A FALTA DE EFETIVOS DEIXA CIDADES
COM UM POLICIAL MILITAR POR TURNO
texto | DIOGO VARGAS
fotos | betina humeres
insuficiência de efetivo das polícias Militar e Civil já muda o cenário sossegado do interior catarinense. Há cidadezinhas com apenas um policial militar de serviço nas ruas e postos e delegacias fechados em determinados horários, principalmente à noite. Mesmo em um município que abriga uma penitenciária com mais de mil detentos – e onde será ativada, ainda este semestre, uma ala de segurança máxima para abrigar os detentos mais perigosos do Estado – há apenas um PM por turno. Conhecido por suas diversificações regionais, lugarejos preservados e rodeados de mata nativa, e pela simplicidade do povo, o interior enfrenta, nos últimos anos, a ação de quadrilhas armadas que atacam e explodem bancos inteiros, sitiam os municípios com rajadas de tiros, fazem reféns e atiram em quem resistir, dominando os poucos policiais de plantão em minguados destacamentos.
No dia 1o de abril, três explosões interrompem o silêncio da madrugada na Rua 29 de Dezembro, onde está concentrado o comércio de Rio do Campo, cidade com 6.113 habitantes, no Alto Vale. Marilze Esser, 33 anos, dona de uma loja de roupas, acorda com o barulho, assim como a maioria dos moradores. Eles desconfiam de explosão de gás ou até batida de carros. Alguns olham pela janela ou vão para a rua. Logo dão de cara com homens mascarados portando fuzis e recuam. Os criminosos estão posicionados em frente à agência do Banco do Brasil. Como faz diariamente, o motorista Fernando Moreira, 30 anos, cruza a via de ônibus para levar funcionários a uma empresa. No caminho é obrigado por um assaltante a parar e, rapidamente, rendido.
– Medo não senti na hora, fui sentir depois, em casa. Apontaram arma e falaram “vai para dentro do ônibus”. Depois escutei dois disparos para o alto – recorda Moreira.
Na fuga, após saírem com o dinheiro, os bandidos deixam miguelitos (pregos retorcidos para furar pneus) na estrada. O tempo passa e nem sinal de algum policial. A cidade está desguarnecida. O PM do turno cumpre folga, e o colega, o banco de horas.
O reforço mais próximo fica em Santa Terezinha, a 25 quilômetros. Lá, outro único policial está de plantão. Colegas da região são mobilizados e vão para Rio do Campo. Cientes do alto poder de fogo com o qual iriam topar pela frente, torcem para não encontrar a quadrilha e aguardam as guarnições de Taió, a 37 quilômetros dali. A caçada não surte efeito: os bandidos conseguem fugir.
Vinte dias depois de um assalto considerado histórico para a população de Rio do Campo, onde crimes de rotina costumam ser perturbações por som alto e acidentes de trânsito, a fachada do banco ainda continuava com tapumes, vidros seguiam quebrados e não havia caixas eletrônicos. Realizar saques era impossível. A população foi avisada pela gerência do banco que a retomada dos serviços poderia levar até 40 dias.
Esse tipo de ataque violento, traumático e que leva prejuízos aos municípios já é considerado um fenômeno nacional e está cada vez mais frequente no Estado, principalmente em recantos isolados. Com o efetivo encolhido nas últimas décadas, as forças policiais convivem com efetivo escasso no interior, gerando clamores da população por mais segurança e levando preocupação a associações e sindicatos das categorias. As cidades pequenas são as mais visadas pelos caixeiros – como são chamados os ladrões que usam explosivos para dinamitar os caixas eletrônicos. Em Santa Catarina, são raros os municípios ainda não amedrontados por esse tipo de ocorrência, que leva medo também às áreas rurais, por conta das fugas dos criminosos depois dos roubos e assaltos.
A tensão aumenta no começo do mês, quando os bancos são abastecidos para o pagamento de trabalhadores. É nesses dias que assaltantes vindos de outras regiões de SC e de Estados como o Paraná identificam a cidade com poucos policiais e agem – de madrugada ou pela manhã. Quem oferecer resistência vira alvo. Nem a polícia encara os bandos. Todas as tentativas de caçada policial só acontecem após mobilização regional, o que leva tempo e dificulta as capturas, sem contar a existência de inúmeras rotas de fugas.
m regiões como o Planalto Serrano e o Alto Vale, no coração do Estado, o Diário Catarinense constatou a presença, geralmente, de um único PM atuando por turno de 12 horas de serviço. Em Rio do Campo, Santa Terezinha e São Cristóvão do Sul, cartazes na frente das delegacias da Polícia Civil indicam a limitação de horários e dias de atendimento. As unidades mantêm portas fechadas à noite e inexistem câmeras de segurança nas ruas. Em Trombudo Central, a PM funciona até às 2h.
