Embarque com o repórter do DC que durante uma semana dirigiu sob as regras do aplicativo e descubra como funciona, na prática, o serviço de transporte alternativo de passageiros em Florianópolis
TEXTO | EMERSON GASPERIN
oucas notícias despertaram tantas reações em Florianópolis quanto o anúncio, no início de setembro, de que a Uber em breve começaria a operar na capital catarinense. Todas as partes envolvidas com o serviço de transporte alternativo aberto para qualquer um se tornar motorista e sair por aí levando passageiros para cima e para baixo tinham alguma opinião. Taxistas vociferavam. Autoridades diziam que era irregular. O cidadão comum, quase que de forma unânime, saudava a chegada da empresa que, com tarifas mais baixas que táxi, já atuava em pelo menos 500 cidades no mundo inteiro.
Fiz minha inscrição para saber como o negócio funcionava. No dia 12, eu e 41 interessados nos reunimos em uma sala da Acate, na SC-401, para uma aula de 40 minutos. Dois funcionários da empresa explicavam o que era preciso para começar a ganhar dinheiro: um carro de 2008 em diante, com quatro portas e ar condicionado, licenciamento do veículo e carteira de habilitação na categoria EAR (“exerce atividade remunerada”, emitida pelo Detran por R$ 134). Providenciei a papelada e esperei pela aprovação do cadastro.
No dia 19, participei de uma sessão de capacitação – a rigor, a exibição de um vídeo curto com pessoas descoladas e felizes dirigindo ou sendo conduzidas, bem diferentes de manés como eu e os 34 presentes. Após baixar o aplicativo no celular, aprendemos seus comandos e tiramos nossas dúvidas. Pode trabalhar no horário e dia que quiser. Parar também. Mas a partir do momento que se aceita uma corrida tem que ir buscar o cliente. Seremos avaliados pelos usuários. A média estipulada para Florianópolis foi de 4,7 estrelas, de um máximo de cinco. Após 25 viagens, quem tiver nota abaixo disso vai receber um e-mail com dicas. Mais 25, suspensão por 48 horas. Mais 25, banimento total.
No dia 26, minha conta foi ativada. No dia 28, recebi por SMS um convite para um “evento especial e exclusivo” para parceiros ativos marcado para a noite seguinte em local a ser divulgado. Era na mesma Acate de sempre, só que com mais de 400 pessoas (meus colegas), salgadinhos, refrigerantes, distribuição de um car holder (apetrecho made in China que fixa o celular na grade do ar condicionado do carro) para cada e a orientação de que ficássemos atentos, pois faltava muito pouco para a estreia da Uber em Florianópolis.
O serviço entrou em operação às 14h do dia 30 de setembro, uma sexta-feira. No sábado à tarde, resolvi fazer um teste. Fiquei online nas cercanias do Beiramar Shopping e em menos de 30 segundos já tinha passageiro para eu buscar: os namorados Nelson* e Taís, que iam da Trindade a um casamento em Santo Antônio de Lisboa. Na segunda-feira, eu entraria nessa vida para valer.
* Esse e todos os nomes citados nessa reportagem foram trocados.
P
omigo não tem balinha. Antes mesmo de a) pendurar o celular no car holder presenteado pela Uber, b) engatar o fio do carregador, c) acessar o aplicativo e d) apertar a tecla online, eu já havia decidido que desprezaria no mínimo uma das recomendações para prestar um serviço cinco estrelas. Meu negócio é levar gente para lá e para cá de um jeito rápido, seguro e agradável, cobrando bem menos do que um táxi por isso. Duvido que algum passageiro me avalie mal porque eu não lhe ofereci nada para chupar. Nem beber (duas). Muito menos ler (três): vai que o freguês é como eu, que fica enjoado se lê com o carro em movimento.
Tenho algo muito melhor do que drops, água mineral ou revistas para transformar cada momento que passaremos juntos em uma experiência inesquecível para você, baby – e não estou me referindo à cultura, beleza, carisma ou modéstia impressionantes com que papai do céu me brindou. Meu diferencial é a sonzeira. Depois do ritual para começar a operar como motorista-parceiro da Uber à vera, espeto um pen drive com mais de 400 horas de música boa de tudo quanto é tipo. Mal conecto o aplicativo, pisca a telinha. Leonardo, Terminal Rita Maria. Deslizo o botão “aceitar viagem”. Só então ligo a ignição e parto de minha base, em Coqueiros, rumo ao Centro.
