Ao Pé da Letra
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Infinita Highway - Engenheiros do Hawaii
"Minha Highway é mais vinculada à Estrada da Vida, de Milionário e José Rico, e à nossa Freeway, do que à highway mitológica dos americanos"
Veja Humberto Gessinger comentando o contexto de surgimento e as referências de Infinita Highway
Gravada no LP A Revolta dos Dândis, de 1987, Infinita Highway é um dos maiores sucessos dos Engenheiros do Hawaii. Com quase sete minutos de duração ("Os caras queriam que a gente cortasse", lembra Gessinger), a canção tem em Bob Dylan referências estéticas e textuais. "É uma mistura implausível, porque ao mesmo tempo que tem isso da música folk, há uma instrumentação que flertava com a música progressiva", destaca Gessinger, que considera a esta uma das músicas mais importantes de sua carreira – e presença ainda frequente em seus shows.
Você me faz correr demais
Os riscos desta highway
Você me faz correr atrás
Do horizonte desta highway
Ninguém por perto, silêncio no deserto,
Deserta highway
Estamos sós e nenhum de nós
Sabe exatamente onde vai parar
Mas não precisamos saber pra onde vamos
Nós só precisamos ir
Não queremos ter o que não temos
Nós só queremos viver
Sem motivos nem objetivos
Estamos vivos e isto é tudo
É sobretudo a lei
Dessa infinita highway
Quando eu vivia e morria na cidade
Eu não tinha nada, nada a temer
Mas eu tinha medo, medo desta estrada
Olhe só! Veja você
Quando eu vivia e morria na cidade
Eu tinha de tudo, tudo ao meu redor
Mas tudo que eu sentia era que algo me faltava
E, à noite, eu acordava banhado em suor
Não queremos lembrar o que esquecemos
Nós só queremos viver
Não queremos aprender o que já sabemos
Não queremos nem saber
Sem motivos, nem objetivos
Estamos vivos e é só
Só obedecemos a lei
Da infinita highway
Escute garota, o vento canta uma canção
Dessas que a gente nunca canta sem razão
Me diga, garota: "Será a estrada uma prisão?"
Eu acho que sim, você finge que não
Mas nem por isso ficaremos parados
Com a cabeça nas nuvens e os pés no chão
Tudo bem, garota, não adianta mesmo ser livre
Se tanta gente vive sem ter como viver
Estamos sós e nenhum de nós
Sabe onde quer chegar
Estamos vivos sem motivos
Mas que motivos temos pra estar?
Atrás de palavras escondidas
Nas entre linhas do horizonte
Desta highway(?) Silenciosa highway
"Eu vejo um horizonte trêmulo
Tenho os olhos úmidos"
"Eu posso estar completamente enganado
Posso estar correndo pro lado errado"
Mas "A dúvida é o preço da pureza"
É inútil ter certeza
Eu vejo as placas dizendo "Não corra"
"Não morra", "Não fume"
"Eu vejo as placas cortando o horizonte
Elas parecem facas de dois gumes"
Minha vida é tão confusa quanto a América Central
Por isso não me acuse de ser irracional
Escute garota, façamos um trato:
"Você desliga o telefone se eu ficar muito abstrato"
Eu posso ser um Bealte
Mas eu não sou ator
Eu não tô à toa do teu lado
Por isso garota façamos um pacto:
"Não usar a highway pra causar impacto"
Cento e dez
Cento e vinte
Só pra ver até quando
O motor aguenta
Na boca, em vez de um beijo,
Um chiclet de menta
E a sombra de um sorriso que eu deixei
Numa das curvas da highway
Não se trata de um discurso de sedução. A figura feminina representa uma fragilidade que serve à música. É um interlocutor frágil, diante das possibilidades e das impossibilidades da estrada. Acho que tem a ver com isso, com estrada no sentido de possibilidades, que se traduzem em decisões, dúvidas
Me chama atenção por que diabos usei a palavra highway. Fico tentando pensar se é das canções americanas. Acho que minha Highway é mais vinculada à Longa Estrada da Vida, de Mil e Zé Rico, e à nossa Freeway de ir à praia, do que à coisa da highway mitológica dos americanos, da highway 66, essas coisas
É referência ao filme de ação Viver e Morrer em Los Angeles, de 1984? Nossa, essa passou batido!
