a trajetória vitoriosa da Chapecoense embalou
Santa Catarina no sonho de conquistar o primeiro título continental. Com o desastre aéreo que tirou
71 vidas na Colômbia, o clube ganha espaço no coração
do mundo e angaria demonstrações de solidariedade e força.
Gestos que pintam de verde e branco – com esperança e paz
– a memória de todos NÓS
A Chapecoense pra gente sempre foi um time fora de série
Roberto Panarotto
É vocalista da Banda Repolho, sócio do Estúdio Alice de design e professor da
Unochapecó nos cursos de Produção Audiovisual e Publicidade e Propaganda
o
verde e branco que hoje toma conta do mundo sempre foi velho conhecido na rotina da cidade. Cores que muito antes disso já nos uniam e criavam essa força de identificação que se estendia além do estádio, da cidade e da região. Nascemos chapecoenses porque nascemos em Chapecó. Nos tornamos Chapecoense quando assumimos as cores, uma insígnia e essa paixão.
A história recente é conhecida, mas vou falar de pequenas lembranças que merecem ser compartilhadas.
Desde pequeno, eu e meus irmãos (Demétrio e Ricardo) íamos com o pai Caetano Panarotto (em memória) ao campo. Nessa época, a Chapecoense era conhecida como Súcia, uma abreviatura de Associação Chapecoense de Futebol, com toque regional. Era final da década de setenta e não tínhamos o entendimento do jogo, a gente ia porque era divertido, tinha pipoca, refrigerante e era engraçado ver as pessoas xingando o juiz. No campo aprendíamos sempre um novo palavrão. O nosso hino era “ai, ai, ai, meu furacão querido, a torcida te agradece furacão, por mais um jogo vencido”, de composição do Valdivino Telles da Silva.
Com a banda Repolho, expressamos nosso sentimento pela Chapecoense através da música. A gente ensaiava ao lado do Índio Condá, na casa do baterista Anderson Gambatto. Compusemos uma música que no final da década de 90 se transformou no grito de guerra da torcida organizada. Na real, eram grupos de pessoas conhecidas e amigos que se reuniam para torcer, fazer festa e xingar as pessoas que queriam ver o jogo sentadas. Se é para torcer tem que ser de pé, em pé de guerra. Se quer ver o jogo sentado, vai assistir em casa.
A música Índio Condá, um rock com batida tribal com Dead Kennedys, foi gravada no segundo disco da banda de 98, mas já existia desde 93. Os shows da banda em Chapecó sempre nos renderam momentos dedicados à Chapecoense. Descíamos até o público e em grandes rodas formávamos uma só tribo. Eventualmente contávamos com a presença do Fernando Mattos (na época, locutor esportivo) que ao microfone anunciava a escalação da chapecoense e narrava os gols. A música que no disco tem 1’50”, nos shows durava uns 15” e sempre terminávamos com gritos de “verdão ê ô, verdão ê ô” ou então “i i i, nós vamos invadi”. Esse ritual se repetia quando nos apresentávamos em outras cidades. Era engraçado, porque as pessoas não sabiam do que se tratava, mas entravam no espírito e se divertiam junto. Acabávamos, por isso, reconhecidos como a “Banda Repolho de Chapecó”. A cidade virava sobrenome da banda.
O momento é de tristeza, a pior de todas as dores, de não saber como reagir. Nunca vimos reações como estas que estão acontecendo. Poucas vezes pude ver um sentimento coletivo acontecendo dessa forma.
É tudo muito rápido e intenso.
Moramos (eu e meus irmãos) durante um bom tempo na rua atrás do estádio, a Assis Brasil. Vimos o estádio crescer e se tornar uma grande arena. Depois de adulto, nem sempre fui de ir ao campo, mas gostava de ver o jogo em casa e brincava que tinha o melhor som estéreo do mundo, porque era só deixar a janela aberta e ouvir a reação da torcida. Dava para entender tudo o que acontecia através dos “uhhhh”, dos “ahhhhh” ou dos gritos de gol. Somos uma cidade pequena e todo mundo, de certa forma, é vizinho do estádio. Nos últimos anos, nos acostumamos as grandes conquistas, a ver os jogadores, os ídolos de uma geração, transitando pela cidade. Muitos conhecidos e amigos estavam no voo. Poderia mencionar um por um, mas me detenho no nome do Chinho Di Domenico, vizinho na Assis Brasil e que integrava a comissão técnica desse time vitorioso da Chapecoense. O Chinho era apenas um dos exemplos de profissionalismo, paixão e dedicação ao clube. Por isso a Chapecoense é forte e conquistou o reconhecimento de todos.
