Viagens sem fins parlamentares comprovados ou qualquer tipo de justificativa que resultaram em R$ 31 milhões de despesas com diárias na Alesc foram alvo de uma auditoria técnica do Tribunal de Contas do Estado (TCE), concluída em maio de 2012. Com risco de prescrever em fevereiro de 2018, até hoje o processo aguarda julgamento dos conselheiros da Corte de Contas.
O relatório chegou a ficar parado por 831 dias, com retorno de tramitação após série de reportagens do DC em maio de 2015. O Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) demorou um ano para abrir um inquérito para apurar supostas irregularidades na concessão de diárias na Alesc. Além disso, a Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) arquivou uma notícia de fato (procedimento analisado para abertura ou não de inquérito) para apurar a conduta do deputado Gelson Merisio (PSD), ex-presidente do Legislativo catarinense, justificando o cumprimento de regras internas.
Auditores analisaram despesas da assembleia com diárias de deputados e servidores entre janeiro de 2009 e junho de 2011. O documento detalha casos de deputados que fizeram viagens internacionais com justificativas que, de acordo com o levantamento do TCE, não teriam cumprido o Regimento Interno, ou seja, não tiveram autorização prévia da mesa diretora. A investigação também cita notas fiscais de despesas com comprovantes considerados pela auditoria como “inidôneas”, com número de série sequencial ou com preenchimento irregular. Foi apontada ainda a falta de argumentação para explicar a função parlamentar das viagens.
PROCURADORIA DEVE
EMITIR PAREcer EM MAIO
Na época da publicação da reportagem no DC, a relatoria do processo foi transferida de Cesar Filomeno Fontes para o conselheiro substituto do TCE-SC Gerson Sicca. A partir de então, de acordo com a assessoria do TCE, o caso das diárias teve 19 audiências. Desde 9 de fevereiro deste ano, o caso está sob análise da procuradora do Ministério Público do Tribunal de Contas (MPTC), Cibelly Farias. O prazo para apresentação do parecer sobre o processo se encerra hoje.
Após essa fase, o relator vota e o processo é analisado no Pleno do TCE. A mesma procuradora apresentou em 2015 cinco pedidos de abertura de processos para investigar despesas com diárias em cinco viagens internacionais da Alesc, que somavam R$ 300 mil, uma delas de parlamentares e servidores para um congresso de sorvete na Itália.
A reportagem apurou que a principal conclusão do relatório técnico é que os gastos com diárias em viagens em fins de semana e para cidades de bases eleitorais representam atividade político-partidária. Os auditores orientam que a prática seja interrompida.
Se o processo não for analisado até fevereiro de 2018, o relatório técnico e os achados são considerados extintos pelo TCE. A data de prescrição leva em consideração cinco anos após o mês do fim do mandato do presidente da Alesc no período da auditoria. Merisio era presidente de 2011 e ficou no cargo até fevereiro de 2013. A regra está na lei complementar estadual no 588/2013, proposta no final de 2011 pelo próprio Merisio. Anteriormente não havia prazo prescricional para relatórios técnicos na Corte de Contas.
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Auditoria concluída no começo de 2012 por técnicos do TCE apontou diversas falhas no controle da concessão de diárias de viagem. Fatos ainda não foram julgados pelos conselheiros da Corte de Contas
Promotora Anelize Machado, da 12a Promotoria da Capital, instaurou inquérito civil em julho do ano passado para averiguar “possíveis irregularidades no pagamento de diárias a deputados e servidores da Alesc”
Atual desembargadora do Tribunal de Justiça de SC (TJSC), a então subprocuradora-geral de Justiça para Assuntos Jurídicos do MP-SC, Vera Lúcia Copetti, solicitou documentos ao TCE e à Alesc para avaliar a denúncia entregue no primeiro semestre de 2015. Em despacho de maio de 2016, ela escreve que, com as informações obtidas, não encontrou indícios de “infrações penais” nas “irregularidades descritas”, mas afirma que “tratam-se, em tese, de possíveis atos de improbidade administrativa”, rejeitando abertura de inquérito.
No mesmo despacho, Vera Lúcia trata da suspeita de infração penal do deputado Romildo Titon (PMDB), que teria sido cometida em viagem a Campos Novos em fevereiro de 2010. Ele recebeu R$ 3.350 em diárias e, de acordo com a auditoria do TCE, apresentou recibos de despesas com assinaturas distintas. Mesmo sem pedir perícia nos comprovantes, ela indeferiu a abertura da investigação afirmando “ausência de elementos de prova”.
A subprocuradora-geral ainda abriu uma notícia de fato para apurar apenas despesas com diárias de Gelson Merisio. Quatro meses depois, em setembro de 2016, arquivou o caso sobre o parlamentar. A justificativa foi a mesma usada para encerrar inquéritos anteriores: de que as regras internas de concessão de diárias foram obedecidas. Ela cita ainda que o deputado, que recebeu R$ 69 mil em diárias em 2009, devolveu R$ 46 mil “por iniciativa própria”, quando um inquérito civil já tramitava na PGJ, em 2013.