Eu estava ouvindo muito Dylan na época, e ele faz isso muito bem. As músicas do Dylan podem se resumir a dois versos, ele escreve muito assim, "eu pego à direita, ela pega à esquerda". E elas, em si só, são uma cena de teatro, uma ideia para romance. Ele tem essa manha, mais ainda nas canções longas, como Like a Rolling Stone, ele tem essa manha: ali tem vários pequenos diálogos. E acho que isso foi uma influência. Acho que tem essa sombra em cima te dizendo que o texto e a fala podem ser a estrutura da música. Em Infinita, a voz faz quase o papel do baixo, que fica ali para fazer contraponto, é quase o inverso que seria certo.
Não sei se é porque tenho olhos claros, mas acho que essa coisa de sol e calor, é uma bobagem, mas foi um fator importante para a construção do meu caráter, ter um pouco de fotofobia. E aquele asfalto lá longe, em dias de calor, que fica meio trêmulo, com aquela fumaça, dá uma noção de que o horizonte é irreal. Quando se está com os olhos úmidos e dá uma borrada. Essa imagem é meio por aí.
É uma frase do Sartre que me fascina, porque, até hoje, não sei dizer por que um existencialista diria isso, e o que que ele estaria querendo dizer com isso, me parece tão fora do discurso deles, mas que tem tudo a ver com o lance da Infinita, né, que a dúvida da próxima curva... e o quão um GPS pode tirar a graça de uma estrada, né? Obviamente, não havia GPS na época, mas essa frase fala um pouco isso.
É como aquelas frases que as tias dizem, "não corre que eu tô com pressa", aquele oxímoro, "disciplina é liberdade", "um passe pra trás para dar dois pra frente". Se aqui na cidade, todas as mãos fossem possíveis, se tu pudesse dobrar à direita ou à esquerda em qualquer rua, teoricamente, num grão pequeno, tu estaria sendo muito mais livre, mas no geral, estaria muito mais preso, pararia o trânsito. As placas, nesse sentido, tentam organizar algo que por si só é caótico.
Por incrível que pareça, a ideia me veio mais da relação do som, de faca com placa. Me lembro de estar passando em uma estrada, em um dia com nuvens no céu, e ao passar pelas placas elas pareciam estar fatiando as nuvens. Me veio antes a coisa de "faca" e "placa". Lembro de ter esse lance da faca e da placa cortando fatias da estrada ter vindo antes do que está escrito na estrada. Gosto muito de aliteração. Risco e disco. Isso cai naquele negócio da voz cumprindo o papel (rítmico) do baixo. Eu não sou um cantor. A voz para mim, na fase de trio, é uma muleta, não me divirto cantando. Até uns cinco anos de banda, nem entrevista eu dava sem instrumento nas mãos.
Eram países muito instáveis, politicamente, e geograficamente em uma transição entre os hemisférios. Uma política muito difícil de se acompanhar, e de saber quem está no poder e quem está no lado de quem. Ao mesmo tempo, uma região com uma indolência tropical. Se eu dissesse "minha vida é tão confusa quanto o Oriente Médio", seria uma confusão muito mais violenta, né. Então acho que a América Central dizia muito bem qual era o tipo de confusão, uma confusão, mas com sol.
Pois é, qual dos três eu seria? Acho que o beatle tem essa coisa bem formatada, bem sucedida; o beatnik tem o talento, mas outsider; e o bitolado, o contrário de tudo isso. Acho que estou equidistante dessas três coisas.
Cento e sessenta para rimar com "aguenta". Podia ser 90. Não éramos uma banda (da transgressão). A gente era uma banda de college, que ainda não existia, éramos estudantes de Arquitetura que montamos uma banda.