Sempre fomos torcedores e nunca nos importou se estávamos na série C ou D, ou seja lá que série fosse. Muito antes de ser Chape, muito antes do estádio se tornar arena, muito antes de qualquer projeção nacional, torcer era o mais importante. Hoje, o mundo volta os olhares para o nosso verdão do oeste e a Arena Condá se torna o centro de uma história escrita com dor e sofrimento dos nossos guerreiros. O momento é de tristeza, a pior de todas as dores, de não saber como reagir. Nunca vimos reações como estas que estão acontecendo. Poucas vezes pude ver um sentimento coletivo acontecendo dessa forma. É tudo muito rápido e intenso. A extrema alegria da possibilidade de conquista de um título internacional, que virou dor, que virou silêncio e que está virando força e garra para seguir adiante. Assim seguimos em frente em uníssono sentindo e respirando as mesmas dores.
As grandes histórias se fazem com grandes guerreiros e intensidade de sentimentos que merecem ser contadas para as próximas gerações como força e motivação. Não sabemos o que vai ser do futuro. Nesse momento, o que eu sei é que a Chapecoense transcendeu, virou mito e conquistou todas as estrelas do mundo. Força Chapecó.
Quando não é
preciso pedir silêncio
Demétrio Panarotto
É doutor em Teoria Literária, professor universitário, escritor e guitarrista da Banda Repolho
h
á um lugar no tempo e no espaço em que o mundo é silêncio.
Há um lugar em que tudo para.
Um lugar em que o corpo parece não reagir aos comandos, como se estivéssemos entregues a uma força que nos impede de mover.
Impotência parece a palavra mais eficiente quando falamos disso.
A impotência é, em algum ponto, parente da loucura.
O corpo parece preso, como em um sonho/pesadelo em que tentamos fugir da asfixia que se encontra ao lado (ou debaixo ou sei lá eu onde) da cama.
Não sabemos como ela é.
Mas a asfixia está ali.
Muitas vezes de modos (roupas, aparências) diferentes.
Está ali, sempre esteve e estará ali, marcando o seu território.
Ela anuncia em alto e bom tom, ou no silêncio – a asfixia é sempre o excesso – que somos muito mais fracos do que pensamos, por mais que por fora, nessa carcaça que carregamos, tentamos passar uma outra imagem.
Nesse ponto parece que a vida precisa recomeçar de novo, do nada.
A questão é que não sabemos nem como nem por onde.
Esse tipo de sensação experimentamos de um modo intenso, mas diferente, quando perdemos alguém da família, um parente, um amigo querido ou, até mesmo, quando nos sentimos fragilizados depois de perdermos um amor (que supúnhamos mais forte do que realmente era).
Independentemente de como essas coisas acontecem, com menos ou mais intensidade, parece que entendemos (ou apenas nos lembramos) que a morte é o limite.
Pois em cada situação dessas há uma morte, ou um pedaço de nós que parte junto.
Mas há algo que supera o lugar do entendimento, ou desse entendimento as vezes pueril.
Isso se dá quando a morte é coletiva.
Quando aliada a perda de alguém muito mas muito especial a morte leva embora dezenas de vidas e junto um sonho que havia se transformado em um sonho de todos.
A morte do sonho coletivo transforma o silêncio de um no silêncio de todos.
No silêncio coletivo ouvimos aquilo que não gostaríamos de ouvir.
Não é mais apenas um corpo que cai (sequer dezenas).
Mas são milhares de corpos que caíram.
É quando a realidade transforma o ditado – tudo que sobe um dia cai – em chaveirinho.
Quando a realidade – esse espelho das nossas limitações – é muito mais assustadora e cruel.
Desse silêncio coletivo, esse que asfixia, que transforma tudo em cinzas, que fez as pessoas andarem por algumas horas como zumbis, emergiu um grito coletivo.
A cidade gritou.
Ninguém consegue imaginar o que é uma cidade inteira gritando de dor.
Primeiro, foi em tom de desabafo.
Depois, um a um, gritou o nome de seus ídolos.
Isso não trás a vida de volta.
Apenas anuncia que aqueles que alçaram voo não o fizeram sozinhos.
E que se a realidade é cruel, o sonho de todos pode superar a perda e transformar a dor em solidariedade.
É na solidariedade que o sonho se refaz e brota ainda mais forte.
Um time se faz de pessoas solidárias e comprometidas, pois se olha pra frente, reforço, pra frente, sabendo que ao lado tem alguém contigo, peleando, com alma e coração, porque amam juntos, respiram juntos, sentem juntos.
Força Chapecó.
Força a todos os que amam e que acreditam nos seus sonhos.
Há um lugar no tempo e no espaço em que o mundo é silêncio.
O sonho não acabou.
Não teve esse texto
Marcos Piangers
Colunista do caderno Nós
e
u não escrevi nada desde que tudo aconteceu. Eu não escrevi nada porque escrever sobre isso é materializar e aceitar o que aconteceu. O que aconteceu é inaceitável.
Tem um mundo paralelo, onde acordei na terça-feira e tudo estava como era antes. O sol nasceu normalmente, o trânsito fluiu. As pessoas chegaram pra trabalhar. As conversas foram as habituais, o café, o frio em novembro, o ano que passou rápido. Aviões pousaram normalmente, todo mundo jantou e foi dormir. Teve ligação de boa noite. Teve mensagem de áudio. Tá tudo bem, meu amor. Eu te amo muito. Dá um beijo nas crianças. Também te amo. Te cuida.