A chance de topar com uma blitz era grande. Em três dias de funcionamento na cidade, 15 carros haviam sido apreendidos pela guarda municipal por transporte irregular. A fiscalização se intensificava nos horários de pico. Locais como a rodoviária representavam alto risco de ter o carro cercado por taxistas e guinchado. Bom, qualquer treta eu mostro o crachá da firma e torço para que deixem a imprensa trabalhar. A paranoia preventiva se dissipou quando vi um gurizão acenando da extremidade oposta aos pontos de táxi. Na outra mão, segurava um celular. Ia para a Serrinha. Sentou-se ao meu lado e puxou papo.
Era sua primeira vez de Uber. Oficialmente, a minha também. Calouro de Administração na UFSC. Tinha ido votar em Joinville. O pai foi candidato a vereador. Elegeu-se. O assunto terminou antes dos 24 minutos que demoramos para completar os 12 quilômetros do trajeto. O passageiro seguinte chamava-se Victor. Veterinário. Fazia um ano que tinha uma pet shop na Trindade. A crise, é, não está fácil com esta crise. Tinha pegado um Uber de manhã e aprovado, principalmente (CQD) pelo preço. Queria saber mais, se estava rolando bastante corridas, se muitos carros estavam sendo recolhidos.
Fui obrigado a lhe confessar que o jornalista ali era eu. Ele perguntou meu nome completo. Falei. Ele fingiu reconhecer e garantiu que lia minhas matérias. Não conseguiu se lembrar de nenhuma até descer em frente a um prédio no Itacorubi. Interpretei seu cinismo como uma cortesia. Na portaria do mesmo prédio, peguei o caladão Anderson e o larguei no Centro.
Voltei para a região para atender Mônica na Carvoeira. Com muito custo, me entendi com o mapa do aplicativo e achei a rua dela, uma quebrada sem saída. Parei no endereço solicitado e aguardei. Tentei contato telefônico via Uber, sem sucesso. A cliente cancelou a corrida. Era o pretexto que eu queria para encerrar o expediente. A ameaça de repressão ainda pairava no ar. E não tinha uma balinha para aliviar a tensão.
c
oje eu vou dirigir de dia. De cara, um cancelamento no Centro. Não tive tempo de me lamentar, Thomas me requisitava das imediações. Acomodou-se no banco de trás. Pô, maior bandeira! Qualquer um que me visse perceberia que eu era motorista da Uber – a não ser que estivesse, sei lá, pagando uma aposta. Mas o cara era alemão. Casualmente e em português com forte sotaque, informou que em sua cidade, Munique, o serviço já está regulamentado. Ficou no Estreito, sem desconfiar do perigo que corremos.
A telinha não parava de piscar. E eu, de cruzar a ponte com Juliana (Shopping Beiramar-Centro) e Marcos (Coqueiros-Centro), em percursos nos quais rodei mais para buscá-los do que os transportando. Gabriela me acionou de um hotel na Avenida Hercílio Luz. Não deu as caras. Liguei para ela do aplicativo. Desta vez, funcionou.
– Sim, eu realmente chamei do hotel. Mas ontem vi um rolo no aeroporto, me contaram que era por causa da Uber. Agora há pouco, a Guarda Municipal passou aqui na frente. Fiquei com medo de dar problema para você, aí resolvi esperar no posto de gasolina do outro lado da rua. Vou aqui na frente, para não suspeitarem – explicou a bióloga da pequena São Manoel (SP) ao entrar no carro para participar de um congresso na UFSC.
Estela, a cliente que atendi no Itacorubi após carregar o quieto Diogo da Trindade à Lagoa da Conceição, teve o mesmo cuidado. Enquanto eu botava suas duas malas no bagageiro, sentou-se à direita do volante e anunciou o temido destino: aeroporto. Disse que viajava muito a trabalho (não o que fazia), usava Uber em outras cidades e sabia que o serviço estava tendo problemas em Florianópolis. Estacionei entre dois táxis no embarque do Hercílio Luz. Imediatamente, outro táxi parou em fila dupla, me trancando. À espreita, viaturas da polícia federal e da PM. Ferrou. Na verdade, pensei em outro verbo com “f”.
Coloquei sua bagagem no carrinho e me despedi a uma distância não tão longe que parecesse que não tínhamos relação nenhuma nem tão perto que sugerisse alguma intimidade. Saí ileso e com R$ 20,69, meu recorde até o momento. Pena que tive que voltar sozinho. Apesar dos insistentes chamados do local, não tive peito para aceitar nenhum. Não naquela vibe ruim. Seria brincar demais com a sorte.
