Beleza sem par
#Floripa289
O pedacinho de terra perdido no mar e sua porção continental completam 289 anos ao som do Rancho de Amor à Ilha, poesia de Zininho, que há cinco décadas embala as declarações apaixonadas por Florianópolis
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Como nasce uma paixão
"Poeta é quem canta a sua terra, o seu amor e com o coração". Em apenas 44 letras, o músico carioca João Nogueira conseguiu sintetizar Zininho, o compositor da canção-símbolo e hino de Florianópolis: o Rancho de Amor à Ilha. Nogueira já era famoso no Brasil quando esteve no restaurante Trintão, à beira do mar em Coqueiros, cantando em dueto o hino da Capital com Cláudio Alvim Barbosa, o Zininho. A composição do manezinho deixou o experiente cantor admirado. Floripa não precisa se esforçar para encantar quem nasce, mora ou visita suas terras. Porém, em 289 anos, nenhuma outra pessoa conseguiu explicar de forma tão simples, melódica e encantadora a cidade como o poeta Zininho.
Em 2015, a composição do Rancho de Amor à Ilha completa 50 anos e, mesmo com o ritmo marcha-rancho fora de moda, a melodia e a letra não deixam de ser sucesso. Desde a primeira apresentação, a canção causou impacto na vida dos florianopolitanos.
Desafio: você conhece bem Florianópolis?
O pintor Victor Meirelles registrou a beleza da cidade no século 19. Tente adivinhar onde ele estava quando captou as curvas e a rotina da Capital e as transferiu para as telas:
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ZININHO, EM ENTREVISTA AO
JORNAL O ESTADO, EM 1990
Por pouco, a canção
não foi composta
Autor de qualidade e fino trato, Zininho quase ficou de fora do concurso "Uma Canção para Florianópolis", que projetou o Rancho. No final do mandato, o prefeito da Capital Paulo Gonçalves Weber Vieira da Rosa, o General Vieira da Rosa, queria deixar uma marca na administração. Mas acima de tudo, reconquistar a simpatia da população. O concurso aconteceu apenas um ano depois do golpe militar de 1964 - que pôs fim ao regime democrático no Brasil e estabeleceu uma ditadura que durou até 1985 - e seguido de um aumento nos impostos, incluindo o IPTU.
Assim, o prefeito queria um fato alegre para amenizar o impacto negativo das últimas medidas.
O jovem assessor de imprensa Luiz Gonzaga de Bem ficou encarregado de criar algo espontâneo e de boa repercussão. Em conversa com o colega Donato Ramos, da Rádio Santa Catarina, propôs um concurso para eleger a canção da cidade.
Mais de 200 músicas foram inscritas, muitas de fora de Santa Catarina. Apesar de artista consolidado, o Gentleman do Rádio, como também era conhecido Zininho, não pensava em participar. Foi pressionado pelos amigos e pelo General Vieira da Rosa que o poeta compôs e inscreveu no último dia o Rancho de Amor à Ilha.
Galeria: Uma releitura aos versos de Zininho
Inspirado pela letra do Rancho de Amor à Ilha, o fotojornalista Ricardo Wolffenbüttel percorreu a cidade para registrar novos ângulos que representem a poesia composta por Zininho. Você sabe identificar quais são os versos?
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ZININHO
A boemia e a inspiração
Com um balde cheio de gelo, uma garrafa de uísque e deitado na rede em sua casa no Balneário, Zininho começou a compor o Rancho de Amor à Ilha. Buscou informações em um livro do IBGE. Procurou por números como a população da cidade e as extensões das praias. Mas foi uma inspiração ao acaso que deu o start para a criação da música que eternizaria o manezinho na história de Florianópolis.
O Gentleman do Rádio lembrou dos tempos em que estudava no Colégio Lauro Müller, no Centro, ao se inspirar numa cartilha que dava conceito à palavra ilha.
A composição foi feita em duas partes e a segunda foi feita na mesa do antigo bar e restaurante Miramar. Zininho tinha uma dúvida sobre uma das estrofes da canção. Para ele, o mais belo era: "Ilha da linda Lagoa que eu não sei de loa capaz de exaltar".
No entanto, ouviu o conselho do amigo radialista Adolfo Ziguelli: o mais simples era o melhor. Assim, escreveu a famosa: "Tua Lagoa formosa, ternura de rosa, poema ao luar"
— O pai até queria colocar o Ziguelli de paceiro na música por causa disso, mas ele não aceitou — recorda a caçula do compositor, Cláudia Barbosa.
