BAÚ DE

memórias

Crédito: Arquivo Pessoal

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Sob o regime do Império, o catarinense José Manuel de Souza Sobrinho, pai de Brazilício, segue ordem de Dom Pedro II

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osé Brazilício de Sousa era filho único. Seus pais foram Rita Inácia e José Manuel de Souza, primos-irmãos nascidos no ano de 1817, em Nossa Senhora do Desterro. A família dele, tanto do lado paterno como materno, era nativa da província de Santa Catarina. Existem documentos que mostram as levas de terra que os antepassados tinham na região da Tapera, Sul da Ilha, concedidas por sesmarias.

Por ser oficial do Exército, o pai dele teve que morar em outros lugares do Brasil Imperial. A isso se deve o fato de Brazilício ter nascido na cidade de Goyana, província de Pernambuco, em 9 de janeiro de 1854. Quando o menino tinha dois anos de idade, em março de 1856, o pai voltou à capital catarinense. José Manoel foi promovido a capitão pelo imperador D. Pedro II e por duas vezes chegou ao comando da força de segurança pública criada em 1835, a atual Polícia Militar.

Brazilício cresceu na casa número 35 da Rua Fernando Machado. O menino recebeu uma educação primorosa. Abastados para a época, a vida dos Souza destacava-se em um lugar pobre, pouco povoado e de maioria analfabeta. Em 1872, quando ele tinha 18 anos, o censo apontava que Desterro possuía 25.708 moradores registrados.

No coração da velha cidade iluminada por lampiões, Brazilício estudou e constituiu a própria família. Tornou-se músico, professor, astrônomo, cronista. Os pais de Brazilício viveram em Desterro até o final de seus dias. Mantiveram-se sempre próximos ao filho, o qual correspondia com dedicação. Sobre a morte do pai, aos 78 anos, escreveu uma carta emocionada ao amigo Ludwig Zamponi, professor da Universidade de Graz, na Áustria.

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"Desculpe-me por não ter respondido mais cedo à sua carta de 27 de maio. Quando a recebi, estava muito deprimido por causa da doença que afligia o meu velho pai. Os dias passaram-se e, apesar do grande esforço feito pelo médico, a doença progrediu bastante. Finalmente, no dia 16 de julho, após muitos sofrimentos, meu querido pai morreu, com pesar para aqueles que o amavam tanto. Poderá avaliar a dor que este fato causou em nossa família, principalmente em minha mãe, que estava casada há quarenta e cinco anos. Só o tempo poderá aplacar esta dor."

Última fotografia (1909): Brazilício (ao centro) com os filhos Álvaro (em pé à esquerda) e Enéas (em pé à direita), as mulheres são: Constança, criada pela família, e a filha Clara Rosalleta (sentada à esquerda) e a nora Aída, esposa de Enéas (sentada à direita de Maria Carolina Corcoroca)

 

Crédito: Arquivo Pessoal

Estava escrito nas estrelas. Por 30 anos o casal viveria uma história de amor. Até a chegada da morte. Primeiro dela, depois dele. Da mesma doença. E com uma diferença de apenas cinco dias.

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família de Brazilício tinha uma chácara nas imediações onde hoje se localiza a Praça Getúlio Vargas, ou Praça dos Bombeiros. Também possuía várias casas espalhadas em diferentes pontos de Desterro. Uma delas ficava na Rua Fernando Machado, onde passou a infância. Outra ficava nos altos da Esteves Júnior, e ali viveu a adolescência. É provável que essas caminhadas até o “centro” da cidade tenham feito com que ele se encantasse por Maria Carolina de Sousa Corcoroca. A moça morava onde hoje existe a agência do Banco do Brasil, em uma das esquinas da Praça XV.

Bem jovens, vivenciaram um cortejo gracioso. Haveria algo comum e muito forte entre os dois: o gosto pela escrita e pela música. Maria Carolina se tornaria pianista e poetisa. Mais tarde escreveria sob o pseudônimo de Semírames. Já para os 15 anos dela, antes mesmo de formalizarem o namoro, Brazilício compôs a valsa 12 de Abril.

Estava escrito nas estrelas. Por 30 anos o casal viveria uma história de amor. Até a chegada da morte. Primeiro dela, depois dele. Da mesma doença. E com uma diferença de apenas cinco dias. Maria Carolina se despediu aos 54 anos, em 25 de março. No dia 30, uma ulceração na pele, comum na época, cerraria os olhos do homem que passava horas olhando para o firmamento.

Apesar dos avisos e cuidados, Brazilício se contaminou, provavelmente, quando trocava os curativos da esposa. O médico Antônio Vicente Bulcão Viana tentou salvá-lo. Em vão. Brazilício ardia em febre enquanto uma infecção generalizada tomava conta do organismo.

Era 1910, um ano de esperadas transformações, prenunciadas pela passagem do cometa Halley. Por muito tempo, a humanidade associava o fenômeno a maus presságios. O brilhante Halley foi visto a olho nu pelos moradores de Desterro. É possível que algum deles tenha se lembrado de Brazilício, capaz de observar de forma racional o carrossel de estrelas que gira suspenso na abóboda celeste.

Fachada da residência onde o astrônomo e
Maria Carolina viveram e criaram os filhos

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Casa na Rua Fernando Machado, onde Brazilício passou a infância e a mocidade

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a união do casal nasceram cinco filhos. José Alypio, o mais velho, talvez aquele com maior influência do pai. Aos 17 anos era um idealista entusiasta, envolvendo-se na Revolução Federalista de 1893. Um ano depois, se livraria da forca ou do fuzilamento a mando do marechal Floriano Peixoto, no massacre da Fortaleza do Anhatomirim. O número de mortos oscila de 34 a 185 vítimas. Foi arrancado de lá, a duras penas, pelas mãos de amigos. Provavelmente de conhecidos do pai ou do avô, militar que havia sido. Enviado para estudar em São Paulo, teria um fim não menos triste: morreria em Santos, vítima da febre amarela, aos 31 anos.

Diferente do destino do irmão Álvaro, que se dedicou exclusivamente à música tornando-se compositor e professor de piano, de flauta e de outros instrumentos. Exímio flautista, mereceu do virtuoso Patápio Silva (1880-1907), um elogio: “ Esse moço toca mais do que eu”. Patápio era um dos nomes mais importantes da música brasileira no início do século 20, e fez o comentário durante os ensaios para um concerto que daria em Florianópolis. A apresentação, aliás, não aconteceu, pois Patápio morreu dias antes. Álvaro é um dos fundadores da Sociedade Musical Amor à Arte, que ainda existe em Florianópolis.

Maria Carolina (Gigi) casou com um português radicado em Santa Catarina. O casal se mudou para Portugal e não mais voltou à terra natal. Enéas casou-se duas vezes, sendo a primeira com uma moça de Laguna, Aída Sousa, em 1909, e depois teve um segundo casamento, com Joana Maria de Oliveira.

Clara Rosaleta (Catita), poetisa, casou-se com Heitor Capela do Livramento.

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José Alypio, que se livrou de morrer em Anhatomirim, envia cartão felicitando os pais pela chegada de um novo ano

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