A noite caiu e tirou a turistada da toca. André, baiano de Feira de Santana (Carvoeira-Mercado Público). Lucas, curitibano (Intercity Hotel-Beira-mar Norte). Marcos e Raquel, sul-matogrossenses. O casal embarcou no hotel Majestic ansioso para comer camarão na Lagoa da Conceição. Lá chegando, resolvi dar um tempo para ver se pintava alguma corrida.
Uns dez minutos e surge Anja, de um hostel na Barra da Lagoa. Só podia ser uma gringa. Uma não, quatro valquírias alemãs que, em inglês, pediram para que eu as conduzisse até o cinema no Shopping Iguatemi. Foram a viagem inteira conversando na língua-mãe. Na saída, agradeceram com um “thanks”. “Danke”, retribuí, gastando todo o meu conhecimento do idioma germânico para fechar um ciclo que havia começado com um conterrâneo das louras.
H
s 14h18, um dono de táxi no aeroporto comemora em um grupo do WhatsApp do qual faço parte que a PM está na altura do Shopping Iguatemi caçando carros da Uber. Detalhe, ele não sabe que estou nessa. Dou corda. Digo que toda a concorrência é saudável. Ele desdenha. Afirma que em pouco tempo os motoristas vão descobrir que o serviço vale a pena para os clientes e para a empresa, não para os parceiros. Que a Uber pratica dumping, cobra valores abaixo de mercado para quebrar todo mundo e depois impor suas taxas. Que se eu for preso, leva uma gelada para mim. Fico tão comovido com o empenho dele em me desanimar que adio minha jornada.
Eu já estava era de saco cheio com tanta marcação. Tomara que a noite me seja leve. Natália renova minha fé ao me contatar do Shopping Itaguaçu para ir à Agronômica. Dona de loja, senta atrás e diz que a crise está cada vez pior. Roberta e um casal de amigos, todos cariocas, vão do bar ao hotel sem sair do Centro. Claudio e Marco dividem a corrida iniciada na Tenente Silveira. Um descerá na Almirante Lamego, coisa rápida. O outro, só no Bom Abrigo. No caminho, Claudio faz a pergunta que eu estava esperando desde que comecei na função: “Que música boa, o que é?”. Sim, porque o som permaneceu ligado o tempo todo e ninguém havia reparado. Esclareço que é uma faixa do disco novo de Norah Jones, Day Breaks. Ele assente com a cabeça, satisfeito.
Entrego Leo e a namoradinha sãos e salvos na Serraria, em São José, depois de eles assistirem ao filme O Lar das Crianças Peculiares no Shopping Itaguaçu. Maria Julia aproveita que eu circulava pela região e me acompanha do bairro Ipiranga a Campinas. Meia-noite, está bom por hoje. Quase na esquina de casa, em Coqueiros, Marcelo me atenta. Kobrasol, do ladinho. Dou meia volta em busca de mais um trocado. Custo a achar a rua, passo direto uma, duas, três vezes pela quadra certa. É um casal. Simpáticos, aceitam minhas desculpas pela demora – e não hesitam em me sacanear.
Até então, minha avaliação mantinha-se cinco estrelas. Conferi quando cheguei em casa e a média havia caído para 4,91. Os lazarentos fizeram com que eu me deslocasse para uma reles corrida de R$ 4,50 (a tarifa mínima, já descontada os 25% da Uber) e ainda baixaram minha nota. O lado bom foi que, ao fuçar as funcionalidades do aplicativo, descobri que havia dois comentários: “Norah Jones de trilha é sem palavras” e “Excelente pessoa!”. O serviço não revela a data nem o autor, mas um deles não era difícil saber de quem foi. Muitíssimo obrigado, Claudio.
À
uantas vezes idealizei a vida dos motoristas noturnos. Eles deveriam receber propostas de insaciáveis deusas do prazer. Conhecer malucos de todas as espécies. Participar de aventuras absurdas no submundo. Enfim, lidar com o grotesco e o sublime, a miséria e a nobreza, as dores e as delícias de, como Shakespeare definiu em Macbeth, “uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e vazia de significado”. Pois bem: é meia-noite cravada, estou há quase quatro horas na ativa e a coisa mais emocionante que me aconteceu até agora foi o carro ferver em pleno Morro do 25.
