MOEDA VERDE
criada para PROTEGER as belezas naturais de Bombinhas, Taxa de Preservação Ambiental (TPA) chega à terceira temporada de funcionamento envolta em disputas judiciais e políticas
TEXTO | emerson gasperin
N
o mapa, a cidade de Bombinhas fica 70 quilômetros ao norte de Florianópolis, no final de uma faixa estreita do litoral catarinense que avança sobre o Atlântico e se divide em três pontas. Ao vivo, o contorno bem recortado da única península do Sul do país revela enseadas, costões, morros e – o maior atrativo – praias. Tem para famílias, para argentinos, para surfistas, para mergulhadores, para excursionistas, para aposentados, para qualquer interessado que se disponha a pagar a Taxa de Preservação Ambiental (TPA). Atualmente no terceiro verão em vigor, a cobrança pela entrada de veículos com placas de fora rende um bom dinheiro ao município. Mas ainda é questionada.
No último dia 1º, a TPA voltou à pauta do Tribunal de Justiça (TJ). Desde que foi regulamentada, a lei que instituiu a taxa é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Para os promotores, falta clareza quanto à destinação dos recursos e a vigência limitada ao período de maior visitação confronta o princípio da isonomia tributária. Em outubro de 2016, o placar entre os juízes havia sido de 5 a 1 pela manutenção da taxa. Em dezembro, o jogo virou para 6 a 5. Desta vez, a ADI continuou na frente por 11 a 10. A ausência de três desembargadores, porém, adiou a decisão para a sessão do próximo dia 15.
— Tenho conversado com eles, apresentado os benefícios da TPA. Estou otimista — diz a prefeita Ana Paula da Silva (PDT), em seu gabinete no segundo andar da sede do Executivo municipal.
Com exceção de veículos oficiais ou cadastrados (residentes), todos os carros, motos, vans, ônibus e caminhões estão sujeitos à tarifa. Os preços variam de R$ 3 (motos) e R$ 26 (carros de passeio) a R$ 130,50 (ônibus). Os valores são calculados com base no custo estimado da atividade administrativa em função da degradação e impacto ambiental causados ao município. De 15 de novembro passado até este 25 de janeiro, 95 mil veículos geraram uma receita de R$ 7,2 milhões, dos quais R$ 2,8 milhões já foram pagos.
A diferença entre as cifras auferidas e as recebidas ocorre porque o visitante não é obrigado a quitar a TPA no momento em que as câmeras do sistema nos acessos principal e secundário da cidade registram a placa, embora em ambos haja pontos de recolhimento. É possível também pagar antecipadamente online (somente veículos nacionais) ou durante a estadia em Bombinhas nos outros três postos oficiais e nos diversos estabelecimentos comerciais credenciados. O motorista que deixar a cidade sem saldar a dívida ainda tem 30 dias para isso, por meio de boleto gerado no site da prefeitura, sem incidência de juros e multa. Daí em diante, será cobrada multa de 10%, mais juros de 1% ao mês, além de correção monetária. O inadimplente fica inscrito na dívida ativa do município.
— Fechamos um convênio com o Detran que vai facilitar muito a arrecadação a partir desta temporada. Os turistas que não pagarem irão receber os boletos em casa — comemora Paulinha, como é conhecida.
Se passar no TJ, será a segunda vitória da TPA. Em outubro, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) requerida pelo então vereador Celino João dos Santos Filho (SD), que disse ter visto um malote com dinheiro da taxa chegar ao apartamento da prefeita no verão de 2015. Ele declarou que a conta bancária exclusiva da TPA tinha R$ 1,05 milhão no dia em que pediu a abertura da investigação para apurar supostas irregularidades. Após seu pronunciamento, apareceram mais R$ 160 mil, transferidos de outra conta da prefeitura. Presidida e relatada por dois vereadores aliados do governo, a CPI finalizou os trabalhos em dezembro concluindo que as alegações eram infundadas.
Até agora, usamos o dinheiro arrecadado basicamente
em serviços mais urgentes para equilibrar o impacto ambiental provocado pelo número de turistas. O custo administrativo de manutenção da taxa também é alto
ANA PAULA DA SILVA
Prefeita de Bombinhas
A
lei que instituiu a TPA em dezembro de 2013 determina que os recursos obtidos devem ser aplicados nas “despesas realizadas em seu custeio administrativo, em infraestrutura ambiental, preservação do meio ambiente com seus ecossistemas naturais, limpeza pública e ações de saneamento”. Na época, a prefeitura publicou o seguinte esclarecimento: “A cada ano os projetos aprovados serão divulgados, e a prestação de contas disponível no Portal Transparência e nos demais veículos de comunicação. Todos os cidadãos e turistas poderão opinar na aplicação dos recursos por meio de formulários que estarão disponíveis a partir de dezembro de 2014.”
