Os boletins ao vivo, as edições extraordinárias e as imagens do acidente são exibidas no televisor de uma loja do bairro Moema, em São Paulo, mas Salete Redecker e a filha Mariana estão distraídas escolhendo sapatos e não se preocupam. Elas haviam chegado de Porto Alegre horas antes, depois de antecipar o horário da viagem. Mas o deputado federal do PSDB gaúcho Júlio César Redecker, 51 anos, marido de Salete e pai e Mariana, havia mantido o planejamento e embarcara no voo 3054. Na loja de sapatos, o celular de Mariana tilinta.

– Vi o acidente na TV e pensei no teu pai – diz um amigo.

É só então que mãe e filha reparam nos monitores que exibem o prédio em chamas. Tentam o celular de Redecker, mas ele não atende. Salete liga para Brasília, para a secretária do parlamentar. Ela repassa o voo em que ele embarcou: 3054. A TV informa outro número, mas isso não as tranquiliza. Correm para a rua, entram em táxi, pedem para ir a Congonhas, logo ali ao lado.

– Não tem como chegar lá. Está tudo trancado – responde o motorista.

Quando o televisor exibe as imagens no bairro Rio Vermelho, em Salvador (BA), o mecânico de ultraleves Geraldo Silva Junior prepara os tênis e o fardamento para o jogo de futsal com o filho, Janus Lucas Leite Silva, 26 anos, que está para chegar de uma viagem a trabalho pela Braskem. Silva Júnior interrompe os preparativos e mira a TV. Pega o telefone e disca o número da noiva de Janus.

– Você sabe qual é o voo dele?

Ela não responde. Ela apenas chora.

Quando a voz de William Bonner irrompe em milhões de lares brasileiros, faz apenas 13 minutos que Henrique Stephanini di Sacco, 53 anos, gritou "Vira! Vira!Vira!" na cabina do Airbus da TAM. Naquele momento, a notícia pipocava em todos os sites. Em um deles, a mulher do aeronauta, Maria Helena, depara com a informação e tenta lembrar em que voos di Sacco estaria naquele dia. Pela manhã, como de costume, ele deixara sobre a mesa da cozinha a escala de serviço. Pouco depois, a caminho do aeroporto, telefonara a Maria Helena e pedira-lhe que o apanhasse em Congonhas às 22h.

Agora, ela força a memória, mas só lembra que a última rota o traria de Brasília. Calcula que o marido não estava no avião acidentado, mas vai atrás da escala, na cozinha. Pega no papel e desfalece: di Sacco era o copiloto do voo 3054. Mesmo assim, não se convence. Telefona para o celular dele. Cai na caixa de mensagens. Então liga para a TAM e recebe a confirmação: ele estava no avião.

Em um consultório de Porto Alegre, a notícia da tragédia chega à psicóloga Eneida Fleck Suarez aos pedaços e por acaso, por meio um telefonema. O celular que toca é de um paciente, no começo da sessão. O homem atende um amigo preocupado, que quer se certificar de que ele não era passageiro do avião que, mostram as TVs, está em chamas em São Paulo.

Eneida escuta os fiapos da conversa e se dá conta de que sabe que voo é aquele. Havia comprado passagens nele para a mãe, a aposentada Sueli Fleck, 73 anos, e para o sobrinho, Fernando Fleck de Paula Pessoa, 22 anos. Os dois passariam férias em Fortaleza (CE). Ela entra em desespero e liga o rádio. Sabe que, mais cedo ou mais tarde, ouvirá os nomes dos dois na lista dos mortos.

No saguão de Congonhas, à espera dos filhos Caio Augusto Bueno Dalprat, 12 anos, e Rafaella Bueno Dalprat, 17 anos, que estavam no voo 3054, o gerente de vendas de iates Ítalo Dalprat recebe um telefonema:

– As crianças chegaram? – pergunta, de Porto Alegre, sua irmã, a bancária Luciana Dalprat.

Não, não chegaram. E então Luciana, que ajudara a acolher os sobrinhos durante uma semana de férias na capital gaúcha, informa o que Ítalo não sabia, apesar de estar em Congonhas: há um avião incendiando no aeroporto.