O responsável pela minha incursão pelo local foi Stephan, um passageiro que encontrei no terminal de ônibus do Centro. Bailarino. Canadense. Três anos de Brasil. Um português melhor do que o meu. Morava lá no alto, em uma das últimas casas, com os pais. Na subida, a luz vermelha do painel do carro se acendeu. Olhei para o indicador de temperatura, no talo. No painel, a mensagem intermitente: “Desligue o motor, desligue o motor”. De jeito nenhum! Disfarcei, deixei o dançarino no seu destino e só parei em um posto de gasolina na Mauro Ramos.
O radiador estava seco. O frentista não detectou se o vazamento era no bocal ou na mangueira do reservatório, mas iria providenciar uma gambiarra que, prometia, permitiria que eu rodasse até em casa. Esperei o carro esfriar, completei a água e me mandei. Ana me aguardava em uma cervejaria.
– Ei, acho que já andei com você! – exclamou o namorado dela ao me ver.
– Diogo, terça, Trindade-Lagoa?
– Isso! Vamos para aquela rua onde você me buscou naquele dia.
A lembrança do seu nome o tornou loquaz. Falou que trabalhava em uma empresa de tecnologia na Lagoa, que ele adorava Uber e que os taxistas tinham mais era que se arrombar. Surpreendido com minha memória, eu nem prestava atenção em seu discurso. Assim como não dei muita bola para três moleques e uma guria semi-embriagados que levei à boate 1007. Foi quando Rafael me chamou da Esteves Júnior. Cheguei lá, ninguém. Cancelei a viagem, assinalando a alternativa “cliente não apareceu”. Dez minutos e Rafael apita de novo, agora da pracinha em frente ao supermercado Hippo. Eram três caras.
– Rafael? – perguntei.
– Não, Rafael é nosso amigo que tem conta na Uber. Fizemos o pedido com o cartão dele – respondeu um deles.
– Vamos para a Tapera – completou outro.
Fiquei cabreiraço. E mais ainda quando, já dentro do carro, me perguntaram se o pagamento era efetuado só com cartão de crédito.
– É, não tenho dinheiro nenhum aqui – cortei, denunciando meu nervosismo.
Na alça de acesso ao túnel em direção à Via Expressa Sul, oh, não, os tiras! Quase torci para que fosse uma blitz. Se era, não notaram nada suspeito no meu carro que motivassse uma abordagem. Pelas conversas no caminho, saquei que meus clientes não passavam de honestos trabalhadores. O trio superou a marca de Estela, me rendendo R$ 26,68. Mas os 26 quilômetros sem passageiros da volta acabaram com minha alegria. Contando com a ida, eu havia gasto uns R$ 20 de gasolina. Baita lucro.
Q
s situações peculiares da noite anterior fizeram com que eu encarasse esta tarde, a despeito da certeza de que iria me incomodar com o trânsito do último dia útil da semana. Para encorajar os motoristas, a Uber realiza promoções que garantem no mínimo R$ 25 por hora em períodos de alta demanda. As condições são: ser cadastrado em Florianópolis (OK), inscrever-se para os descontos semanais (beleza), ter avaliação dos usuários superior a 4,8 (é nóis), fazer pelo menos uma viagem por hora (tamo junto), permanecer online por no mínimo cinco horas (depende da disposição) e aceitar pelo menos 70% das viagens.
Nesse último quesito é que eu me estrepo – ironicamente, por zelar pela qualidade do serviço. Pela minha lógica, não devo aceitar uma corrida se estiver no meio de outra. Porque assim vou deixar o próximo passageiro esperando muito, ele ficará descontente e economizará nas estrelas pela minha demora em atendê-lo. Se cancelar por ter cansado de me esperar, pagará a tarifa mínima e amaldiçoará a Uber por ter cobrado por um serviço que não foi prestado. Donde meu índice de viagens aceitas nunca ultrapassou os 60%.
Enquanto perdia tempo e dinheiro com Felipe do Pantanal ao Shopping Iguatemi, por exemplo, dispensei duas chamadas. Com Charles (João Paulo-Córrego Grande), mais três. Com Angela nem lamentei ter ignorado outras duas, tampouco com o fato de pedir que eu a levasse à arriscada rodoviária. Representante comercial de um laboratório farmacêutico e linda, a loura mignon inebriou o carro com seu perfume. Não me aguentei e lhe contei quem eu era e o que fazia ao volante. Achou a pauta sensacional. Interessada, perguntou quando a matéria seria publicada e me autorizou a usar seu nome verdadeiro. O namorado que ela iria visitar em Piçarras era um sujeito de sorte.