Como agravante, nem sempre os policiais vão aonde o crime está acontecendo. A primeira ordem, indicada pelos próprios comandos, é reconhecer a situação de fragilidade dos destacamentos e assegurar a própria vida. Em caso de grandes assaltos durante a madrugada, por exemplo, ninguém se arrisca a enfrentar as quadrilhas sem o apoio de guarnições da região.
As cidadezinhas ficam mais vulneráveis durante os procedimentos das prisões em flagrante, pois raramente contam com delegado plantonista, e os militares têm que se deslocar até as cidades maiores da região para oficializar a ocorrência. À noite, é fácil encontrar postos da PM fechados ou com os policiais trancafiados aguardando a hora passar e na torcida para que assaltantes de banco escolham um alvo distante.
Nessas regiões, os policiais militares e civis evitam dar declarações e entrevistas, por medo de sofrer sindicância dos comandos e punição. Por trás de cada farda, o semblante é de medo, ansiedade, preocupação e angústia por não poder cumprir a todo instante o zelo à comunidade. Muitos nasceram nesses locais, onde, agora, trabalham e que vivem para proteger. Por isso são chamados pelo nome ou apelido pelas pessoas que os conhecem, um a um. Mesmo em casa, recebem telefonemas quando alguém está em apuros ou precisando de auxílio.
m Mirim Doce, cidade distante oito quilômetros da BR-470 e com 2.424 habitantes no Alto Vale, praticamente todos os moradores se conhecem e costumam avisar a polícia quando desconfiam de estranhos ou atitudes suspeitas. Em geral, há um único policial militar por turno de 12 horas de serviço nas ruas.
– Se a gente vê algo estranho, já comunica a polícia, que verifica o que estão fazendo. Eu saio às 6h e sempre deixo a janela aberta, só volto para fechar quando está chovendo. Mas é claro que precisamos de mais segurança, seria bom – afirma Bernadete Novaes dos Santos, a Dete, 49 anos, dona de um restaurante e vereadora.
O sossego também faz parte. Trabalhadores deixam mochilas com os pertences em árvores da praça, mas já houve crimes graves. Num dos últimos roubos em Mirim Doce, anos atrás, ladrões levaram o cofre inteiro do banco. Uma câmera de um estabelecimento comercial flagrou os criminosos saindo sem pressa com o porta-malas aberto a 150 metros da delegacia. Conhecedor de histórias sobre pistoleiros, mortes e épocas em que as pessoas se armavam bastante no campo para se proteger de inimigos, o agricultor aposentado Evaldo Machado, 78 anos, considera a cidade tranquila.
– O policial veio perguntar se aqui era perigoso. Sei que trabalha um policial, que se reveza, não tem muito serviço. Acho que ainda demora para acontecer algo que acontece na cidade grande – estima Machado.
Eu estava em casa quando deu a explosão, acordei com o barulho forte, não deu muito tempo de pensar. A gente achou que era pneu estourando, mas era mais forte do que isso. Até que soube que tinham explodido o caixa eletrônico. Viemos, somos amigos do gerente, que morava em cima do banco. Parecia cena de filme: poeirama levantando, enchendo de gente para ver.
O relato é da comerciante Clodiane Conceição Smyk Granemann, 49 anos, moradora de Ponte Alta do Norte, cortada pela BR-116, no Planalto Norte. Ela recorda um ataque com explosivos ao banco Bradesco na madrugada de 17 de março de 2014. Assustada e preocupada com a realidade a que a população e os policiais estão expostos na cidade de
3.397 habitantes, Clodiane comenta que o efetivo da PM é pouco e conhecido por toda a comunidade. O DC encontrou um policial patrulhando sozinho a cidade no turno da manhã. Outro militar aposentado ajudava no expediente interno, mas sem sair para ocorrências, uma cena comum em outros municípios da região.
– Aquele dia do assalto ao banco, eu cheguei alguns minutinhos antes da polícia. Aqui estão acontecendo coisas que nós não estamos acostumados a ver: assaltos, mortes. Aí assusta. Então, quanto mais policiais, mais segurança, é melhor – diz a comerciante.
Em Rio do Campo, o comércio em geral se queixa de prejuízos com a ação dos assaltantes que explodiram o Banco do Brasil em 1º de abril. Sem caixas eletrônicos ou saques disponíveis na única agência, o dinheiro não gira, e as vendas despencaram.