Em um shopping de Porto Alegre, a atendente da TAM responsável por fazer o check-in de Thaís e Rebecca deixa tombar o celular e a bolsa quando recebe a notícia do acidente. Poucas horas antes, no Salgado Filho, Tatiane Assum embarcara quase todos os passageiros do voo 3054. A muitos deles conhecia pelo nome, de tão habituais. Vê à sua memória as duas amigas, Thaís e Rebecca, pedindo assento na janela. Tatiana recorda ter dito aos parentes que se despediam das meninas: "Fiquem tranquilos, que tudo vai correr bem".

Em cada pessoa, a notícia de que um familiar pode estar ardendo nas chamas provocadas pela explosão do Airbus desencadeia uma reação diferente. Em Ribeirão Preto (SP), Ana Maria Monteiro Castígio senta ao sofá e começa a telefonar mecanicamente para os números da filha, a comissária da TAM Aline Monteiro Castígio, 28 anos. Continuaria a fazer as chamadas noite adentro. O pai de Aline, por sua vez, entra no carro e começa a percorrer os 319 quilômetros até São Paulo, na esperança de achar a filha no apartamento, dormindo. A busca de pai e mãe terminaria só com a confirmação de que Aline estava entre os mortos.

Em Florianópolis, a reação do artista plástico Carlos Hirschmann Almeida é o silêncio. Ele prepara o jantar quando recebe a ligação de um amigo, que tenta localizar o analista de sistemas Rodrigo Prado de Almeida, 26 anos, enteado do artista. Então a notícia do acidente, que apenas o chateara minutos antes, ganha outra conotação: sabia que o enteado estava de viagem marcada para São Paulo naqueles dias. Entra em pânico, mas fica mudo. Não quer assustar a mulher, a mãe do rapaz.

Na Capital paulista, Bruno Caltabiano não tem a mesma contenção. Atira o telefone no chão. Acaba de ser avisado de que seus dois filhos homens talvez estivessem no voo.

– Perdemos os meninos – diz para a mulher, Suzana.

Em um apartamento localizado na Asa Sul de Brasília, toca o celular do tenente-coronel-aviador Fernando Silva Alves de Camargo, 45 anos. Ele interrompe o descanso para atender o coronel Rufino da Silva Ferreira:

– Camargo, um Airbus pousou em Congonhas, saiu da pista e bateu no prédio do outro lado da avenida.

Ele sabe o que isso significa, só não esperava que acontecesse tão rápido. Chefe da divisão de investigação do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), fora avisado na véspera que o próximo acidente aéreo de grandes proporções ficaria sob a sua batuta. Recebera ordem para criar uma força de elite apta a responder com agilidade a um desastre. Enquanto veste a farda e arruma a mala, Camargo tenta inteirar-se dos fatos pela TV. Pouco depois está em um avião, no rumo de Guarulhos.

Sem poder ir a Congonhas em consequência do colapso na cidade, Salete e Mariana, mãe e filha do deputado Redecker, retornam ao hotel. São procuradas por uma assessora do governador José Serra. Em contato permanente com as autoridades pelo celular, a servidora atualiza as duas sobre a operação de resgate. Sentada na ponta da cama, de frente para a TV, com a bolsa a tiracolo, Salete se mantém a postos para sair a qualquer momento e reencontrar o marido. Espera apenas que lhe digam onde ele está.

– Descubra o mais rápido possível para qual hospital vão levá-lo, porque eu quero chegar lá antes dele – pede à assessora.

Em Barueri, na grande São Paulo, Maria Estela Outor Teixeira, 63 anos, recebe um telefonema dos Estados Unidos. É um dos seus filhos, preocupado com o irmão, Douglas Henrique Teixeira, 28 anos, formado em Propaganda e Marketing e funcionário da empresa Vedax. Maria vê o avião em chamas pela TV e, anestesiada, repete:

– Ele não está lá. Ele não está lá.

Sim, Douglas estava lá.