Vera Lúcia argumenta ainda na decisão que todas as regras do ato 162/2008, que regulava as diárias na Alesc no período avaliado, foram cumpridas, elogiando decisões posteriores da Alesc realizadas em 2015, citando a “limitação no número de diárias por gabinete”. Procurada, a desembargadora afirmou que os questionamento sobre o processo deveriam ser endereçados ao MP-SC, junto ao atual titular da subprocuradoria-geral da Justiça. Em nota, Vera Lúcia afirmou que “seus atos no referido procedimento são públicos, estão fundamentados, e expressam sua compreensão dos fatos na ocasião.” A assessoria de imprensa do órgão informou por telefone que o atual sub-procurador geral para Assuntos Jurídicos, Aurino Alves de Souza, não comentaria decisão da antecessora.
CALENDÁRIO DE atos
Após a auditoria do TCE sobre as diárias, a Assembleia Legislativa de SC implementou quatro mudanças nas regras para concessão do benefício em 2015
Ato da mesa no 127, de 26/2/15: estabelece limite mensal de 50 diárias para gabinetes.
A regra já existia desde 2006, mas foi modificada para 70 diárias em 2008, quando a Alesc, presidida pelo atual conselheiro do TCE, Julio Garcia, esticou o limite.
Ato da mesa no 236, de 25/3/15: mesa diretora aprova um ato que retira da norma a exigência do servidor ou deputado apresentar documentação que comprove participação em curso ou evento que serviu de justificativa para a viagem.
Ato de mesa no 354, de 07/5/15: reduz de 6 horas para 4 horas o tempo mínimo para não receber o reembolso das diárias.
A utilização de veículo próprio para viagem fica restrita apenas a deputados.
Ato de mesa no 500, de 15/7/15: quatro meses após retirarem a exigência de apresentação de comprovante de participação em cursos ou eventos, os deputados decidem pelo retorno do item nas normas do Legislativo. Além disso, quando a viagem é no fim de semana e feriados é preciso detalhá-la.
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Em março de 2015, uma notícia de fato sobre irregularidades em pagamentos de diárias na Alesc foi protocolada na
12a Promotoria de Defesa da Moralidade Administrativa da Capital e posteriormente encaminhada à Procuradoria Geral de Justiça (PGJ) do MPSC. Desde 2011, seria a terceira vez que uma denúncia sobre diárias chegava à Procuradoria. Nos dois primeiros casos, houve abertura de inquérito com posterior arquivamento. O último gerou a instauração de uma notícia de fato à parte para investigar ações do deputado Gelson Merisio. O caso foi arquivado em setembro de 2016.
No entanto, a notícia de fato apresentada em março de 2015, com base no relatório técnico do TCE, retornou para a 12a Procuradoria de Justiça e a promotora Anelize Nascimento Machado abriu um inquérito civil para apurar possíveis irregularidades na concessão de diárias na assembleia. Entre as justificativas para a abertura da investigação, em julho de 2016, a promotora escreve: “Considerando a inexistência de atividades de controle interno no que tange ao controle e acompanhamento das concessões e às prestações de contas das diárias recebidas pelos deputados e servidores da Alesc”. A punição para atos de improbidade prescreve cinco anos após o suposto delito ter sido exposto. Porém, a Lei Federal 8429/92 esclarece que se houver dano aos cofres públicos a devolução dos valores é imprescritível.
Para o doutor e professor em Direito Constitucional da Univali Luiz Magno Bastos Junior, casos de excessos de gastos devem ser expostos para inibir o desperdício de dinheiro público:
– A aplicação da lei só existe, com suas penalidades, se houver uma fraude no sistema. Por exemplo, o servidor ou deputado recebeu a diária e não viajou. Se a regra da Casa permite viagens em fins de semana, então eles não podem ser punidos legalmente. Mas quando os gastos em diárias são excessivos, como ocorre em Santa Catarina, todos nós podemos e devemos discutir e criticar. Isso é incompatível com o momento atual do país.
reflexos das medidas
Número de viagens e gastos com diárias antes e depois dos atos na Alesc
NÚMERO DE VIAGENS PRÉ-ATO 127
VALORES PRÉ-ATO 127
COMO LER O GRÁFICO:
NÚMERO DE VIAGENS PÓS-ATO 127
VALORES PÓS-ATO 127
NÚMERO DE VIAGENS
VALORES EM DIÁRIAS
r$ 26,4
MILHÕES
R$ 16,7
MILHÕES
25.905
24.220
Destino das viagens realizadas antes e depois das medidas
POR ITINERÁRIO
95
R$ 588 MIL
Sem informação: 2.850
Sem informação: 2.286
r$ 358 MIL
48
712
R$ 719 MIL
r$ 506,9 MIL
597
22.248
R$ 25,1
MILHÕES
R$ 15,9
MILHÕES
21.298
INTERNACIONAL
INTERNACIONAL
INTERESTADUAL
INTERESTADUAL
ESTADUAL
ESTADUAL
EVOLUÇÃO POR ANO
Número de viagens e valores pagos em diárias no período
14.371
R$ 14,2
MILHÕES
R$ 12,4
MILHÕES
R$ 9,5
MILHÕES
R$ 7,6
MILHÕES
R$ 471,8 MIL
11.657
12.962
11.302
801
2013
2015
2014
2016
2017*
NÚMERO
DE VIAGENS
VALORES
DE DIÁRIAS
*JANEIRO E FEVEREIRO