Teve jogo. Nem vi quanto deu. Teve entrevista, banho, conversa, mensagem. Teve risada, voo de volta, jogo de volta, férias. Teve Punta Cana. Teve volta ao trabalho, teve segunda-feira difícil de encarar, teve cansaço, teve briga. Teve gente se esquecendo que briga não leva a nada. Teve tá na hora de parar, teve aposentadoria, teve velhice. Teve despedida difícil, dolorida. Teve gente chorando, não chora não, tá tudo bem. Teve hospital, teve a última noite, teve beijo de tchau, teve neto abraçando. Te amo, vovô. Teve choro no velório, teve negação, teve raiva, tristeza, aceitação. Teve outro dia que amanheceu. As pessoas foram trabalhar. Os aviões pousaram normalmente. Teve a vida que podia ter sido e não foi. Não teve esse texto.
Eu não escrevi nada desde que tudo aconteceu porque é inaceitável, é imoral, é improvável, é absurdo. Foram muito bonitas as homenagens, foi tudo emocionante e todos foram tão respeitosos e eu chorei por causa dos amigos, eu chorei por causa das pessoas que eu conhecia que estavam lá dentro do avião, eu chorei imaginando meus amigos em um avião caindo com as luzes apagadas em uma noite fria no meio da floresta. Eu chorei vendo as homenagens, chorei vendo quem ficou dando entrevista na televisão. Eu chorei escrevendo esse texto. Porque esse texto não era pra ter sido escrito. Esse texto aqui é um absurdo. Eu lamento que esse texto tenha existido.
A história da Chape está só começando
André Timm
É escritor gaúcho radicado em Santa Catarina. Mudou-se com a esposa para ficarem por apenas um ano,
mas já estão há 13 em Chapecó, lugar onde o time ganhou reforço, há seis anos, com a chegada de Sofia, chapeoense de coração e certidão
h
oje não importam as PECS, as polarizações, as ideologias. Não importa o Temer, a Dilma, nem o Calero. Hoje não importam o impeachment, o golpe, a recessão. Hoje não importam as palavras ríspidas trocadas com alguém que se gosta, a reforma sem fim do vizinho, as manobras escusas articuladas na calada da noite. Definitivamente, hoje não importa nada do que aconteça nas redes sociais, com suas veleidades e vaidades. Nada disso importa, hoje tem Chape.
Não importa a Lava-Jato, o Moro, o PMDB. Não importa o PT, a câmara, a Assembleia. Não importa o Trump, o Brexit, o capitalismo. Hoje você conta as horas para que a noite chegue logo, antecipa a euforia a partir do lugar cativo, no sofá ou na arquibancada. Hoje não importa o pão nem o circo. Não importa se você usa uniforme azul, laranja, branco, crachá ou terno e gravata. Só importa o orgulho de vestir a camisa do melhor time de que já se teve notícia. Hoje não importa se você é branco, negro, amarelo, não importa a imprensa marron.
Somos todos verdes. Hoje não faz diferença se você ocupa ou se você bate panela, se você é situação ou oposição. Hoje, a única ocupação que importa é na Arena, onde todos estão reunidos pela mesma razão, onde é possível gritar sem medo, desatar o nó na garganta, xingar, perdoar e ser perdoado. Hoje, por algumas horas, pouco importa o cheque especial, os juros abusivos, o financiamento atrasado, o Serasa. Hoje tem Chape. Hoje, outra vez, vamos presenciar o inacreditável com espanto, compreender na prática o que significa superação. Série D, Série C, Série B, Série A.
Hoje é dia de ver um time fora de série em campo. Hoje ninguém se importa com as suas convicções, sejam elas quais forem. A única convicção que vale a pena hoje é aquela que não deixa dúvidas sobre a vitória do Verdão. Hoje não tem Atlético, Palmeiras, Botafogo. Hoje não tem Grêmio, Inter ou Joinville. Não tem Avaí, Ponte Preta ou Bragantino. Hoje só tem Chape. Hoje você olha para o céu e é possível ver que ele está mais estrelado, que as constelações se realinharam no firmamento para comportar uma escalação de novos astros.
Hoje dá para ver que a Chape vai seguir fazendo o que sempre fez de melhor: nos fazer felizes por uma hora e meia, nos fazer esquecer, por dois tempos, esses tempos estranhos que temos vivido, nos dar força para seguir, para resistir, nos tornar mais próximos, menos indiferentes, mais humanos, mesmo que seja só por algumas horas. Hoje todos os olhos estão voltados para nós, e o mundo só está descobrindo o que já sabemos faz tempo.
A Chape é maior que tudo isso e sua história está só começando.
Os nossos meninos
Que escutem em todo
o continente, sempre recordaremos a campeã Chapecoense.
canto de Homenagem da torcida do Atlético nacional à Chapecoense
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André Luiz Goulart Podiacki, o Podi, 26 anos. Repórter de Esportes do Diário Catarinense
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