São necessárias até cinco horas em frente a um espelho para
surgirem Morgana Molochi e Suzaninha Richthofen

 

TEXTO | Diorgenes pandini

orpo de violão, cabelos longos e ruivos, batom preto e maquiagem pesada. A voz é grossa, mas suavizada pelo jeito de falar. Não poupa rispidez para responder as amigas, inimigas ou o fotógrafo. Um mau humor performático que é o toque final da quase discreta drag queen Morgana Malochi.

A amiga loura, de cabelos curtos, muito brilho, cores chamativas, ainda mais brilho e um vestido (de avó/ recatado?) vermelho é sinônimo de escândalo. Além, é claro, da maquiagem  exagerada ao máximo, ela tem jeito e atitudes muito escandalosas. Nada chique se comparado a Morgana. “Tu tá me chamando de palhaça?”, diria ela, Suzaninha Richthofen.

A montagem – quando os atores vestem seus alter egos femininos – demora. São cerca de cinco horas em frente a um espelho, desbravando técnicas de maquiagem importadas do mundo do circo e outros truques para economizar.

– O nosso iluminador nada mais é que farinha de trigo. Sai bem mais barato que um produto de marca conhecida e tem a mesma função – explica Morgana enquanto usa a esponja do enchimento da bunda para passar o pó no rosto.

As roupas são de segunda mão, compradas em brechó ou de familiares. Para encontrar as manas não precisa muito. Basta dar um rolê nas baladas alternativas de Floripa. Recentemente, em parceria com a casa Blues Velvet, elas organizaram uma festa chamada Mon.ta.da. Um evento no qual as manas são as estrelas e todos estão convidados a travestir-se.  Além disso, criaram um coletivo artístico fotográfico homônimo à festa.

Geralmente vão de ônibus para a noitada. Para os usuários do transporte público, transformam a viagem em espetáculo. Brincam com todos que permitem e ainda enfrentam a homofobia, seja por ironia ou questionamento. Como chovia muito, decidiram pegar uma carona.

– Não dá pra ficar 5 horas no espelho para desperdiçar na chuva né, querido?!

Não tem como discutir com Suzaninha.

c

a festa

a

s  personagens vêm dos mais distantes planetas e conceitos. As performances unem ironia, libertinagem, desafiam a hipocrisia social e discutem questões de gênero. Tudo temperado com muito humor. As drags fazem da festa inteira uma apresentação teatral.  A diversão é garantida.

Nessa noite, elas entraram uma hora mais cedo e ganharam cortesia de bebidas. Quando a casa abriu para o público em geral, as manas já estavam aquecidas e preparadas para toda a diversão da noite.

No toca-disco, muito pop. Mas claro, Riri (Rihana) e Beyoncé são as preferidas. Britney, Madonna, Sia, Liza Minnelli, Gloria Gaynor entre muitas outras divas embalam a noite. É um festival de carão a festa inteira, todas em busca do close perfeito. Diversão e música para dançar é o que não falta.

Quanto à pegação, vai de cada uma. Morgana não suporta desfazer a maquiagem e é por isso que não gosta de beijar em balada. Já Suzaninha não se importa em ter que refazer o batom.

As drags

e

ntre elas, há uma competição de ego para ver quem é mais bapho. Em cada festa, as drags se superam nas escolhas de maquiagem e conceitos para se montar. Não existe uma catalogação entre elas, mas é facilmente perceptível algumas diferenças.

Há a drag que busca a mimetização da mulher. A montagem e maquiagem, mesmo que exageradas para o padrão geralmente adotado por elas, buscam essa assimilação. Não entenda isso como uma forma de tentar ser uma mulher. Não existe essa intenção. É mais como uma homenagem às mulheres.  Morgana pode se encaixar perfeitamente nessa categoria.