Na prática, o acesso aos dados sobre investimentos da TPA na página da prefeitura na internet deixa a desejar. O município figura na 123a posição nacional (34a entre os catarinenses) na Escala Brasil Transparente, elaborada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os relatórios das temporadas anteriores disponíveis trazem apenas a quantidade de carros discriminada por categoria, quanto arrecadou, quanto foi pago e as formas de pagamento. Mas descobrir descobrir quanto foi aplicado é um desafio. Paulinha admite que não existe uma tabela específica com essas informações, mas garante que todo o montante que entra reverte em melhorias para a cidade e tudo é licitado, como determina a lei.
— Até agora, usamos o dinheiro arrecadado basicamente em serviços mais urgentes para equilibrar o impacto ambiental provocado pelo número de turistas. O custo administrativo de manutenção da taxa também é alto — assegura.
Na matemática da prefeitura, já foram investidos na cidade R$ 3 milhões provenientes da TPA. Grande parte – R$ 2,1 milhões – financiou a limpeza das praias durante o verão. Outros R$ 568 mil serviram para alugar módulos sanitários portáteis instalados na orla. O restante viabilizou a aquisição de lixeiras, sacos de lixo, placas e de uma lancha para a fundação local de meio ambiente (Famab) fiscalizar praias de difícil acesso e controlar a pesca ilegal. Além desses itens, no final do ano passado, a prefeita anunciou um edital de R$ 800 mil para projetos de educação ambiental de organizações não governamentais (ongs).
— Mas o único habilitado para aprovação foi um de R$ 150 mil, do museu comunitário Engenho do Sertão — observa o vereador Alessandro Arno Mafra (PV), o Xando.
Ele se elegeu para o primeiro mandato em 2016 com 358 votos – o menor número entre os nove parlamentares municipais – em uma campanha que gastou meros R$ 590. Dos seus colegas, cinco são do PDT e três, do PTB, dois dos 15 partidos da coligação Experiência e Trabalho, pela qual Paulinha se reelegeu com 73% dos votos válidos a um custo de R$ 73,3 mil. Como representante solitário da oposição, Xando aponta contradições entre a cobrança de uma taxa em nome do meio ambiente e as iniciativas do Executivo.
— Sou a favor da TPA, desde que gerida com seriedade. A preocupação é com para onde vai esse dinheiro e como é administrado — ressalta.
Segundo ele, a restrição ao número de pavimentos das construções à beira-mar está em risco. Hoje, são permitidos apenas dois e as edificações devem ser unifamiliares (residenciais). A prefeitura estaria propondo estacionamentos no subsolo e um terraço, o que se transformaria em mais dois andares. Para Paulinha, as críticas não têm fundamento. Seu governo não teria tomado nenhuma medida em desarmonia com a natureza e “não há condições de elevar mais o número de pisos”.
Estamos editando uma lei que criando um comitê gestor
com participação da sociedade. Quando for instituído,
todas as decisões serão tomadas por esse colegiado.
Vamos convidar ongs ligadas ao meio ambiente, associações de moradores e os órgãos do município ligados à área
ANA PAULA DA SILVA
Prefeita de Bombinhas
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ombinhas é o menor município do Estado em extensão, com apenas 35,9 quilômetros quadrados (Lages, o maior, mede 2,6 mil) e tem 70% da área considerada de preservação permanente. Banhada por praias como Mariscal, Canto Grande ou Zimbros e junto à reserva do Arvoredo, a cidade se orgulha de ser a “capital do mergulho ecológico” de Santa Catarina. A turistada invade geral – a população, de 17 mil habitantes, chega a se multiplicar por 10 na temporada. E acha justo pagar uma taxa para desfrutar de tantas paisagens.
Em pesquisa feita com 526 turistas pelo Consórcio Intermunicipal de Turismo da Costa Verde & Mar, a TPA atingiu 78% de aprovação. Em outro levantamento, realizado pela Univali em 2014 e 2015, 70% dos entrevistados aprova a cobrança. Para nove em cada 10 pessoas ouvidas pela universidade, a destinação dos recursos deveria ser decidida por um comitê gestor. A responsável pela aplicação do dinheiro é a Famab, com a orientação de uma comissão permanente de gestão da taxa. Das cinco pessoas que a formam, quatro são pedetistas como a prefeita. A presidente ganha R$ 600; o secretário, R$ 450; e os três integrantes, R$ 250 cada.
— Estamos editando uma lei que criando um comitê gestor com participação da sociedade. Quando for instituído, todas as decisões serão tomadas por esse colegiado. Vamos convidar ongs ligadas ao meio ambiente, associações de moradores e os órgãos do município ligados à área — promete Ana Paula.
Contudo, a intenção de delegar os rumos da TPA a diversos setores da comunidade bombinense não irá acabar com as controvérsias. Outro aspecto bastante discutido é a operação do sistema. Em 2015, argentinos abordados logo na chegada ao município para pagar a taxa (pois não podem fazê-lo de outro jeito) receberam como comprovante um papel escrito à mão. Por ser facilmente burlável, o “método” levantou suspeitas em relação ao controle – e a arrecadação correspondente – dos veículos que entram na cidade. Na ocasião, Paulinha alegou que o improviso devia-se à falha ou queda da rede. Assim que fosse restabelecida, os dados seriam repassados por meio eletrônico.