– A gente já está nessa crise, e todo mundo querendo dinheiro. O pessoal da agricultura enfrenta bastante dificuldade, porque não é acostumado a usar o cartão. As pessoas não conseguem sacar, só nos Correios ou lotérica, mas o valor é mais limitado. Daí, só conseguem sacar em cidades vizinhas. Afetou bastante o comércio – lamenta a comerciante Marilze Esser.
Na madrugada de 5 de maio de 2015, em Seara, no Oeste, o cabo da PM Leodir Batista Christ foi baleado por um tiro de fuzil durante assalto ao Banco do Brasil. Assaltantes dispararam rajadas em frente à agência e o alvejaram quando se aproximou. O colete o salvou.
Em 3 de setembro de 2015, na fuga após um ataque ao Banco do Brasil em Timbó Grande, ladrões invadiram uma fazenda na região de Calmon, roubaram uma caminhonete e levaram a mulher do dono como refém. Ela foi solta horas depois.
arril de pólvora é a expressão usada por moradores para escancarar a insegurança em São Cristóvão do Sul, no Planalto Serrano. Apenas um policial está disponível por turno de 12 horas no destacamento da Polícia Militar na cidade, que abriga a Penitenciária da Região de Curitibanos, em que estão 1,2 mil presos. Mais um temor ronda os 5.360 habitantes: o acréscimo indesejado no sistema prisional local de 100 homens que vão ocupar a recém construída ala de segurança máxima.
Trata-se de um novo presídio com capacidade para 102 vagas erguido nos fundos da penitenciária e projetado para receber os presos mais perigosos de Santa Catarina. Deverão ser transferidos integrantes de facções criminosas que estão há mais de dois anos em presídios federais por terem comandado ondas de atentados a ônibus, policiais, agentes penitenciários e órgãos de segurança. A construção da ala máxima dividiu a população em São Cristóvão e Curitibanos. Na rua que leva às unidades prisionais está fixado um outdoor com os dizeres “somos contrários à construção da unidade”, assinado pelos poderes Executivo e Legislativo e entidades da cidade.
O modesto destacamento da PM fica nas margens da BR-116, em cima de uma loja e entre duas agências bancárias. Na madrugada de 28 de junho do ano passado, em dois carros, bandidos armados com fuzis dominaram a área atirando contra a PM enquanto comparsas explodiam os caixas do Banco do Brasil. O único policial ouviu os tiros que acertaram a caixa de energia do poste em frente à janela da base e se manteve refugiado ali até a quadrilha ir embora.
– Foi terrível, todo mundo escutou e se assustou. A cidade precisa de mais policiais – apela a comerciante Marileide Cardozo, 38 anos.
O bancário Gregório Gritti, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), considera precária a situação da Polícia Militar em São Cristóvão e afirma que, por enquanto, não há expectativa de melhoria no efetivo policial.
– Estamos esperando que seja resolvido, que o governo coloque mais efetivo nas ruas, mais segurança para a população e para os comerciantes, até como resposta sobre o presídio que está vindo para cá – ressalta.
Das 295 cidades de Santa Catarina, ao menos 102 enfrentam dificuldade na quantidade ideal de efetivo da PM. São destacamentos com menos de sete policiais ativos, o que inviabiliza o funcionamento diuturno da corporação. A informação está em um estudo de 7 de outubro de 2015 enviado pelo comandante-geral da PM, coronel Paulo Henrique Hemm, ao secretário da Segurança Pública (SSP) César Grubba. Na época, o levantamento foi feito como um pedido à SSP para a aplicação da escala de 24 horas de serviço por 48 horas de descanso, o que contrariou a Associação de Praças de SC (Aprasc), que entendeu haver desgaste físico dos policiais no excesso de horas mensal para cumprir a escala.
Em resposta à PM, Grubba autorizou a escala em situação de excepcionalidade enquanto não houver perspectiva de melhoria com a inclusão dos 658 aprovados em concurso de soldados. No documento, o secretário destaca que o recomendado é que uma guarnição seja composta por no mínimo oito PMs. Na prática, a reportagem constatou que é comum policiais fazerem a escala defendida pela Aprasc, com 12 horas de trabalho e 24 ou 48 horas de descanso. Nos últimos meses, também não há indício de que o quadro tenha se modificado nesses locais, pois ainda não houve a convocação dos aprovados em concurso da PM, prevista para junho. Até agora já são quatro adiamentos da convocação.
Coronel paulo henrique hemm
Comandante-geral
da PM em SC
Elisandro Lotin
de Souza
Coordenador de relações públicas da associação de praças de SC
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