Existem as drags que em nada se parecem com mulheres, apesar de usarem elementos ditos femininos (maquiagem, cílios postiços, batom etc..). Geralmente se montam inspiradas em coisas ou até situações. As personagens podem ser uma pilha de reciclagem, um vulcão, um alienígena e o que mais a criatividade permitir.

Por fim, e não menos importante, há as drags que se montam como mulheres, mas escracham toda a maquiagem e toda a performance. Suzaninha é um exemplo perfeito desse perfil. O humor e a brincadeira são as principais características, evidenciadas pela maquiagem e escolha das roupas.

cenário cor de rosa

esde a última década, o cenário artístico brasileiro vem testemunhando a expansão do artista performático denominado drag queen. Por excelência, essa forma artística foi vista por muitos, e por um longo tempo, como uma não-arte ou até como uma forma banal, descartável e, no mal sentido da palavra, popular. Designados a se restringir aos guetos em que a comunidade LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), os artistas drag queen hoje alcançam um espaço mais expandido, seja nos meios de comunicação e propaganda em massa ou no cenário artístico”, explica o ator Igor Amanajás, no artigo “Drag queen: um percurso histórico pela arte dos atores transformistas”.

Programas de televisão, como o reality show RuPaul Drag Race, e até mesmo a ampliação dos entendimentos relacionado aos direitos humanos têm tirado a arte drag de guetos a que estava associada  desde a década de 1980, quando uma epidemia de aids marginalizou os gays e, em consequência, as drags.

Vale lembrar que não existe relação da personagem drag com a orientação sexual ou identidade de gênero do artista.  Richard Nunes e Arthur Rogoski Gomes,  os artistas que montam, respectivamente, Morgana Malochi e Suzaninha Richthofen, são gays, mas suas identidades de gênero estão mais próxima do universo masculino. Quando Richard começou a se montar, foi uma experimentação para tentar descobrir a própria identidade.

 – Foi assistindo ao RuPaul que resolvi experimentar e ver como era esse bapho – relembra.

Já Suzaninha entrou em contato com a arte em uma peça de teatro na faculdade de Artes Cênicas, na Udesc.

– Eu sempre fui muito gay, de dar pinta mesmo. Quando comecei a me montar, não foi nada muito anormal – comenta.

O discurso de Arthur como Suzaninha tem origem em quando ele era totalmente fora do padrão físico. Não que ele se importasse de ser mais gordinho. Hoje, depois de ter emagrecido, incorporou ao discurso da arte as questões de aceitação do próprio corpo. Por esse motivo, Suzaninha também foge um pouco dos padrões das drags. Seios sem enchimento, roupas mais comportadas e etc.

– Drag tem essa imagem de entretenimento, mas muitas de nós fazem como política mesmo. Como crítica de corpo, de gênero, de padrões. No Rio, eu conheci drags negras que se apresentavam com música de militância e dança de orixás. Você vê que a drag pode ser uma ferramenta –  explica Arthur.

d

"

Alguns reality shows tiraram a arte drag dos

guetosnos anos 1980, em meio à origem da aids

 

a purpurina ainda brilha

A

 balada terminou às 4h. As luzes acenderam indicando o fim da festa. Maquiagem e roupas já não estão mais tão montadas assim. Só as mais caprichosas tiveram a vaidade de dar um tapa na aparência antes de a noite acabar. Suzaninha e Morgana se separaram no fim. Tiveram uma briga de amigas e ficaram sem se falar pelo resto da noite. Foram embora de táxi. Uma vez em casa, começaram o processo reverso. Desfizeram cabelo, redinha, enchimento, tiraram salto alto, cílios postiços, pó do rosto, meia-calça. Só a purpurina resistiu à desmontagem. O processo inverso demora cerca de uma hora. Ah, não se preocupem. A briga foi algo bobo. No outro dia de manhã as amigas já estavam fofocando novamente.

Retirar maquiagem, redinha, salto alto, cílios postiços e pó do rosto dura cerca de uma hora

 

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