O gamer Augusto me trouxe à realidade rapidinho. Além de cabeludo, suado e com o cofrinho à mostra, ia para o Kobrasol. Atravessar a ponte no final de tarde de uma sexta corroborou minhas piores impressões sobre o comportamento do bicho humano no trânsito. Em um congestionamento, as pessoas furam fila, xingam, comportam-se como selvagens. Protegidas pelo anonimato (no caso, proporcionado pela lataria), têm atitudes que não teriam em nenhum outro contexto. Parece que estão na internet, de tão mal-educadas que se tornam.
Não tenho mais saúde, idade ou energia para isso. Já que estou no continente, vou parar por aqui. Opa, dois comentários inéditos: “Muito agradável!” e “Valeu pela ‘carona’, Emerson! :)”. Pensar que um deles pode ter sido de Angela provoca um bem danado em minha autoestima. Meu Deus, como homem é bobo.
A
N
os e-mails da Uber enviados aos motoristas informando os dias e horários com maior procura pelo serviço, o espaço destinado aos sábados é sucinto. “O dia inteiro”, sintetiza. Não é exagero. A demanda reflete-se pela frequência. Rarissimamente o parceiro vai ficar circulando a esmo, sem passageiro para transportar. Comprovei isso na prática. Fui emendando uma corrida na outra, e o que é melhor: sempre com a origem seguinte próxima ao destino anterior. Começou com Luiz, no Centro.
– Vamos para a Lagoa da Conceição, mas tenho que passar em um lugar antes.
Você manda, chefe. O tal lugar era uma pirambeira na Prainha. Ele falou para esperá-lo, que já voltava. E desapareceu. Esse cara vai me dar o cano, imaginei. Não, senão ele não teria deixado o moletom no banco ao lado. Com 17 minutos, deu sinal de vida.
– Embacei, desculpa.
E mais não disse nem lhe foi perguntado. Voltamos a conversar somente na sua rua, perto da igrejinha da Lagoa. Como quem não quer nada, ele comentou que era complicado achar um Uber pelas redondezas. Propôs que eu lhe desse meu celular, que me ligaria à noite para levar ele e a esposa ao show do Jota Quest no P12, em Jurerê Internacional. Aleguei que o Uber não permitia que o motorista combinasse viagens, sob pena de banimento. Notei que ele ficou um pouco desapontado. Aí me lembrei que eu tinha um exemplar de Pancadélico – CD lançado pela banda mineira em 2015 – que a gravadora me enviara, pois também cometo críticas musicais. Estava abandonado no nicho sobre o quebra-sol, lacradinho e tudo.
– Ó, para sua mulher. O único inconveniente é que a assessoria escreveu meu nome com pincel atômico na capa, tudo bem? – ofereci.
Seu rosto se iluminou por ganhar o mimo. O meu idem, por me livrar do mico. Estando bom para ambas as partes, desejei-lhe um excelente show e fui buscar Karine no centrinho do bairro. Ela me aguardava de mão dada com um baixinho parrudo. Eram cariocas, estavam na cidade para ele disputar um campeonato de jiu-jitsu no Instituto Estadual de Educação (IEE), no Centro.
A fortuna me sorria. Gabriele (Centro-Morro das Pedras), Christian (Campeche-Lagoa da Conceição), Jeferson (Lagoa da Conceição-Trindade), José (Córrego Grande-Floripa Shopping), Henrique (Primavera Garden-Canasvieiras), Tiago (Canasvieiras-Jurerê Internacional), Antonio (Jurerê Internacional-Canasvieiras). Estava escuro quando peguei a SC-401 no sentido Centro para gozar do merecido descanso. Foi, disparado, meu melhor dia.
Conforme a praga que o urubu rogou na quarta-feira, o serviço era bom demais para o usuário e para a Uber, não tanto para os parceiros. De acordo com o que a empresa trombeteava nas sessões de capacitação, um motorista em atividade por quatro horas diárias, seis dias por semana, fatura em média R$ 1,8 mil mensais. Proporcionalmente, pelo tempo que trabalhei, renderia algo em torno disso. Só que o tanque bebeu quase a metade.
Concluí que, a título de remuneração complementar, estava razoável. Como em qualquer outra área, para ser bem-sucedido o parceiro deve se profissionalizar. Ou seja, estudar as rotas mais econômicas, operar durante os horários mais lucrativos e, principalmente, converter o carro para gás natural. Se a Uber não me banir por causa desse diário, pretendo continuar nossa parceria em regime diletante: talvez apenas aos sábados, uma ou outra noite nos dias de semana. É, não foi dessa vez que o jornalismo se livrou de mim.
TOTAL
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