O contrato com a vencedora da licitação para fornecer a tecnologia para a TPA, de R$ 5,9 milhões, é válido por dois anos e pode ser prorrogado – como acabou sendo. Trata-se de um negócio de R$ 5,9 milhões. Foi assinado em dezembro de 2014 pela prefeita e por Fabiano Jean Gonçalves, representante da empresa escolhida, o Consórcio TD, de Blumenau. T é de Telmesh, D é de Dinâmica Soluções em Tecnologia Tecnológicas, que integram o consórcio junto com o próprio Gonçalves. Ele também aparece como um dos três sócios da Telmesh, que, por sua vez faz parte do Grupo Aliança, formado ainda pela Aliança Tecnologia e T.Sim.
O site do Grupo Aliança está “em desenvolvimento”. Ao se clicar nos links das empresas que o formam, as páginas não são encontradas, com exceção da T.Sim. Gonçalves não foi localizado nem retornou os recados deixados pela reportagem para explicar como o sistema da TPA funciona, quais os aperfeiçoamentos previstos e como empresas de tecnologia que fazem negócios desse porte com o poder público não conseguem manter um reles site.
Até agora, usamos o dinheiro arrecadado basicamente
em serviços mais urgentes para equilibrar o impacto ambiental provocado pelo número de turistas. O custo administrativo de manutenção da taxa também é alto
MARCUS POLETTI
DOUTOR EM GESTÃO COSTEIRA E PROFESSOR DA UNIVALI
E
m 2012, quando a prefeita iniciava seu primeiro mandato, o doutor em gestão costeira e professor Marcus Poletti, da Univali, foi chamado para dar uma assessoria visando à criação da TPA. Depois se afastou, mas continuou seu projeto para avaliar a capacidade de carga – o quanto determinado lugar suporta o afluxo de turistas sem perder suas características ou ter sua integridade ameaçada – de Bombinhas. A premissa é de que o tráfego de veículos é um importante vetor para analisar os limites físicos, ambientais e sociais, já que a numerosa entrada e saída de usuários das praias tem sido o maior motivo para mudanças da paisagem.
De lá para cá, ele e sua equipe começaram a contagem dos carros que chegam para entender como o tráfego contribui para aumentar os problemas da cidade. De acordo com o estudo, em um dia de verão entram no município mais de 9 mil carros, cada um com, em média, três pessoas. Somando as emissões de carbono, o consumo de água, o lixo, o esgoto e demais recursos de infraestrutura para aguentar todo mundo, nem todo o dinheiro já arrecadado pela TPA seria suficiente para minimizar a situação.
— Ou seja, a sociedade está pagando por um serviço que nunca terá de volta. Atualmente, a demanda de veraneio ultrapassa em três vezes a infraestrutura instalada. A TPA seria muito importante, mas da forma que está sendo feita virou uma taxa como qualquer outra — apregoa Poletti.
O professor também se incomoda com o que está ocorrendo na Costeira de Zimbros. A trilha que havia no local foi transformada em uma estrada pela prefeitura sob o pretexto de fazer obras para aumentar o pequeno reservatório que coleta a água que vem de um riacho ao pé do morro. O jornalista Nilson Coelho, do movimento Unidos por Bombinhas, acrescenta que estudos da Casan, da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e de uma empresa privada indicam que a vazão do riacho é de 25 litros por segundo, enquanto a obra exige uma capacidade de abastecimento de 40.
— Se continuarem com esse absurdo, o manancial está ameaçado de secar. Além disso, não se vê um plano de manejo de área degradada, a prefeitura autoriza cada vez mais prédios, falta água. Daqui a pouco acaba a balneabilidade das praias e os turistas irão embora para não voltar mais. Não faz sentido! — exaspera-se.
Com ou sem reservatório, o fato é que a prefeita já confirmou que recursos da TPA serão usados para planos de manejo e para a desapropriação de terrenos na Costeira de Zimbros. A transformação da unidade de conservação considerada área de relevante interesse ecológico (Arie) em parque ambiental em novembro de 2015 teria sido uma resposta do poder público a especulações de que a região, que reúne quatro praias, ribeirões e cachoeiras circundadas pela Mata Atlântica, poderia ter construções liberadas. A estimativa da prefeitura é que de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões sejam destinados ao pagamento de indenizações aos proprietários dos imóveis que serão desapropriados. Outras finalidades para o dinheiro da TPA, diz a prefeita, dependem da decisão do TJ.
— É necessário uma declaração plena de constitucionalidade para que se possa fazer uma despesa de custeio efetiva fixa, como ampliar a fiscalização de áreas costeiras ou das próprias trilhas, dos parques ambientais. Como vou contratar um profissional efetivo para cuidar da manutenção de um parque sem ter certeza de que essa despesa vai ter uma acolhimento financeiro? Ah, também usamos o dinheiro para comprar isto — mostra Paulinha, puxando uma espécie de tubo de ensaio de plástico verde com tampa branca: um porta-bituca!
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