde tem fronteira seca. Caminhões com cigarro, por exemplo, a maioria sai de lá – explica Augusto Rodrigues, chefe do Núcleo de Polícia Marítima de Foz do Iguaçu.
As caixas são colocadas em lanchas de pesca para a travessia. A imagem térmica do binóculo da polícia mostra um batalhão de gente às margens do rio durante toda a madrugada. É um vai e vem de barco. Quando os policiais saem à caça, chove tiros dos dois lados: de pistola, do lado brasileiro, de fuzil, do lado paraguaio. Quando percebem que vão perder, os barqueiros afundam o motor da lancha na água na ideia de buscar mais tarde.
Carros, caminhonetes e vans já estão à espera da carga perto do porto clandestino, no lado brasileiro. Carregadores sobem a barranca com as caixas e enchem os veículos. Carro de cigarreiro é algo impressionante. Eles arrancam tudo de dentro. Forro, bancos, porta-luvas, ficam só a lataria e o banco do motorista. Qualquer espaço livre serve para mais um pacote de cigarros. Eles não têm pena. O carro é roubado mesmo.
– A gente prefere carros potentes, como Azera, Civic, que são grandes, para correr da polícia – diz um contrabandista do Oeste catarinense.
A partir daí, são os motoristas quem assume. Tem dois caminhos a partir da fronteira.
A carga vai direto para as mãos de quem encomendou em algum canto do país ou vai para depósitos em cidades no Oeste do Paraná. Muita gente que compra cigarro hoje nem vai mais até a fronteira, compra direto desses depósitos, diminuindo a margem de lucro, mas correndo menos risco de ser pego.
ROTA do contrabando
O caminho percorrido pelos criminosos do Paraguai a Santa Catarina
Pedro Rockenbach
Caminhos do contrabando
São os motoristas quem normalmente caem nas mãos da polícia. Eles ganham, em média, entre R$ 700 e R$ 2 mil, dependendo do tamanho da carga. Em Santa Catarina, 270 pessoas foram presas por esse crime, desde 2014. Uma a cada cinco dias. Processos por contrabando e descaminho lideram as estatísticas da Justiça Federal catarinense.
É um dinheiro fácil, mas se o cara vai preso, acaba gastando cinco, 10 vezes mais com fiança e advogado. Conversei com um caminhoneiro preso em flagrante. Levava 400 mil maços de cigarro para Jaraguá do Sul.
– Eu trabalho puxando madeira. Mas meu caminhão está com o motor fundido há nove meses. Me ofereceram R$ 2 mil para levar essa carga. Acabei aceitando. Nunca fui preso, agora vou ter que ligar pra minha filha me ajudar. É aquela coisa, a gente paga caro pelo erro – disse.
Tem também uma multa da Receita de R$ 1 mil por caixa. No caso dele, R$ 800 mil ao todo. Dificilmente terá condições de pagar e vai passar pelo menos cinco anos com o CPF sujo.
Suja para eles, fica limpo para os patrões, aqueles que financiam as cargas. Mas esses raramente têm cara e nome. É muito difícil a polícia botar a mão neles.
– Grande parte das vezes, eles (motoristas) se mantêm em silêncio, não há outros elementos, as informações dos veículos são todas falsas e você não consegue explorar melhor os outros envolvidos, quem seria o dono da carga – Carlos Fistarol, chefe da delegacia Fazendária da PF em SC.
A maior operação da Polícia Federal no Estado, este ano, para pegar cigarreiros aconteceu em julho. Duas pessoas da mesma família foram presas, e 400 mil maços apreendidos. Valor da carga: R$ 1 milhão.
Só em 2017 já foram apreendidos R$ 54 milhões em cigarro contrabandeados em Santa Catarina. Quase todos os flagrantes aconteceram nas estradas. Ano passado, calcula-se em R$ 350 milhões a evasão fiscal relacionada a esse crime. Os números mostram que este ano deve ser ainda maior.
Subo a ladeira do Morro da Cruz, na região central de Florianópolis. Chego ao fim da minha caminhada na rota do contrabando. Da laje de um boteco fundo de quintal vejo o pôr do sol na Beira-Mar Norte. O lugar é uma bagunça. Engradados de cerveja empilhados de qualquer jeito, um fogão velho e todo engordurado se escora na parede para ficar em pé, panelas velhas estão ainda mais sujas, tomadas por moscas. Pergunto a um homem por que ele fuma cigarro paraguaio. Ele devolve sem surpresas na resposta.
— Porque é mais barato.
Conto tudo o que vi e descobri em três meses de apuração. E sigo com a entrevista. Quero saber se ele imaginava todo esse rastro de crimes e prejuízos escondidos dentro daquele cigarro.
— Nem imaginava – ele diz.
Finalizo a conversa com uma última pergunta:
— Vai deixar de fumar esse tipo de cigarro?
— Não, não vou. Sou honesto, admito que não vou. É o vício.
Antes de sair, vejo ele acender o próximo. Paro e olho com calma aquele ritual. E, então, entendo que ali, quando o fogo faz a brasa, não é o fim, mas o início de tudo.
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