Neide Mariarrosa, intérprete favorita de Zininho, foi a responsável por cantar a canção no concurso.
A vitória não foi fácil, mas teve resultado imediato. O sucesso foi estrondoso. Tanto que apenas três anos depois de ser composta virou o hino da cidade. Foi o vereador Waldemar da Silva Filho que apresentou o projeto de lei, que sem dificuldades foi sancionado no dia 27 de junho de 1968, e se tornou a lei 877.
_ Não é necessário falar do Rancho de Amor à Ilha como hino, o povo canta. A voz da cidade diz mais do que qualquer lei _ garantiu o vereador em gravação da TV Catarinense, a mesma que colocara lado a lado Zininho e João Nogueira.
Muitas formas de cantar
a beleza de Floripa
A música tem um papel importante na constituição de uma identidade regional. Além disso, ajuda na criação de raízes. O futuro muitas vezes nasce do passado, com o culto a cultura usada para o crescimento no presente. Por isso, apesar de ser um hino o Rancho de Amor à Ilha ganhou diversas versões. Confira três delas:
Em francês
Dazaranha
Luiz Henrique Rosa
Interatividade: Qual estilo você prefere?
A capella (cantada pela filha de Zininho, Cláudia Barbosa), interpretada por músicos de rua ou pelo próprio Zininho? Navegue pelo vídeo e escolha seu favorito:
A vida e a obra de Zininho
Um dos manezinhos mais famosos na verdade é tripeiro — nome dado a quem é do continente e que faz referência a uma rixa antiga entre os moradores do Estreito e da Ilha. Cláudio Alvim Barbosa nasceu no dia 8 de maio de 1929 em Três Riachos, bairro de Biguaçu. Mas não ficou muito tempo na cidade vizinha. Com apenas dois anos perdeu o pai, Alvim Godofredo Barbosa, que morreu afogado em um rio. Os avós paternos, João Manoel dos Santos Barbosa e Maria Machado de Souza Barbosa, decidiram criar o neto, já que tinham melhores condições. Foi assim que foi morar nas redondezas do Largo Treze de Maio — hoje Praça da Bandeira. Palco de sua infância virou canção:
"Ai, que saudade, eu vou sentir a vida inteira, do velho Largo Treze de Maio, que hoje é Praça da Bandeira", compôs.
Um copo cheio e um cigarro na boca eram seus companheiros mais fieis. A figura do boêmio é personificada em Zininho, que descobriu a paixão pelo rádio cedo e foi lá que fez fama ao comandar programas como o Gentleman do Rádio, na Guarujá, em 1947. A vinheta de abertura apresentava:
"Eu já não posso mais sair na rua. Sou conhecido de qualquer jeitinho. E as meninas quando me avistam vão logo dizendo: aí vem o Zininho!'"
Apesar da fama e das muitas canções, o poeta era um homem introspectivo. Sentia-se à vontade com um copo de uísque na mão, mas, plea timidez, o sucesso o incomodou quando estourou o Rancho de Amor à Ilha. Em 1951, a prefeitura, com o apoio da Rádio Guarujá e do Lira Tênis Clube, promoveu um concurso de música carnavalesca. Zininho levou a melhor e com isso emplacou seu primeiro grande sucesso na Capital, com a marcha Princesinha da Ilha.
Gravações raras
são deixadas pelo poeta
Na reta final da vida, Zininho se instalou em um condomínio no Bairro Abraão. Lá, tinha um estúdio onde gravou vários artistas locais. Seu acervo está na Casa da Memória e traz várias raridades da cultura ilhéu.
— O pai dava um valor enorme à memória. Ele ensinou muito isso aos filhos. Tem coisa ali muito rara, várias gravações da Neide Mariarrosa — conta a filha Cláudia, que tem em fita cassete o primeiro choro dela registrado pelo pai.
Abalado por um enfisema pulmonar e câncer de próstata, Zininho passou seus últimos dias recolhido no apartamento do Abraão com todas as luzes apagas. A única coisa a iluminar a casa era a luz azul do videocassete que marcava as horas.
O poeta morreu no dia 5 de setembro de 1998 no apartamento n° 9 do Hospital Nereu Ramos.
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